A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E O ENSINO TÉCNICO!
Ramalho Ortigão possui duas qualidades eminentes, de grande resultado moral, rara nos seus contemporâneos: – não é bacharel e tem saúde. (Eça de Queiroz).
Prof. Rui Baptista na década de 60.
Mais vezes do que aquelas que a minha paciência suporta, algumas vozes tentam convencer a opinião pública da bondade do boom operado no actual sistema educativo que se traduziu em aumentos exponenciais de cidadãos de posse de diplomas de ensino superior.
Tudo isto seria digno de encómio, ou mesmo de orgulho nacional, não se desse o caso de na percentagem de licenciados se incluírem todos os indivíduos com um diploma de duvidosa proveniência que os iguala em direitos e os desiguala em deveres, numa espécie de preito a um demérito que a ética deve reprovar, a justiça obriga a rejeitar e um estado de direito não pode legitimar. Mas legitimou, uma vez mais, com a “licenciatura” de Miguel Relvas!
Ora este statu quo, em que, não poucas vezes, a bolsa dos pais conta mais do que a massa cinzenta dos filhos, fica a dever-se a uma coisa bem simples, que repousa menos no direito constitucional à educação e mais no novo-riquismo da democracia portuguesa, que foi reconhecida pelo ex-ministro da Educação David Justino quando lamentava o facto de, no pós-25 de Abril, “se ter morto o ensino técnico e profissional, tendo-se perdido, com isso, quase 30 anos” (Diário de Coimbra, 10/12/2003).
Mas ouçamos, sobre esta temática, a voz de Howard Gardner, psicólogo da Universidade de Harvard e festejado autor da Teoria das Inteligências Múltiplas:
“Chegou a hora de alargar a nossa noção do espectro dos talentos. A contribuição mais importante que a escola pode fazer para o desenvolvimento de uma criança, é ajudar a encaminhá-la para a área onde os seus talentos lhe sejam mais úteis, onde se sinta satisfeita e competente. É um objectivo que perdemos completamente de vista. Em vez disso, submetemos toda a gente a uma educação em que, se somos bem sucedidos, a pessoa fica preparada para ser professor universitário.
E, ao longo do percurso, avaliamos toda a gente de acordo com esse estreito padrão de sucesso. Devíamos passar menos tempo a classificar as crianças e mais tempo a ajudá-las a identificar as suas competências e dons naturais, e a cultivá-los. Há centenas de maneiras de ser bem sucedido e muitas, muitas capacidades que nos ajudarão a lá chegar”.
E, se é verdade que o direito à educação está estabelecido pela Constituição, igual direito se perfila no que respeita à cultura física e à prática desportiva. Mas daí a defender que o acesso à universidade deve ser para todos, independentemente do seu interesse por um diploma que lança licenciados para as garras do desemprego, apresenta o mesmo vício de forma que considerar que aos praticantes de futebol de menor aptidão físico-motora deve ser facultada a integração nas equipas profissionais dos maiores clubes da 1.ª Liga de futebol.
Em mera hipótese, suponhamos que Eusébio, Figo e Cristiano Ronaldo tinham sido obrigados a desistir das suas competências, para utilizar a classificação de Gardner, “corporal-cinestésicas” em favor de exigências “lógico-matemáticas ou linguísticas”. Não seriam eles hoje indivíduos a aumentar os números do insucesso escolar, mesmo que escamoteados em dados estatísticos para inglês ver?
Por este facto, considero que colocar indivíduos no ensino técnico-profissional depois de terem falhado anos consecutivos num ensino direccionado para o ingresso em escolas de ensino superior desacredita aquele ensino tornando-o numa escolha de último recurso.
Urge mudar a mentalidade de uma sociedade arreigada a padrões obsoletos de sucesso, regressando a um ensino que seja capaz de indicar ao aluno o caminho a seguir, segundo as suas capacidades avaliadas em testes de aptidão vocacional. E, além disso, não misturando numa mesma escola secundária alunos de “caneta” com alunos que necessitam de oficinas devidamente apetrechadas e professores com a necessária formação técnica.
Julgo ter conhecimento de causa por ter iniciado a minha carreira docente na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, da então Lourenço Marques, e ter-me deparado com um “site” dessa escola que homenageia o respectivo corpo docente em agradecimento dos seus alunos pela “formação recebida, quer como estudantes, quer como pessoas”.
Reza essa homenagem:
Naturalmente que, como em tudo, no respeitável corpo docente que ao longo dos anos leccionou na nossa escola, nem todos conseguiram ser populares, mas todos contribuíram, de uma forma ou de outra, para a nossa formação, quer como estudantes, quer como pessoas. Alguns deixaram a sua marca. (…) Ainda hoje, e eu faço notar isso aos meus filhos, eu sei o nome dos meus professores, e faço questão de realçar a sua competência. Pena que nem todos eles possam já tomar conhecimento de que também fazem parte da nossa saudade académica.
Desta Escola Industrial (que perdura na minha saudade e com lugar de grande destaque perante outros sistemas de ensino onde leccionei, v.g, ensino liceal e universitário), de que fui professor de Educação Física de 1957 a 1975, por mérito de antigos alunos meus, que sempre encararam o desporto como um valioso meio de educação integral, seja-me permitido orgulhar-me do importante papel por eles desempenhado (sem excluir, de forma alguma, alunos de outras escolas do ensino secundário como, por exemplo, Escola Comercial Dr. Azevedo e Silva) no panorama desportivo português antes e depois de 25 de Abril. Seja no Basquete, na Natação, no Hóquei em Patins, no Atletismo, etc.
E se os antigos professores da Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque foram merecedores da belíssima e comovente homenagem acima transcrita, não menos homenageados devem ser os respectivos alunos porque os professores são o espelho dos seus alunos. E vice-versa!
2 Comentários
Rui Baptista
Caro António Caramujo: O nosso exemplo é a melhor fprma de educar os nossos filhos. E o exemplo dos estudantes da nossa Escola Industrial, uma escola séria e que transmitiu princípios éticos, reconhecidos na transcrição que faço de rtestemunhos de alunos que nela estudaram deve cair berm fundo na maneira de ser de uma geração que vê à sua volta o chico-espertismos (e não o valor das pessoas) proliferar descaradamente no pântano de uma sociedade em declarada crise.
António Caramujo
Não tendo sido aluno da Escola Industrial, enquanto tal, fui enquanto aluno do Instituo Industrial.
Por facto e pela vivência que lá tive, corroboro inteiramente a análise feita, quanto ao ensino que hoje existe, promovendo mais a aparência que a excelência.
Obrigado pela excelência deste artigo que fiz questão de transmitir aos meus filhos.
António Caramujo