A panorâmica zona da Polana
Lourenço Marques, de uma forma muito singular tornou-se a partir dos primórdios do século passado uma cidade cativante a todos os títulos, encantadora com todas as suas paisagens que a mão humana e a sua grande perspicácia soube embelezar, e que esse fascínio ficou para sempre marcado a algo que parecia perdido entre o mar e o mato. A cidade então um pequeno povoado predominante pantanoso e inóspito, foi-se expandindo e a configurar o seu plano de crescimento com maior ênfase a partir 1902, que visava atingir rapidamente os arrabaldes e contemplar a nascente o alto da Barreira da Maxaquene, chegando até à Ponta Vermelha, uma área praticamente despovoada e coberta por densa vegetação. Esses terrenos estavam na posse de proprietários ingleses, que após negociações acabaram por os vender sabendo que o progresso não poderia esperar.
Da Ponta Vermelha, até à periferia da zona de Sommerchield, despontou uma das artérias mais emblemáticas da capital moçambicana, que se viria a denominar de Av. Duquesa de Connaught, e a partir de1926 passou-se a chamar Av. António Enes (hoje Av. Julius Nyerere).
Os trabalhos contaram com o apoio da engenharia militar, para o reforço dos terrenos da Barreira e que alterariam a subjacente linha costeira, moldando a paisagem prestigiosa da Polana. Após a conclusão da malha viária, começaram a construir-se residências típicas na sua maioria habitadas por funcionários da administração pública, militares e comerciantes que procuravam um local tranquilo e próximo do mar. A Av. António Enes, tornou-se uma via extensa caraterizada por duas faixas de rodagem, pinceladas pela tonalidade rubra das acácias e jacarandás, que para além de colorirem e purificarem o ambiente, protegiam os transeuntes do sol inclemente daquelas paragens.
Entretanto e acompanhando a modernidade, a zona da Polana foi sofrendo profundas transformações e muitas residência foram dando forma a modernos edifícios de porte considerável, lojas comerciais, escritórios instituições escolares, hotelaria e monumentos religiosos, tornando-a um centro de sociabilização e lazer, reflexos da diversidade e dinâmica da cidade em evolução.
Recordo, na Av. Duques de Connaught, o belo Miradouro romântico e apaixonante,

Miradouro ao longo da Av. Duques de Connaught (actual Av. Friederich Engels)
ornamentado por encantadoras trepadeiras floridas e enroladas nas estruturas de madeira (pérgula), suportadas por pilares em cimento trabalhado, que se estendiam aos varandins avançados com disposição em semicírculos.

O Miradouro de Lisboa na década de 40/50, no cimo da Barreiras da Polana, na Av. dos Duques de Connaught e que foi inaugurado durante a II Guerra Mundial

Pormenor da pérgula ou caramanchão com buganvília em flor
Um espaço verde que proporcionava aos passeantes, de forma altiva um Pôr-do-sol ao entardecer transformando o céu numa tela de luzes, com tons de laranja, rosa e vermelho, criando um espetáculo de cores que se esbatiam nas águas calmas do mar. O Miradouro, era também uma oportunidade para relaxar e para conviver.

Miradouro ao nascer do sol
A Polana, em constante progresso constituía um espaço de expressão da diversidade de culturas, e cito um importante centro religioso da comunidade grega, visível na sua Igreja Ortodoxa, contígua ao esbelto Salão Ateneu Grego, um espaço cultural e social para eventos, celebrações e diversas atividades da comunidade grega.

Bairro da Polana – Vista da Av. 24 de Julho para a Catedral Ortodoxa e Palácio dos Casamentos na Av. Sekou Touré

Catedral Ortodoxa – Arcanjos Micael e Gabriel, na antiga Av. Afonso de Albuquerque (atual Av. Ahmed Sekou Touré)

Interior da Catedral

Antigo Salão Ateneu Grego, hoje Palácio dos Casamentos, com as suas colunas helénicas frontais e laterais, virada para a Av. Sekou Touré.

Fachada virada para a Av. Julius Nyerere.
Não muito distante, achavam-se as instalações do Colégio de Santa Maria, reconhecido pela sua qualidade de ensino e também pelas suas modernas e funcionais instalações. A instituição escolar era dirigida por uma organização católica de freiras dominicanas, maioritariamente de nacionalidade austríaca, onde eram lecionadas as disciplinas de alemão e inglês.

O Colégio de Santa Maria na esquina da Av. António Enes (atual Av. Julius Nyerere) com a Av. Pinheiro Chagas (atual Av. Eduardo Mondlane), em 1961.
Próximo do cruzamento com a Av. 24 de Julho, situava-se o conhecido Restaurante Piripiri, que se tornou um dos mais populares da cidade e ainda na memória de muitos laurentinos, graças ao seu afamado Frango à Cafreal e outras especialidades de marisco, pratos que tinham a companhia das boas cervejas moçambicanas ou de vinhos expostos na sua garrafeira. Diria que o Piripiri, era um ponto de encontro dos amigos da boa mesa, numa atmosfera descontraída e acolhedora, tornando-se os clientes os melhores promotores da casa.

A esplanada do Restaurante Piri-Piri, perto da esquina da 24 de Julho e a Av. António Ennes (hoje Av. Julius Nyerere), anos 60.
De igual modo o Galito e o Baía, eram estabelecimentos de restauração muito frequentados, onde os seus clientes podiam alternar a gastronomia moçambicana com a portuguesa, satisfazendo todos os gostos. Continuando a percorrer a Av. António Enes, concretamente no cruzamento com a Av. Massano de Amorim, estava localizado o requintado e porventura o melhor restaurante da cidade, concretamente falando do célebre Sheik. Conhecido pelo seu charme e ambiente acolhedor a que se acrescentava uma decoração ajustada, distinguia-se pelos serviços de alta qualidade da sua cozinha de onde eram confecionados pratos gastronómicos de várias influências que satisfaziam uma clientela exigente. Era muito procurado para jantares de confraternização e eventos, possuindo uma pista de dança e onde poderia atuar uma orquestra. O seu legado permanece vivo na mente dos seus frequentadores, tornando-se um marco na história da cidade.

Talão de despesa do Restaurante Sheik, um dos restaurantes de sucesso de Lourenço Marques a partir dos anos 60. Ficava situado num prédio junto do Parque José Cabral, na Avenida Massano de Amorim.
Palmilhando mais uma centena de metros, avistava-se o elegante Hotel Polana, com a sua deslumbrante traça colonial de preponderância anglo-saxónica, símbolo de elegância, história e hospitalidade. O estabelecimento hoteleiro mais modelar de Moçambique e de toda a África Austral, oferecia uma vista panorâmica invejável e os seus hóspedes podiam observar dos seus quartos o ambiente da cidade e as praias da marginal, como mergulharem na sua piscina, ou disputarem umas partidas de ténis. O Hotel Polana, ganhou reputação mundial atraindo a Lourenço Marques, milhares de turistas que procuravam experiências diferentes em África.

Fachada do Hotel Polana na década de 60/70.

O Hotel Polana, início da década de 1970, já com a expansão do Polana Mar à frente. À esquerda, o campo de bowling na relva, usado quase exclusivamente pelos hóspedes sul-africanos.
Já no fim de linha da zona da Polana, em área de relva bem tratada e parte integrante de um jardim bem cuidado, elevava-se a Igreja de S. António da Polana, uma verdadeira joia da arquitetura moderna que ganhou o epítrope de espremedor de citrinos dada a sua estrutura, projeto ousado e bem sucedido do Arq. Nuno Craveiro Lopes. O templo apresentava em si uma estética inovadora e funcional, com caraterísticas notáveis e assentava numa base circular fechada exteriormente por nichos triangulares onde interligavam placas de volumetria cónica, sendo que estas estruturas abrigavam vitrais coloridos por onde a luz solar penetrava criando um jogo de sombras e cores vibrantes, que se moviam pelas paredes e pelo chão em constante mudança, fundamentais para um clima de paz, reflexão e espiritualidade. Tive oportunidade de a conhecer numa cerimónia religiosa em que estive presente, e pude constatar a sua solenidade.

Igreja de S. António da Polana – Foto de Teixant
A zona da Polana, com a sua vista panorâmica tornou-se efetivamente um espaço de convivência e ocasião e com um lugar de destaque no desenvolvimento urbano da cidade, que o tempo não apaga e que reflete o modo de se sentir outra forma de vida naquele sublime paraíso do Índico.
- Algumas fotos foram retiradas com a devida vénia dos Blogs: The Delagoa Bay e House of Maputo, a quem o BigSlam agradece!
Manuel Terra – Fevereiro de 2025
12 Comentários
Pedro de Freitas
Nao ha nem havera outra cidade no mundo como era Lourenco Marques e as suas gentes….. Todos nos viviamos em harmonia… ate que chegou o “fdp” do “ms” que nos “vendeu”
José Alexandre Bártolo Wager Russell
Uma bela reportagem sobre a Polana. Revivi bons momentos, e locais. Obrigado.
Madalena Garcez Serra
Nasci na Massano de Amorim e Sai em 1974, Depois de ver a minha vida perigo varias vezes.
Voltei 20 anos Depois e chorei por ver o estado lastimoso em que estava a cidade
ao ponto de nao reconhecer as escolas que
Frequentei. Tudo mudou com tanta destruicao e chorei enquanto via tudo isso.
Ficam hoje somente as memorias lindas que guard no coracao dos bons tempos que la tive. Eramos todos Uma grande Familia!
Deixou muitas saudades que nunca serao esquecidas… Sem duvida que so houve Uma unica Lourenco Marques, nao ha, nem Vai haver outra igual!!!
Maria Noemia da Silva Morgado
Bela reportagem de Manuel Terra. Um agradecimento sincero. Venham mais,
Abraço
nino ughetto
Caro amigo J.Gonçalves,foi bom recurdar, mas sinceramente recurdar “é””para mim é (murrere). Pois tudo passou tudo acabou… é verdade que fomos traidos, e essa nossa generaçào depois de 1975. até hoje nào saberào nunca o que foi L.Marques… Hoje (eu tenho 80 anos e nào estou na mina terra nem com a minha gente…sofro todos os dias de saudades do meu L.Marqques ,,,onde tinha Màe ,pai irmàos tios, avos etc… primos (as) centenas de amigos e conhecidos,…Hoje… nào tenho NADA….. certo que jà faleceram…mas faleceram tristes e sozinhos como eu aqui nesta terra que nào é a minha e com esta gente que nào sào meus, nem teem a mentalidade que tinhamos de convivio e fartinidade e amizade…Vivo (so) com a minha esposa, os filhos nascidos aqui (FR) jà cresceram casaram e fazem as suas vidas ,fora…Nào vivo de recurdaçoes, pois isso me mata pouco a pouco..Tudo passou tudo acabou…L.Marques existiu, foi lindissimo e jà nào existe (somente ) nos nossos curaçoes..Um abraço.
Carlos Guilherme
Minha saudosa terra. Cidade mais linda não conheci. Belíssima reportagem esta.Enche-me a alma.
Obrigado
Luis Russell Vieira
O nosso Manuel ‘Bula-Bula’ Terra continua em grande forma! Kanimambo! Lembro-me de passar bons momentos na Polana, na casa (mais propriamente na piscina) dos patrões da minha Granny Elsie, quando ela trabalhava na Mendol. A Igreja de Santo Antonio da Polana é um ‘Lemon Squeezer’ conhecido e reconhecido por especialistas em arquitetura de todo o mundo. Simplesmente soberba. E reparem nos carros estacionados à frente do Colégio de Santa Maria (o tal que era gerido por freiras). Que acham? Muito bom… Vou confidenciar-vos que um deles era meu (adivinhem qual?), quando eu era o protagonista de uma série televisiva britânica (cujo nome é coerente com o do Colégio), antes de ser contratado para a saga 007 como James Bond. Peço-vos segredo, ou posso ser despedido do MI6…
ABM
Belas fotografias, as antigas.
A Avenida António Ennes não era assim tão extensa mas foi desenhada e sempre teve três faixas para cada lado (em que uma era para estacionamento) com separadores no meio e passeios largos dos lados. Até aos anos 50, acabava primeiro no Hotel Polana, e depois mais à frente na Rua de Nevala e mesmo quando se (finalmente) fechou o campo de Golfe da Polana e se resolveu o problema dos terrenos da Somershield com a Delagoa Bay, estendeu-se apenas mais un km e tal, desembocando numa rotunda e depois naquela ruazinha que passava pelos Viveiros da Câmara Municipal e ia dar ao Clube Marítimo na Estrada Marginal (aliás esta estradinha antecedeu a Marginal em décadas, pois antes do Marítimo ali ficava o Restaurante/bar Peter’s). E aí obviamente que já não era Polana, que no meu GPS acabava precisamente na Rua de Nevala, ou onde está a Igreja de Santo António da Polana. Os frelos depois de 75 é que começaram a chamar Polana a tudo e mais alguma coisa e ainda os seus arredores. Até já há Polana Caniço. “Polana Caniço” é por definição uma contradição de termos. É como dizer “Somershield-Caniço. Pois. ABM
Luiz Branco
Tudo conheci na Poliana como os dedos da mão minha mão. Morrerá com as minhas saudades quando eu morrer
José Gonçalves
Tomei a liberdade de partilhar para que todos os meus amigos possam ver a maravilhosa cidade que era Lourenço Marques.
BigSlam
Caro José Gonçalves,
Sinta-se à vontade para partilhar os artigos e posts aqui publicados.
Esperamos vê-lo sempre por aqui neste nosso Ponto de Encontro! – http://www.bigslam.pt
Helena Barrreira
Kanibambo