As afamadas cervejas moçambicanas
Com o calor a apertar, vêm-me à ideia os dias quentes vividos em Lourenço Marques, que escorriam soltos sobre um rol de lembranças. Uma oportunidade muito a jeito para se falar da qualidade das cervejas moçambicanas de excelente quilate, a projetarem-se além-fronteiras e a conquistarem medalhas de mérito projetando o nome de Moçambique, no mercado cervejeiro.
A cerveja mais antiga criada na década 30, do século passado era a LAURENTINA, produzida na Fábrica Vitória,
mais tarde Reunidas, numa pretensa homenagem aos naturais da cidade, apelidados de Laurentinos ou Coca Colas.
No início da década 60, contou com a concorrência da 2M, cuja fábrica está ainda localizada no Vale do Infulene,
e da desaparecida IMPALA, que hoje voltou ao mercado, fabricada à base de mandioca e também de milho.
Na cidade da Beira, era consumida a cerveja MANICA, de excelente paladar.
A anciã LAURENTINA, era a mais afamada não só pela pureza dos seus ingredientes, mas também pela sua exposição mediática em todos os eventos locais, onde a publicidade estava bem patente. Muitos se lembrarão certamente, que em muitos snack-bares, esplanadas, cervejarias e restaurantes, sempre que se pedisse uma cerveja ou copo contendo aquele néctar de ouro, vinha acompanhado de pires e pratinhos, contendo petiscos e mariscos, sem custos adicionais. Afinal, beber uma cerveja ou um copo, foi sempre um belo argumento para juntar à mesa familiares, amigos e colegas de trabalho. Uma salutar forma de brindar tudo o que o verão trazia de bom, arrastando consigo um desfilar de histórias e animadas cavaqueiras, tornando as pessoas mais sociáveis. Como não podia deixar de ser, os convívios terminavam com mais uma rodada de cervejas para a despedida.
Não podemos deixar de ter em linha de conta, que a cerveja e a gastronomia moçambicana, expressavam uma harmonização surpreendente, sobretudo na comida picante. Quem ainda se lembra das célebres galinhas à cafreal, tão populares no Restaurante Piri Piri, da Cervejaria Coimbra, do Imperial no Alto Maé, do Marisol (Catembe) entre outros, não esquecendo os churrascos preparados nos fogareiros que tínhamos nos quintais.
A cerveja era também uma boa companhia, para os saborosos pratos de caril, e era favorita na degustação de marisco ou bivalves, preparados com mestria no Costa do Sol, no Ponto Final e nas Marisqueiras da cidade, e de inúmeros estabelecimentos de restauração.
A cerveja realçava igualmente o cardápio diário dos inovadores combinados, servidos nos tempos áureos da Cristal. Nada melhor para abafar a ardência dos pratos picantes, do que deixar escorregar suavemente cerveja bem fresquinha até estalar a língua no céu-da-boca. Da minha adolescência, lembro-me dos muitos festins que tinham lugar na Cervejaria Nacional (propriedade da Reunidas) localizada na Av. Paiva Manso (hoje Filipe Magaya) onde era servido um esmerado bitoque, com ovo estrelado e fatias de fiambre. Numa afirmação do estatuto de promoção ao estado adulto e já espigadotes, pedíamos para a mesa as tradicionais canecas de cerveja LAURENTINA, que iam sendo sorvidas em catadupa, de facto a LAURENTINA, apostava forte na estratégia do marketing, estabelecendo uma relação de paixão entre a marca e o consumidor.
A sua excêntrica qualidade também fazia as delícias de milhares de turistas sul-africanos, de férias na época balnear e era vê-los nas esplanadas do Miramar ou do Dragão de Ouro, com muita cerveja a acompanhar alegres confraternizações.
Também não esqueço as visitas de estudo da malta da Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, às instalações da fábrica da LAURENTINA e da 2M, onde ficávamos a conhecer toda a história do “elixir dourado”. No final da visita, nos refeitórios éramo-nos servidas sandes de carne assada e churrasco. Dos tanques jorravam para as canecas, cerveja efervescente com muita espuma à mistura. À saída, eram-nos ofertadas por parte do Senhor Melo, administrador da FCR, T-shirts, amarelas com o logotipo da LAURENTINA.
Seguramente a cerveja fazia parte do nosso quotidiano, quase como um “culto” e na alegria do verão os apreciadores da rainha dourada, não dispensavam a forma de lhe tomarem o gosto com mais intensidade em momentos inolvidáveis repletos de prazer, tendo-a como companheira de muitos encontros que começavam ao fim de tarde e se prolongavam pela noite fora. As cervejas do meu tempo, para todos os gostos e ocasiões farão para sempre parte da memória de todos os que amaram aquele oásis africano – MOÇAMBIQUE!
- Algumas fotos foram retiradas com a devida vénia dos blogs: House of Maputo e The Delaboa Bay
6 Comentários
Eliseu Gomes
Porque deixou de se vender em Portugal a Laurentina
Há uns anos ainda se vendia uma que era feita na Alemanha Mas também essa desapareceu.
Parece haver uma maldição em não satisfazer ou será apenas que não a querem vender . Se sim, porquê?
Américo Monteiro
Graças a esta publicação voltei aos anos de 1968 a 1971, pois em L.Marques, hoje Maputo, cumpri comissão de serviço militar. Inesquecível esta passagem que guardo no meu coração.
Rui Vranas
A 2M encontra-se no Aucham regularmente.
António Mendes
Muito bem recordado!…Obrigado.
Chyttollo Boy
Estas birras ainda existem. Acrescentar Txilar, Dourada, Raiz.
Américo Ferreira
Ai que saudades!!!!!