As tardes domingueiras no Jardim Zoológico de LM
A partir do Bairro do Alto-Maé, as áreas suburbanas foram ganhando grande desenvoltura dada a grande disponibilidade de terras, que deram lugar a expressos núcleos populacionais que se aglutinavam de forma pouco estruturada. Face a esse surto de crescimento, optou-se por traçar a Av. do Trabalho, que haveria de ser a porta de saída de Lourenço Marques e que entroncava com a Av. S. José de Lanhguene, primordial para a deslocação para outros centros, com ênfase para a EN1.
O imperativo modernista da cidade, obrigava-a a criar espaços de interesse público, suscetíveis de se tornaram em locais de atração para os seus habitantes, e desse modo o incessante desejo manifestado por um grupo de veterinários portugueses congregados na chamada Associação do Jardim Zoológico de Moçambique, mereceu o melhor acolhimento por parte das autoridades locais que lhes atribuíram uma imensa área arborizada e de densa vegetação. Decorria o ano de 1929, quando o plano entrou em marcha e se começou o planeamento do Zoo da cidade de Lourenço Marques.
Foram então transferidos alguns animais selvagens que se achavam numa zona específica no Jardim Botânico Vasco da Gama, que numa primeira estância tiveram ali o seu primeiro abrigo e proteção. O Jardim Zoológico, instalado em terrenos que deram posteriormente lugar ao Bairro do Jardim, tinha o seu principal portão de acesso de expressivo estilo arquitetónico, localizado no cruzamento da Estrada do Influene com o início do traçado da EN1. Oficialmente em 1934, o Jardim Zoológico de Lourenço Marques, era inaugurado e aberto ao público em ambiente festivo.
O seu interior estava bem traçado, apresentado talhões ajardinados e dotado de árvores frondosas já com centenas de anos, como marcos de uma floresta remota. Os responsáveis do Zoo, tentando dar a maior liberdade ao mundo animal, não descuraram a construção de fossos para as espécies mais perigosas, permitindo maior segurança aos visitantes.
O Jardim Zoológico, tinha ainda uma outra entrada mais estreita e próxima de um parque de estacionamento, que permitia o acesso ao hipódromo contíguo ao Zoo. Já do lado da estrada com saída para a Vila de Marracuene, encontrava-se vedado com muros de cimento, que suportavam um extenso gradeamento em todo o seu redor. O seu interior refletia as mais diversas espécies da fauna e flora de Moçambique, a espelharem a riqueza da selva africana, descortinando-se maníferos, répteis, pássaros exóticos e animais distintos de grande porte.
As décadas de 40, 50 e 60 do século passado, foram muito influentes para o Zoo da cidade a registar inúmeras visitas, assinalando-se contínuas excursões escolares. Em 1973, embarcam a partir de Lisboa para o Jardim Zoológico da capital moçambicana, um casal de tigres da Sibéria que terão vindo do seu habitat natural na região do Rio Amur, que faz parte da fronteira entre a Rússia e a China. Os recém -chegados, tornaram-se o foco de todas as atenções não só pelos seus tratadores, como despertaram a curiosidade dos visitantes.
Muitos de nós ainda se recordam da aldeia dos macacos, que fazia a alegria da garotada, pela forma como os pequenos saguis e outras espécies habilidosamente se adestravam nos baloiços.
Outra das atrações, era o chimpanzé “João Tocuene” que deverá agora contar com 75 anos, e ao que julgo saber foi transferido para a África do Sul, ficando alojado numa reserva que melhor garante a sua sobrevivência. Na ala dos felinos, a figura de destaque era o velhinho leão a quem chamavam o “Kurika” cuja juba indiciava a sua adiantada idade, tornando-se um mítico rei da selva respeitado por todos.
Lembro-me daquele grande reservatório de água que acondicionava o hipopótamo “Marracuene” como era carinhosamente chamado, e que de vez em quando ao mergulhar banhava os mais desprevenidos.
Para além das atrações das espécies que ali habitavam, o Jardim Zoológico promovia espetáculos de diversão, e de algumas vezes que lá fui com os meus saudosos pais, consigo recordar o grande artista de seu nome José Pereira da Silva Júnior, que se transfigurava no famoso palhaço “Pepito” que a partir da década 40, ali começou a atuar acompanhado mais tarde pela sua filha “Belita” que ganhou também protagonismo no meio artístico. Pepito, foi o palhaço pobre que fez rir e empolgar duas gerações e que viria a falecer em julho de 1967. Lourenço Marques, chorou a morte do artista com o coração do tamanho do mundo e que tanto nos divertiu.
Também naquele anfiteatro ao ar livre, a dupla de palhaços Emiliano& Ivone, faziam números que deliciavam os petizes.
O Jardim Zoológico, possuía no seu interior um restaurante e esplanada, bem frequentado.
Contudo, as notícias que me vão chegando de Maputo, acerca do Jardim Zoológico não são nada animadoras e dão-me conta da degradação a que está votado aquela maravilha de outrora, que perdeu já mais de metade da sua área de reserva; muitos animais morreram de fome e falta de tratamento. Com a partida de milhares de portugueses, acabou dissolvida a Associação dos Amigos do Jardim Zoológico e face a outras faltas de apoio, o parque passou para a tutela do Conselho Municipal. Infelizmente, o espaço tem vindo a ser ocupado com habitações clandestinas a partir do Bairro de Inhangola, e as árvores vão sendo cortadas para serem usadas como lenha, assim como se vai assistindo à vandalização de algumas infraestruturas ainda existentes.
O Jardim Zoológico de Lourenço Marques, oitenta anos depois da sua fundação traz-nos à memória um lugar tão popular e inesquecível, que fez o imaginário de crianças e adultos, unindo o lazer à educação ambiental, a proteção e a conservação de espécies, transmitindo-nos a riqueza da biodiversidade e o conhecimento dos hábitos do reino animal.
- Fotos retiradas com a devida vénia dos blogs: The Delagoa Bay e House of Maputo
Manuel Terra – Junho de 2022
12 Comentários
Madalena
Que saudades do Pepito e da sua canção. Foi bom recordar o Jardim Zoológico e os animais, já lá vão tantos anos. Obrigado pelas lindas fotos.
Helena Nicolau
Obrigada pelo seu artigo sobre o Zoo de LM. Se naqueles tempos era admissivel manter animais bravios enjaulados em espaços 3×3, como sabe, hoje isso não é possível. Por essa razão o João está num santuário. Tentámos colocar o Marracuene também mas era mais complicado. Os animais que restam, 3 crocodilos e primatas, estão saudáveis e bem alimentados. A idea é transformar o espaço num mini safari parque, mas o problema é arranjar um backer com dinheiro! Contudo, sobre o belo Zoo que desenha aqui, a realidade era outra. Já nos anos 60, o Zoo atravessava sérias dificuldades financeiras. O Governo Português dava-lhe um subsídio de 200 contos ano, que cortou para 150 e por fim para 100. As coisas não estavam nada bem!!
Augusto Martins
Manuel Terra
É sempre com muito prazer e atenção que leio todas as suas descrições da minha querida terra, onde nasci e vivi permanentemente até ao dia 30/Dez71975.
Até, se me é permitido fazer uma sugestão, gostaria de adquirir uma sua publicação do conjunto dessas recordações, que servirá para perpectuar a obra que os portugueses construíram naquelas paragens e que acabará por ser usurpada por quem se serviu desse esforço titânico.
Se a tiver, ou pensar fazê-lo, agradeço que me diga onde e quando a posso adquirir.
Se me é permitido, gostaria de lhe fazer notar, que há um pequeno lapso, na indicação dos nomes das ruas que conduziam ao Jardim Zoológico..
Refiro-me ao nome das duas ruas que partiam do Alto Maé e que se dirigiam para ar Missão de S. José. Eu vivi entre 1944 e 1946 na Rua 1º. de Maio (que partia do Largo do Chafariz , então existente em frente à mercearia do Lousã e do outro lado da esquina da Esquadra da Polícia).
Essa rua tinha o nome de Rua 1º. de Maio, tinha dois sentidos de trânsito e só terminava na esquadra da Polícia da Missão de S. José de Lhanguene.
Numa posição oblíqua a esta rua e com um sentido único de trânsito na direção à Missão de S. José, havia uma outra rua designada Estrada de Lidenburgo, que entroncava na Rua 1º de Maio, em frente à Padaria Bijou. Nesse gaveto veio a ser construído, anos mais tarde, um edifício onde surgiu uma estação de Serviço e posto de combustíveis da Sacor, que ainda existia aquando da independência de Moçambique.
Peço desculpa por esta minha intervenção, mas a reconhecida qualidade destes seus artigos, obriga-me a fazê-lo, endereçando os meus respeitosos cumprimentos.
Rogério Gens
Se for possível e para conhecimento geral, pode esclarecer uma coisa no que escreve? A mercearia do Lousá estava do lado da esquadra (por isso a sul do largo do Chafariz) ou do lado oposto? Se estava no lado da esquadra, lembra-se do nome da mercearia que estava desse lado oposto (a norte do largo) e onde foi depois construido o prédio do Novo Mundo?`
Já agora quanto aos sentidos das ruas, na carta de LM de 1925 a rua 1o de Maio (depois do Trabalho) nessa zona aparece com sentido único para entrar na cidade e a Rua de Lindemburgo com sentido único para sair. Ora isto não coincide com o que diz, que a 1o de Maio do largo até ao gaveto da estação de serviço da SACOR tinha dois sentidos. Mas é óbvio, pode ter havido mudanças, embora nos anos 60-70 ela tivesse sentido único com teria tido em 1925. Agradecia se pudesse responder.
Augusto Martins
MANUEL TERRA
Estava a responder à sua mensagem, mas como era necessariamente longa a descrição, acabou por desaparecer, apagando-se o seu conteúdo, sem que eu consiga recuperá-la.
Se achar conveniente, indique-me o seu e-mail, para que eu possa dar-lhe os pormenores que ainda tenho na minha memória e que eventualmente possam esclarecer o assunto.
Resp. Cumprimentos.
Manuel Martins Terra
Em primeiro de tudo quero-lhe agradecer a sua amabilidade e atenção, e com todo gosto estou sempre receptivo a qualquer esclarecimento, que possa efetivamente ajudar a melhorar o conteúdo dos posts que envio para o BIGSLAM, o nosso grande ponto de encontro.
Conforme o seu pedido e que acho conveniente, endereço-lhe o meu e-mail: manuelmartinsterra@hotmail.com
Também lhe envio o meu numero de telemóvel: 932832834
Despeço-me de si, com um afetuoso abraço.
Rogério Gens
Mas apesar do seu nome aparecer em cima não seria às minhas questões que o Augusto Martins queria responder? Se for e ele ainda ler isto, o meu mail pode ser housesofmaputo@gmail.com. Se não for, peço desculpa pela intromissão.
Antonio Ughetto
Nasci em 43 Portuanto ainda tive a sorte e ver o Jardim Zoológico na sua plenitude, havia um restaurante quase a entrada principal onde se comia “Borrachos” (pombos pequenos) e frango a cafreal ou mesmo camarões grelhados, bons tempos.. claro que só fui meia dúzia de vezes (quando era miudo) depois de adulto acho que não fui mmais do que duas vezes…
andei de cavalo, e vi alguns animais selvagens, recordo do fosso dos Leões, do elefante,,girafas, zebras jacarés, hipopótamos, alguns macacos e chimpazés, algumas aves e cobras … A minha última visita foi com o meu irmão e minha avó… anos 50…
P.S. Creio que em 1967 fui almoçar no restaurante mesmo à entrada do Jardim Zoológico quando o meu colega da CEP, Pina Calhandro se casou com a Lucinda (grandes amigos)
José Miranda
Á cerca do jardim zoológico,eu morei precisamente na rua do jardim número 120 quer dizer a 120 metros da entrada,aquele restaurante fiz o almoço do batizado da minha filha á52 anos,saudade saudade!
FERNANDO CAPELA
Evito comentar este tipo de atitude de tão estúpida e incoerente que é.
José Gonçalves
Grandes recordações, meu amigo.
Um abração.
Luiz Branco
Como o resto do País…. Sendo o 4º país mais pobre do Mundo não admira que isso não tenha qualquer valor nem seja prioridade.