A noite mágica de Carlos Lisboa
Em Moçambique, e com maior ênfase na capital, a prática do basquetebol caiu no goto da juventude tal a espetacularidade da modalidade, expressa pela beleza implícita dos gestos. O pulsar do basquetebol bateu forte e o movimento foi-se alastrando desde os estabelecimentos escolares, passando pelo basquetebol de rua, muitas vezes improvisado nas artérias dos bairros, até à chegada aos clubes federados. Com efeito, quero admitir que o impulsionamento da bola ao cesto, muito se deveu à dinâmica dos responsáveis da Mocidade Portuguesa, que mantiveram nas escolas primárias a disputa dos campeonatos regionais escolares, motivando os jovens para a prática desportiva. Foi assim que no início da década 60, do século passado, o Minibasquetebol ganhou o seu espaço e se foi consolidando até ao virar para a década seguinte. Sem querer fazer um julgamento precipitado, afirmar que aqui começou a dinamização da modalidade.
Seguiram-se então os tempos loucos do Minibasquetebol, com o Conselho Provincial de Educação Física e o recém-criado Núcleo Provincial de Minibasquetebol, a promoverem torneios que contaram com os patrocínios da Coca-Cola e da Milo, a levarem milhares de jovens, oriundos de bairros, grupos de amigos e estabelecimentos comerciais, à maior manifestação desportiva que alguma vez conheci. Depois deste breve preâmbulo, recordo então as inúmeras partidas, levadas a efeitos nos recintos de coletividades locais e dos campos construídos pelas multinacionais nos pinheirais próximos do Restaurante Zambi. Neste período histórico, desponta o valor de um jovem esguio que militava na equipa da SOLGAL (Um moderno pronto a vestir que tinha também uma equipa nos torneios populares de futebol de salão)
Torneio da Coca-Cola – 1970
(Minibasquete LM – “Solgal”) – 4º Classificado
Em cima: Otto Rocha, Carlos Lisboa, Luís Miguel Caiano “Becas”, Pharshotan, Pharshotan (Monitor).
Em baixo: Jorge Lima, B2?, João Caiano (mascote), António Baltazar, Ernesto Barbosa.
que já dominava a bola como poucos e de apreciáveis recursos técnicos. Com efeito, esse jovem chamado Carlos Lisboa, começava a chamar a atenção dos clubes federados da capital e foi o Sporting Clube de Lourenço Marques, quem ganhou a corrida, levando a inscrever-se na equipa B dos escalões de Juvenis.
Época 1971/72 – Iniciados Sporting LM (SCLM)
• Vice-Campeão Distrital L. Marques
Em cima: Armando Santos, Carlos Lisboa, Rui Redondo, João Morais (Treinador), Luís Leite e Luís Piçarra.
Em baixo: Fernando Vaz “Espinha”, Paulo Prudêncio “Paulinho”, João Paulo Vaz “Papinha” e Rolando Vanzeller.
Tive a oportunidade de assistir a muitos dos seus jogos, fazendo a cobertura para o jornal Diário Desportivo. Como basquetebolista competente que era, Carlos Lisboa, não estranhou a mudança do Minibasquetebol para o Basquetebol. Foi exteriorizando todo o seu potencial a cada partida que disputava exaustivamente, na procura da vitória o que evidenciava já uma mentalidade ganhadora. Dizia-se que o jovem talento, se sentava muitas vezes nas bancadas do Pavilhão do SCLM, seguindo de perto os treinos da equipa sénior, onde evoluía o seu ídolo Mário de Albuquerque.
Depois dos acontecimentos do 7 de Setembro em 1974, Carlos Lisboa, viaja para Portugal, e ingressa nos juvenis do Sport Lisboa e Benfica. Vive uma experiência mal sucedida e pondera mesmo abandonar o basquetebol, valendo-lhe na circunstância os conselhos e o abraço amigo de Mário de Albuquerque. Conhecedor do valor de Carlos Lisboa, o antigo craque sportinguista aconselha-o a ingressar na equipa júnior do SCP, orientada por Rui Pinheiro. Na época seguinte, Carlos Lisboa, faz já parte do plantel sénior época 1975/1976, na companhia de Rui Pinheiro, Mário Albuquerque, Hélder Silva, Quim Neves, Nélson Serra e Tomané Alves, sagrando-se campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal.
Época 1975/1976 – Seniores do SCP
• Campeão Nacional • Vencedor da Taça de Portugal
Em cima: Rui Pinheiro, Mário Albuquerque, Hélder Silva, António Encarnação e Quim Neves.
Em baixo: Manuel Sobreiro, Carlos sousa, Nelson Serra, Tomané Alves e Carlos Lisboa.
O ponto de partida para uma carreira de sucessos, que se estende ao CA Queluz e termina no Sport Lisboa e Benfica. Pelo meio, Carlos Lisboa, aos 27 anos acaba por não seguir para os EUA, gorando-se um sonho antigo. Na temporada 1984/1985, o SL e Benfica, começava a construir o seu “Dream Team” e Carlos Lisboa torna-se a estrela da companhia. O Sport Lisboa e Benfica, inicia sob o comando de Mário Palma, o seu percurso internacional, participando no Campeonato Europeu de Clubes. Começava então a assistir-se à evolução de uma equipa portuguesa, a bater-se em pé de igualdade com formações constituintes da alta-roda do basquetebol europeu, e que até hoje constitui caso virgem não igualado por qualquer outra equipa da nossa Liga. Pela frente defrontou Real Madrid, Barcelona e Juventude de Badalona (Espanha), Partizan de Belgrado (Sérvia) Maccabi Tel Aviv (Israel), Kinder Bologna e Cantu (Itália), Panattinaikos, PAOK e Aris de Salónica (Grécia), Pau Orthez (França) CSKA Moscovo (Rússia), entre demais formações. Com 37 anos concluídos, Carlos Lisboa na plenitude de todos os seus recursos, teve inequivocamente o ponto mais alto da sua carreira de grande estrela do basquetebol, na noite mágica do dia 5 de outubro de 1995 no exíguo Pavilhão da Luz,
completamente superlotado frente à poderosa formação sérvia do Partizan de Belgrado, a contar para o Campeonato Europeu de Clubes. Carlos Lisboa, na companhia de Mikel Nahar, Jean Jacques, Steve Rocha, Carlos Seixas, Luís Silva, Pedro Miguel, Brito Cruz, Rodrigues Neves, confrontaram-se com arreganho e sagacidade frente ao seu prestigiado adversário. Carlos Lisboa, abriu o livro e num recital de basquetebol foi espalhando magia que contagiou os presentes levando-os ao êxtase, o mesmo acontecendo a quem ia acompanhado o grande espetáculo através da transmissão televisiva.
Carlos Lisboa, correu e fez correr, recuperou bolas, distribuiu jogo, fez passes magistrais, incursões mirabolantes e mais do que isso; transformou em 15 tentativas, 10 lances de 3 pontos, com lançamentos de extrema precisão, superando o lendário e saudoso basquetebolista croata, Drazen Petrovitch, que atingindo a mesma performance usou contudo de mais uma tentativa, em 1986. Um record que ainda hoje se mantém, e que coloca o basquetebolista português em lugar de destaque. Essa partida de loucos viria a terminar com a vitória concludente do Benfica sobre o Partizan de Belgrado pela margem de (112- 95),com Carlos Lisboa, a chamar a si 45 pontos, seguindo o SLB para a fase seguinte. Cabe referenciar, que o magistral basquetebolista durante a campanha europeia, fez uma média de 30 pontos por jogo, marca digna de realce. Esse grande espetáculo foi um hino ao basquetebol e Carlos Lisboa, diga-se em abono da verdade pelo que fez longo de mais de 20 anos de carreira, bem merece pelo seu rico historial, recheado de títulos, a denominação do melhor basquetebolista português até este tempo, porque mais Tempo vem, e outra estrela poderá brilhar. Até lá, Carlos Lisboa, muito justamente continua com o crédito a seu favor.
Conhece Carlos Lisboa na 1ª pessoa. Clica no vídeo seguinte:
Manuel Terra – Junho de 2021
Um Comentário
Luiz Branco
Muita saúde e muitos anos no topo são os votos deste colega de Liceu.
Abraço