Aeroporto de Mavalane: Um marco histórico da Aviação Comercial de Moçambique…
Finda a segunda guerra mundial, assistiu-se à maior escalada da expansão da aviação comercial estabelecendo-se rotas que haveriam de ligar todo o globo, através de aviões que foram construídos durante o conflito militar, no caso os famosos DC-3 concebidos para o transporte de tropas e que foram transformados e adaptados para as viagens de civis, atravessando em autênticas maratonas, oceanos e continentes até ao surgimento das modernas aeronaves a jato. O pós-guerra e os avanços tecnológicos, levou ao aparecimento de muitas companhias aéreas procurando o maior número de rotas comerciais, o que desde logo obrigou necessariamente à requalificação dos campos de aviação e a construção de modernos aeroportos, ainda longe das magnificentes infraestruturas atuais.
Recuo aos tempos da minha infância e recordo hoje o velhinho Aeroporto de Mavalane,
que se ensoberbeceu ao registar o voo experimental da que se viria a chamar Linha Aérea Imperial, da rota para as suas colónias criada pelos Transportes Aéreos Portugueses (TAP) que se ergueram em 1945, por determinação do então Tenente-Coronel, Humberto Delgado, que chefiava o Secretariado da Aviação Civil (SAC).
Uma viagem histórica que ficou para a posterioridade, quando o Douglas DC-3 levantou voo do Aeroporto da Portela a 24 de Março de 1946, e depois de escalar Casablanca, Bolama, Lagos, Liberville, Luanda, finalmente aterrou no Aeroporto de Mavalane em Lourenço Marques. Tocou o solo moçambicano a 1 de Abril de 1946, após 11.405 Quilómetros, percorridos 45 horas, 20 minutos e 6 escalas. A aeronave foi pilotada pelo comandante Manuel Maria Rocha e coadjuvado pelo copiloto Roger D’Avilar, apoiados pela respetiva equipa técnica.
Depois do grande feito, foram estabelecidos os voos regulares entre Portugal e Moçambique, a partir de 31 de Dezembro de 1946 e com chegada à capital moçambicana, depois de 6 escalas. Concluído este breve preâmbulo, dizer que sempre me fascinou o movimento dos aviões, um sonho de criança que despoletava com o lançamento de aviões feitos de folhas de papel, afinal tão comum na miudagem, e que não perdia a oportunidade de observar os DC-3, a quem os ingleses no decorrer da guerra chamavam Dakota, que compunham a frota da DETA.
Dada a proximidade do Bairro da Munhuana onde morava, ao Aeroporto de Mavalane, os aviões sobrevoavam já a baixa altitude à sua passagem, em procedimento de aproximação à pista, ficando-me na retina aquelas máquinas voadoras que o homem sempre idealizou.
As notícias sobre o novo aeroporto de Lisboa, foram como um raio de luz que me iluminou o subconsciente, lembrando-me momentaneamente e com muita saudade a velhinha aerogare laurentina e a evoca-la, refletindo a importância que teve na minha infância. Recuo ao final da década 50, do século pretérito e recordo de uma forma muito marcante os domingos, que após a missa matinal o meu saudoso pai me pegava pela mão, e com dedicado carinho me levava ao aeroporto localizado na zona final da Av. de Angola, terminal das linhas 13 e 15 dos machimbombos dos Serviços Municipalizados de Viação.
Junto ao Aeroporto, havia um espaço bem tratado e verdejante por onde alinhavam os táxis. Lembro-me bem do local onde estava edificado o Aeroporto de Mavalane, construído já no fechar da década 30, ostentando uma fachada bem concebida e ornamentada sobre a sua porta de entrada, com o mapa do território de Moçambique, estampado em azulejos. Na verdade, era mesmo bonito de se ver.
Já no seu interior, existia o salão de chá e restaurante, onde eu era presenteado com torradas bem amanteigadas, acompanhadas de café com leite. Dentro das suas instalações, já se sentia a atmosfera contagiante e emocional justificado pelo movimento constante de pessoas pelas mais diversas circunstâncias, e os anúncios sonoros dando conta das chegadas e partidas dos aviões que ali faziam escala.
Para as 11 horas, horário que se manteve por algum tempo, estava prevista a chegada do moderno Super Constellation, que a partir de meados da década 50, substitui o DC-3 nas viagens de longo curso tratando-se de um avião com maior velocidade de cruzeiro e com capacidade para transportar 100 passageiros. A chegada de uma aeronave a um aeroporto cria sempre alguma expetativa como se deve imaginar, e ainda um pouco antes da sobreposição dos ponteiros do relógio, soou a comunicação sonora dando conta que o “golfinho” metálico pintado de branco e listado a vermelho, dos Transportes Aéreos Portugueses, iria aterrar dentro de momentos. Num instante, gente que esperava por alguém e curiosos de ocasião, observavam já nos céus a aeronave que parecia flutuar no ar e já era percetível através do barulho ensurdecedor do quadrimotor a pistão, a proximidade da manobra de aterragem a tocar o solo da linda cidade de Lourenço Marques.
Já parado na pista, foram colocadas as escadas para a saída dos passageiros. No varandim sucediam-se os acenos e escutavam-se os nomes de quem era esperado, num clima de grande êxtase. À saída da sala de desembarque, sucediam-se os afetivos beijos, lágrimas, abraços e apertos de mão. Pela sala VIP, saía para o exterior e diria de forma triunfante o comandante e toda a equipa de voo, a quem lhes foi tributada uma salva de palmas, o qual de forma cortês correspondeu levantando o chapéu. Para trás ficou uma longa viagem de mais de 16 horas, com escalas em Acra (capital do Ghana) e Luanda.
Todo aquele labirinto no Aeroporto de Mavalane, me fascinou e levou repetidamente aquele local de partidas e chegadas, cenário de muitas viagens. Com a inauguração do novo aeroporto da cidade, a 17 de Junho de 1963 (fez anteontem 61 anos) a quem lhe foi dado o nome de Gago Coutinho, construído ali a dois passos na mesma área de Mavalane, o velhinho aeroporto sofreu significativas obras de ampliação e já com um novo visual, transitou para a tutela da Direção e Exploração de Transportes Aéreos (DETA).
Mais tarde, e ainda tocado pela atração dos aviões que sobem e que descem de todos os lados do globo e já em plena era a jato, aproveitava algum tempo de ócio, para dar um salto até à esplanada da varanda do Aeroporto Gago Coutinho, e enquanto sorvia aos goles um café acompanhado de uma nata, não perdia a oportunidade de observar o tráfego aéreo. Ainda hoje, o velhinho aeroporto de Mavalane, traz-me à memória a imagem de um espaço mágico que encerrou em si muitas histórias traduzidas de admiração e nostalgia, momentos significativos capazes de causarem as mais variadas sensações emocionais, preenchidas por cerimoniais de alegrias e tristezas, de sorrisos e lágrimas, de encontros e desencontros mas também de muitos sonhos realizados.
Manuel Terra – Junho de 2024
15 Comentários
Marília Manuela Ventura Nunes Marques
Bonito e informativo texto. Saudades do aeroporto Almirante Gago Coutinho, onde ia com meus pais ver levantar e aterrar os aviões.
Carlos Laborde-Basto
Bela recordação. Em 1952 era estudante na Univ de Durban e tive de trabalhar nas férias de Verão. A DETA facilitou-me o acesso as oficinas onde estavam a fazer a revisão e manutenção dos motores dum dos DC3 onde ajudei a limpar peças desmontadas. Permitiu-me conversar com mecânicos e ajudantes. Gostei imenso. Depois chegou o primeiro Fokker Friendship da Holanda equipado com motores ‘prop-jet’ da Rolls Royce. Assisti cerca de um mês à aprendizagem de mecânicos da DETA na manutênção das turbinas conduzida por um engenheiro da RR. Experiência única. Aviação está no sangue da nossa família desde o tempo em que a Pan American voava hidroaviões Catalina dos EUA para a Europa que aterravam no Tejo e estacionavam em Cabo Ruivo. Um tio meu foi convidado para planear a expansão da TAP a ligações com a Europa. Familiares ainda estão associados à aeronautica em Portugal desde o tempo em que o director do aeroporto de Lisboa era o comandante Carrasco nos anos 50.
Sérgio
Eu gostei muito de ler o artigo, é muito interessante como não bastasse agradeço por fazer parte desta família da aviação é uma das áreas muito importantes e interessantes, com o histórico dos anos passado da para perceber que na aviação civil é muito good.
Tomané Alves
Lugar de sonhos. Amava ir estudar para o varandim/esplanada, onde lanchava (1 copo de leite e 1 bolo de arroz ou 1 queque). Normalmente apanhava o 15 (que saía da Praça 7 de Março), ou o 6, ou o 22 ou o 13 … qualquer deles na Praça Mac-Mahon; no regresso o 6 dava-me mais jeito. KANIMAMBÃO por este artigo que me colocou à nostalgia do “ontem” … parece que também isto tudo (me) aconteceu ontem!
Maria José Gustavo
Belíssimo artigo! É bom recordar e, para os nossos descendentes, é bom aprender mais um bocado de História.
Eu, com 10 anos, viajei num Super Constellation ao cuidado da hospedeira de bordo, após uma boa aprendizagem na Escola Dr. Moreira da Fonseca de Magude, que me valeu a aprovação nos exames de admissão ao Liceu Salazar, Escola Comercial e Escola Industrial.
Maria José Gustavo
Braga Borges
“Boa aprendizagem na Escola Dr. Moreira da Fonseca”. Seria com o Professor Rijo?
José Alexandre Bártolo Wager Russell
Uma bela resenha sobre o aeroporto da ex- Lourenço Marques. O aeroporto era um local onde especialmente aos fins de semana algumas pessoas iam ver os aviões levantar voo, na tal esplanada aqui descrita. Obrigado pela recordação.
Orlando Valente
Alo Braga Borges, e irmaos Ludovico. Nos somos ainda dos velhos tempos e quando nao pensavamos bem, o corpo era quem pagava as consequencias… e tinhamos que aguentar e bem no duro… ou seja… levavamos porrada maningue… e depois estarmos calados… e se miavamos, levavamos mais…. e assim fomos educados e hoje nao choramos por essa educacao….
Nao falo agora de Mocambique, o que tenho parta dizer da nnossa terra, digo-a em verso, o que sinto no coracao e o que voces tambem o sentem, porque crescemos juntos… somos farinha do mesmo pao e esta tudo dito.
Saude para todos os colegas salesianos e grandes e saudosos abracos….
Luis 'Manduca' Russell
Em pequeno, sempre que me levavam ao aeroporto, ou enquanto esperava para embarcar, ou mesmo depois de aterrar, deliciava-me a ver os aviões para cima e para baixo – e sonhava um dia ser piloto… Kanimambo por mais esta pérola do Manuel Terra!
Fernando Lima
A aerogare de 1963 foi demolida há mais de 10 anos para dar lugar a duas terminais modernas. Uma para voos domesticos e outra para voos internacionais. Do velho edificio ficou o terminal VIP e a torre de controle, embora sem as funcoes de trafego aereo.
Ha varios bares e cafes mas nao ha’ a velha esplanada que servia de passeio aos domingos para assistir a partidas e chegadas. Com coca-cola, café, bolos e as tais torradas amanteigadas.
Saudações de Maputo,
FL
Luiz Branco
Muito obrigado por este artigo.
O meu pai foi uma pessoa muito ligada ao turismo por este meio e que acompanhou as coisas desde esse tempo (1952). Geriu a Wagons Lits Cook e a Star
Maria Teresa N. Nunes dos Santos
Muito obrigada pela excelente partilha! Kanimambo! Maningue Nice!
Recordações tão, tão nices, que me fazem saber onde o meu querido pai deve ter aterrado numerosas vezes quando ia por 6 meses trabalhar ( era engenheiro geógrafo na missão geográfica de Moçambique, serviço situado na Matola).
Em Janeiro de 1964, a nossa família embarcou no navio Pátria para ficar em Lourenço Marques até 1974. Foram os 10 melhores anos da minha vida! Éramos 4 irmãos e, ainda lá nasceram mais 2 irmãs!
Braga Borges
Olá Maria Teresa, como se chamava o pai?
Em 64, eu trabalhava nos Serviços Geográficos e Cadastrais, onde permaneci até 68, e tínhamos forte ligação com a MGM.
Aliás, os nossos nivelamentos, partiam de “marcos” cotados pela MGM.
Respeitosos cumprimentos,
Braga Borges.
Nino ughetto
Olà colega da Namaacha. Faz;me prazer apenas de ler o teu nome..Sou o Ludovico pequeno..; Estive na Italia e a seguir fui … Estou em França ( cote d’azur)desde que sai de L.M. em 1975.. Certo que nào conheço mais ninguém a nào ser os antigos colegas da Namacha tu o Valente o “Vamos” o Silva e outros do Instiuto de Crédito Os amigos e conhecidos ???? depois de 50 anos ! que posso eu esperare ? TUDO PASSA TUDO ACABA.. Um abraço
ZeRodrigues
Maningue Nice… . Relembrando boas experiências. Obrigado