Os nossos fins de semana em L. Marques
Na antiga Lourenço Marques os nossos fins-de-semana começavam com frequência assídua aos jogos de hóquei, basquete ou cinema. Isto nas noites de sexta-feira.
Aos sábados de manhã, frequentávamos as actividades da Mocidade Portuguesa.
De tarde saíamos com as “namoradinhas”, praticávamos desporto ou assistíamos aos jogos dos juniores e juvenis nas diversas modalidades.
Mais para o fim da tarde, íamos para as festas particulares (”party´s”), organizadas por alguém do grupo. E ao som do gira-discos ouvíamos o Elvis, o conjunto moçambicano dos nossos amigos Night Stars. Dançávamos os slows da Brenda Lee, Gigliola Cinquetti, Nelson Ned e Roberto Carlos, entre outros!
Era ponto assente que, para um “lunch ajantarado”, ali ninguém entrava de “mãos abanar”! Os rapazes levavam as bebidas e as raparigas bolos, sandes, chamuças e rissóis.
Meu Deus! – Tantos “namoricos” se arranjaram nestas festas.
À noite o ponto de encontro era geralmente a Pastelaria Princesa, por ficar próxima do Clube dos Lisboetas, onde íamos assistir aos fados. Ou em alternativa, com as “namoradinhas e as mamãs” ao cinema.
Mas o nosso “dia de excelência” era o domingo!
Nas manhãs fazíamos das praias do Miramar e Dragão de Ouro, o nosso ponto de encontro.
No Inverno para jogar a bola. E no Verão a banhos, dizer “piropos às miúdas” e às turistas sul-africanas (bifas), aproveitando para aprender “inglês de praia” com elas!
De tarde eram as tardes dançantes dos Velhos Colonos, Casa das Beiras, Minho e outras. Ou assistir aos jogos de futebol.
Mas na maioria das vezes, era a “matiné”.
Se a escolha fosse o cinema Scala, um de nós ia mais cedo comprar as entradas para o grupo. Porque a sessão começava às duas e meia, e passava dois filmes.
O primeiro, era quase sempre de “cowboys”. Com o John Wayne, o Jack Palance, o Randolph Scott, ou outro actor de nome mais ou menos conhecido.
Algumas vezes este filme era de fraca representação. Como dizíamos: – “um barrete”!
O segundo era, entre outros, um musical com o Elvis Presley, uma comédia com o Jerry Lewis ou um drama com James Dean, o Rock Hudson e Jane Wyman, ou Troy Donahue e a Sandra Dee.
Se a opção fosse a matiné do Manuel Rodrigues, Gil Vicente, ou do cinema Infante, as sessões começavam às três horas, com um documentário de: “Assim vai o Mundo”,
seguido de um filme. Que algumas vezes era de acção, da série James Bond. Uma comédia com o Cantinflas, ou o Louis de Funès, um musical com o Joselito ou a Marisol, ou também uma super-produção em 70mm com som stereo.
Havia outras salas. Mas estas geralmente eram as nossas preferidas. Porque as “namoradinhas e amigas” na sua maioria também as escolhiam!
Como também fizeram parte da nossa juventude, e para que a memória não as apague! Vale a pena referir as outras salas de cinema: – Varietá, Império, São Miguel, Avenida, Olímpia, Dicca, Estúdio 222, Xenon e o Nacional.
Quando a matiné e o jogo de futebol terminavam, o nosso “novo” ponto de encontro era o passeio da marginal, que nós conhecíamos por “Passeio dos Tristes!”, em frente ao restaurante “Zambi”.
Este passeio era muito frequentado: – Desde “passeantes” a apanhar fresco e a recordar os factos da semana, até aos mais jovens sentados no “paredão”, a ouvir os relatos de futebol dos clubes da Metrópole!
Os namorados escolhiam um local mais afastado! Ficavam um pouco acima, em frente ao edifício da Fazenda. Mas não muito longe dos “mirones das mamãs delas”!
No Verão, dava gosto assistir ao inesquecível pôr-do-sol. E digo isto porque tenho um termo de comparação!
Quando fui de férias à ilha Grega de Santorini, diziam que ia ali assistir a um pôr-do-sol “memorável(?)”. Ao fim da tarde dirigi-me, com outros turistas, para a ponta norte da ilha, assistir.
No fim fiz a comparação:
Concluí que no Verão, desfrutando do calor africano e do “cheiro” que aquela terra tem! Quem assistiu da marginal, em frente ao Zambi, ao sol a pôr-se, entre a Catembe e a Matola, nunca mais precisa de ver outro. Quem viu esse, já viu todos!
Pelo “lusco-fusco”, ainda cedo para jantar, percorríamos a marginal até à Costa do Sol para gozarmos a maresia que vinha da ilha em frente. A Xefina.
O jantar ou era em casa, ou na Fábrica Vitória a saborear um caldo de camarão e um prego, acompanhado com uma ou duas cervejas “Laurentina”.
A seguir ao jantar, o nosso encontro era no café. Que podia ser a Princesa, o Pigale, o Safari… ou até novamente no paredão em frente ao Zambi a ouvir o programa do David Davies, “LM Hit Parade”, da estação B do Rádio Clube de Moçambique.
Porque ainda não era tarde da noite, íamos ao Luna Parque ou ao circo Boswel, se já tivessem chegado da África do Sul! Ou como opção até à rua Araújo, conhecida por “rua do Crime ou Pecado” (por ser a rua dos cabarés); para “bisbilhotarmos” o movimento, e que às vezes originava desacatos de rua!
Por volta da meia-noite era hora de recolhermos a casa.
No caminho já a planear o fim de semana seguinte… e os outros, seguintes. – Até que… em 25. Abril.74 tudo isto acabou!
E dizem-nos os filósofos, sociólogos e outros pensadores, que o tempo apaga tudo!
Por estas e outras recordações, tenho de lhes dizer que o tempo não apaga! Apenas adormece. E quando precisamos faz-nos reviver tudo, novamente!
São estas memórias que guardo religiosamente, dos anos da nossa juventude em Lourenço Marques. Espero que também se revejam nelas!
Para nós com o BigSlam, o mundo já é pequeno… Muito pequeno!
João Santos Costa – Fevereiro de 2022
24 Comentários
Maria de Fátima jonatas almeida
Um voltar ao passado. Bom mas também doloroso. Obrigada ou como se diz na minha terra Kanimambo.
Marina Ferreira
Vivíamos no Paraíso, mas… não sabíamos!!!
Elaine Vilaca Tomas
Que saudades acho que ninguem teve uma juventude igual a que tivemos em LM, era realmente um paraiso. Um grande obrigado pela oportunidade que nos deu de nos lembrarmos dos ‘velhos tempos’.
Manuel Martins Terra
Caro amigo João, tudo quanto reportaste no teu elucidativo post acerca dos nossos afamados fins-de-semana, transporta-nos para os tempos da nossa mocidade, onde fomos interpretes de momentos de lazer e diversão. Guardamos todos esses flashes, com muita emoção e nostalgia, e tudo quanto foi realidade hoje já nos parece um sonho. Caso para dizer, que por maldade dos homens tudo o vento levou. Um abraço, João, do amigo Manel.
Vítor Bernardo de Oliveira Pegado
De: Vítor Bernardo de Oliveira Pegado
Nascimento: Nampula (Macua) em 25 de Novembro de 1950.
Vim com 5 anos para a capital, Lourenço Marques e por lá fiquei até 1979.
Estudei no Liceu Salazar e depois transferi-me para a Escola Comercial.
Frequentei tudo o que era o melhor do´Futebol, Basquetebol, Hóquei em Patins, Patinagem Artística no parquê e no gelo ( Holliday Honaiss ?) Natação, Cinemas, Futebol de Salão, Árbitro de Hóquei em Patins e fiscal de linha do futebol sénior. Este Miramar deixa-me muitas recordações aos domingos de manhã, o passeio na nossa enorme Marginal, o Scala, o Continental,
O Hotel Cardoso e o Polana (Nascer do Sol), os chás-dançantes da Costa do Sol e as idas a Marracuene, ao Bilene Macia, ao Tofo e a outros sítios que já nem me lembro.
Toda esta valente “água que bebemos” devemos classificar como o nosso “EL DORADO”.
RECORDAR É VIVER
Sr. Engº. João Santos Costa: AGRADECIMENTOS ETERNOS.
Ana Maria Laborde
Muito bem relatado! Que saudades desses tempos maravilhosos !
Kanimambo!
jose alexandre russell
As lembranças de uma juventude bem passada. Recordas bem João, desses momentos, e em que havia sempre alternativas caso alguma coisa falhasse. Que sorte a nossa, digo eu. Ainda bem que temos memória e que nos podemos lembrar desses tempos. Abraço.
Victor Carvalho
João Costa, foi mesmo como relatas a nossa vivência por aquelas quentes e sadosas terras. 😊
Kanimambo.
Abraço 🤗
João Gouveia
Parabéns João pelo teu texto e apresentação. Provavelmente todos nos revemos em grande percentagem nas tuas vivências embora outras houvessem. Aqui em Portugal ou Angola ou noutro País qualquer todas as juventudes passaram pelas mesmas experiências e guardam esses tempos como saudosos e o melhor das suas vidas. O facto de ter havido o 25 de Abril faz empolar no subconsciente que para nós tudo foi diferente, mas não é assim. Em todo o Mundo é assim. Depois começamos a trabalhar, depois casamos, depois vêm os filhos e tudo se torna diferente. Quando os filósofos e sociólogos dizem que as memórias se vão referem-se às gerações seguintes e tudo se vai alterando. Nós, sim, continuamos com as nossas memórias e os tempos bem vividos. Acredito que hoje em Maputo as novas gerações (também as privilegiadas) também vivam as suas emoções com o mesmo carinho e entusiasmos com que nós vivemos as nossas. Um abraço Kokuana.
Rogério Gens
Caro, em parte concordo com o que diz mas você parece “normalizar” demais o que nos aconteceu ao referir-se só ao “25 de Abril” que para a maioria dos portugueses foi só uma mudança política com pouco impacto na sua vida de todos os dias. De facto para além de termos crescido como todos os outros, nós fomos arrancados às nossas raízes, é muito diferente do processo de alguém entrar na vida adulta e independente ou mesmo de alguém que mude de cidade mas podendo voltar à de origem e onde reencontrará a maior parte das suas referências. No nosso caso reencontraríamos primeiro uma guerra civil e um clima político muito negativo em relação a nós e depois, mesmo numa fase mais estabilizada, uma sociedade completamente nova. Não sei se o nosso caso foi estudado em Portugal pelos tais “folósofos e sociólogos” de forma objectiva e neutra, presumo que em França isso tenha sido feito e que nos seja aplicável, os “pieds noirs” serão o caso mais parecido com o nosso na segunda metade do século XX. A hipótese que em colocaria em tais estudos seria de que os impactos das mudanças (no nosso caso para a vida adulta, para outro país sem “poder” regressar ao de origem, mesmo pudendo ele estaria “irreconhcível”) não se adicionam, eles “multiplicam-se”. Quem ler isto pode ficar com a ideia que em consequência disto ficámos todos “marados”^o que é claro não é verdade, mas há marcas do processo que terão ficado para sempre.
Rogério Higino Moreira Gens
E não referi mas é evidente. Esse processo do “25 de Abril” para a maioria das famílas dos “retornados” significou passar repentinamente duma situação económica remediada para a de virtualmente pobre, consequência de desemprego ou baixa de nível de emprego e/ou perca total das poupanças anteriores guardadas em África. Poucas outras populações no mundo terão sofrido esse impactoao mesmo tempo que os outros mais imateriais que já referi antes.
Artur Van zeller
Caro João Costa,
Muito obrigado por “estes momentos” que me traz grandes e boas saudades.
Abração
ABM
Muito bem.
ABM
José Parente
Parabéns pelas recordações da nossa juventude em LM.
João Manuel Couto
Muitos Parabéns João Santos Costa.
Um texto que nos faz recordar com muita saudade uma época extraordinária da nossa vida, que jamais esquecemos.
Abraço.
Virgínia Pinto
KANIMAMBO. Como foi bom recordar a nossa juventude. Como eu percorri em pensamento todos esses lugares 🥰
Virgínia Pinto
KANIMAMBO. Que belas recordações da nossa juventude. Como eu percorri em pensamento todos esses lugares .
FERNANDO CAPELA
João,as tua escrita é uma retrospectiva da realidade de uma feliz e saudosa vivência de tantos de nós que jamais se apagará no pensamento e coração.Não foi fácil,ao ler as tuas palavras,deixar de sentir uma enorme nostalgia.Abraço.
Quim (Arnaldo Pereira)
Amigo João,
Conforme já nos habituaste, escreveste um texto fascinante, cativante e entusiasmante… que segui – como todos os “coca-colas” ou “quase” (como sejam todos os que não nasceram em Lourenço Marques, mas lá cresceram e se fizeram gente!) com agrado e um saudosismo benéfico, mas vibrante… pelas vivências nele tão bem retratadas.
As imagens (algumas fotos) fizeram-me perscrutá-las demoradamente – para ver se me encontrava em alguma delas, ou se via algum amigo ou conhecido – como, aliás, já aconteceu noutras crónicas por ti publicadas).
E, não. Desta vez, não aconteceu!
Obrigado, amigo… dos bons velhos tempos!
Continua a presentear-nos com as tuas maravilhosas prosas. Nós cá estaremos para nos deliciamos e te agradecer.
Aquele abraço.
Antonio Mendes
São recordações que jamais de apagam.
Obrigado
celeste coelho
Como viajei com estas belas recordações.
Muito obrigada.
Muitas saudades
António Paulo Almeida
Este foi para quem viveu isto, o melhor de toda a vida.
Pelo menos até agora. Recordar é viver.
Isabel Barros Santos
Obrigada. Saudades. Muitas. ❤️
Virgilio Barbosa
Maravilha! Dá que pensar. Nunca mais teremos uma vida assim. Dá vontade de chorar. Obrigado João.