Escola Técnica Elementar Governador Joaquim Araújo “A passagem para as outras margens”
A porta aberta das recordações convida-me a entrar e a imaginar tudo o que me fez feliz, e diria muito da minha geração num misto de camaradagem e saudade. Este sentimento profundo tem que ver com a vida escolar algo que nos tocou profundamente, e muitas lembranças decorrem dos tempos passados dentro dos estabelecimentos de ensino. A minha levitação leva-me até à Escola Técnica Elementar Governador Joaquim de Araújo (hoje Escola Secundária Estrela Vermelha), e por muitas razões. Primeiro, porque aquele imponente estabelecimento escolar, se situava a pouco mais de uma centena de metros da casa onde habitava e dada a sua aproximação, o soar das campainhas de toque tornaram-se um hábito constante.
Fui crescendo ao ritmo das obras que de dia para dia, iam dando corpo a uma construção há muito desejada. Recordo que para levar a efeito a gigantesca escola, foi necessário interromper a Av. 31 de Janeiro (hoje Av. Agostinho Neto) a partir da Av. General Machado (hoje Av. da Guerra Popular) até à Rua Eng. Ferreira da Maia, muito próxima da Av. Luciano Cordeiro (hoje Av. Albert Luthuli). A obra obrigou a anexação da chamada Albergaria Municipal, onde estacionavam os veículos de recolhimento de resíduos sólidos e de insalubridade da Câmara Municipal) e do velhinho campo de futebol do Grupo Desportivo 1º de Maio.
A sul, situava-se o portão principal com o distintivo da escola, concretamente na Av. J. Serrão (hoje Av. Emília Daússe), mesmo defronte das instalações da Sociedade Protetora dos Animais.
Era ladeada pela Av. General Machado, contígua ao hangar dos machimbombos dos Serviços Municipalizados de Viação, pela Av. Luciano Cordeiro, Rua da Munhuana e a norte (traseiras) pela Av. Gomes de Freire (hoje Av. Paulo Samuel Kankhomba). Apenas estavam abertos o portão de ingresso acima referido, para a entrada dos alunos e o portão virado para a Av. General Machado, que dava acesso ao parque de estacionamento dos veículos do pessoal docente e funcionários. Em frente do outro lado da rua funcionava o hangar dos machibombos, dos Serviços Municipalizados de Viação (SMV).
Esta escola foi projetada já no render da década 50, por Fernando Mesquita, no contexto dos Serviços de Obras Públicas de Moçambique, que visava a construção de edifícios escolares em larga escala, e diria até em tempo recorde. A localização do edifício tinha como base servir a grande área suburbana da cidade, logo uma decisão estratégica que permitia pela aproximação a frequência de milhares de alunos de ambos os sexos, de todos os extratos sociais que acabavam de concluir o ensino primário. A Escola Técnica Elementar Governador Joaquim de Araújo, uma verdadeira obra de arte que refletia a matriz do Movimento Moderno Internacional, contemplava a questão climática, no caso da incidência solar, proteção das chuvas e a exposição às correntes de ar, costumais nos climas africanos. O modelo exprimia uma malha ortogonal extensiva aos pavilhões, galerias de circulação (a que chamávamos passadiços cobertos) e espaços exteriores bem delineados e verdejantes.
As escadarias dos pavilhões, eram protegidas por lâminas horizontais de forma a favorecer a ventilação. Lembro-me que as salas de aulas dos pavilhões dispunham de janelas articuladas com os vidros em formato de persianas, acionadas por pequenas alavancas montadas na caixilharia, que regulavam a intensidade dos fluxos solares e afrouxavam o calor húmido que ameaçava instalar-se no espaço.
Tudo funcionava em pleno, sob cuidados prementes de manutenção. Os pavilhões com dois pisos, comportavam seis salas de aulas e um alargado varandim. Em 1971, o pavilhão de entrada passou a contar com mais um piso.
Agora voltando-me mais para o seu funcionamento, a Escola Técnica, foi inaugurada em 7 de fevereiro de 1963, em grande clima de festa e com manifestações desportivas, a que compareceram muitos citadinos. A escola na sua nomenclatura específica, tinha no designado ciclo preparatório, um plano de estudo destinado a complementar a formação adquirida no ensino primário, introduzindo-lhe uma vertente para orientação profissional. Terminada esta fase, os alunos teriam a possibilidade de optar pelo ensino industrial ou comercial. Como era sabido, havia um regulamento interno que estipulava que os alunos do sexo masculino teriam que envergar à entrada um blusão azul, exigindo-se às alunas o uso da bata branca. Medidas que determinavam de alguma forma minorar qualquer referência social, que pudesse porventura descortinar-se no uso do vestuário.
Após a entrada para o interior da escola, situava-se à direita o pavilhão administrativo onde funcionava a secretaria, o gabinete do diretor, a sala dos professores, a biblioteca, o gabinete da visitadora que sendo técnica de saúde tinha a incumbência de observar as condições sanitárias da estrutura escolar e problemas pontuais de saúde da comunidade estudantil.
Havias depois nesse corredor dois pequenos gabinetes destinados aos contínuos; um ocupado pela D. Alice, funcionária afeta à vigilância das alunas no que respeitava ao seu comportamento. A outra área, era da responsabilidade do chefe de pessoal o Sr. Marques, um homem de forte corpanzil e dotado de olhos de lince, que não perdoava traquinices acima do aceitável. Ficou famoso pela aplicação do tradicional calduço, carimbado pelos seus dedos espessos.
Perfilava-se depois a galeria central, que se prolongava até á zona das oficinas de trabalhos manuais e de lavores. Muito perto achava-se o moderno bar, sempre bem preenchido nos intervalos.
À esquerda da galeria no sentido descendente, estavam intercalados os dois pavilhões onde eram lecionadas as disciplinas teóricas. Na zona de recreio, as raparigas jogavam a “macaca”, saltavam à corda ou brincavam ao ringue.
Do lado direito, localizava-se o pavilhão das modernas salas de desenho, equipadas com estiradores e armários onde guardávamos os nossos materiais.
Um pouco mais abaixo, estavam implantados os dois modernos ginásios, muitos bem apetrechados e onde nos eram ministrados exercícios de ginástica aplicada, com o propósito do desenvolvimento físico.
Na parte frontal asfaltada, lembro-me de nas noites de sábado, ser projetado cinema ao ar livre destinado aos alunos e seus familiares. Na zona vizinha, afigurava-se o moderno auditório em anfiteatro onde decorriam as aulas de canto coral. Lembro-me da minha professora nos obrigar a subir os degraus, para entoarmos as notas musicais e já sentados interpretarmos quase todo o reportório do Cancioneiro. Para as aulas de Educação Física ao ar livre, descíamos a escadaria para o grande complexo desportivo. Era por assim dizer o espaço mítico do saudoso Professor Vilela, tantos foram os desportistas que passaram pelo seu ”crivo”.
Possuía pista de atletismo, e havia um ringue onde ainda se jogou hóquei em patins. Recordo a sua bela piscina, onde aprendi a nadar no âmbito de um programa de férias escolares (ao que me dizem votada ao abandono)
tal como o campo de basquetebol em piso de alcatrão, onde a mocidade do meu bairro jogava partidas em catadupa, que só terminavam quando a noite caía.
Abstraindo-me agora da zona desportiva, subo novamente a escadaria e caminho a passos largos em direção ao espaço reservado às oficinas de trabalhos manuais.
Era o ponto de partida para o caminho das artes, e porque não, o começo dos nossos sonhos. Aprendíamos os nomes das ferramentas, e as suas adequadas funções. Sob o olhar atento dos nossos mestres, executávamos diversos trabalhos em madeira, ferro, arame e cartão, dando expressão à criatividade que brotava do interior de cada um de nós. Quase todos fizemos com especial carinho, o pequeno livro de autógrafos que muitos guardam religiosamente em qualquer baú, forrado exteriormente com pergamoide de vários tons, e que continha no seu interior dedicatórias dos nossos pais, professores, colegas, amigos e das namoradas do nosso imaginário. Vem-me também à ideia, a minha velhinha serra de rodear que transportava de casa, utilizada em recortes feitos nas placas de contraplacado.
Ao fundo e junto ao muro, havia um prolongado coberto (estacionamento das bicicletas e motorizadas) onde nos intervalos ou momentos livres, jogávamos ao lenço ou o popular “aqui vai alho”. Na banda térrea, jogava-se ao berlinde e ao paulito, muito comum na época.
Curiosamente e porque fazia parte do plano de construção, grande parte da vedação exterior assentava em vegetação exuberante, onde as acácias rubras casavam na perfeição com o vermelho das folhas das plantas hibísceas que se entrelaçavam nas fiadas de arame, fixo em pequenos pilares de cimento, transmitindo-lhe um colorido invejável e bonito de se ver.
Concluída esta passagem por esta majestosa escola, recordar a figura do nosso diretor; o Professor Campos, como todos os outros docentes, casos do Professores, Nascimento, Saraiva, Pádua, Hersília Chabert, Isabel Mauriti, Pinto Martins, Vilela. Os mestres; Carvalho, Lino, Fraga, Franklim e Maria Carneiro. Os padres Lobo e Gaspar. Outros nomes houve e que já não me ocorrem, que também deram o seu contributo para a nossa formação.
Apesar do pouco tempo em que eu fui teu discípulo, nunca mais me esquecerei que te tive como vizinha e companheira, e que um dia fizeste parte da minha vida.
Algumas fotos de alunos e professores que passaram pela Escola Joaquim Araújo. Reconheces alguém?
Manuel Terra – Maio de 2021
- Algumas fotos foram retiradas com a devida vénia do blog House of Maputo e da página de facebook da Escola Preparatória Joaquim de Araújo, a quem o BigSlam agradece!
13 Comentários
Fernando Oliveira
Andei nesta escola em 75-76.
Lembro-me da rivalidade entre os alunos desta escola e da Joaquim Machado das expressões: “Joaquim Araújo tem o cu sujo”; Joaquim Machado tem o cu rachado”; Joaquim Machado tem o cu sujo mas tem piscina para o lavar. Joaquim Machado tem o cu rachado e não tem cola para colar”.
Passei a conturbada fase de substituição de aulas como por ex. música, por comícios políticos e outras coisas mais.
Jose Quintaz
José Quintas
Também andei nessa escola só me lembro do mestre trabalhos manuais mestre Lino que voltei a estar com ele em Valença do Minho Portugal nos anos de 80.
Era uma escola moderna com tudo. Fui aí que o Sporting veio me buscar quando eu pratica lançamento do peso pela escola. Bons tempos. Obrigado.
joaoferrerira
João Ferreira
Fui um dos inauguradores dessa escola , Lembro-me bem do Cap. Trigo de Sousa que embirrava comigo porque não aparecia aos Sábados fardado da Mocidade Portuguesa, e fizemos bons jogos de basquetebol nessa escola. Belos tempos
Lembro-me dos saudosos Filipe Vedor, João Vicente (Pinduca) grandes companheiros.
Nitinha
Obrigada por esta partilha, eu morava mesmo á frente da entrada dessa escola, (Av. J, Serrão) á noite
Depois do jantar. as pessoas que moravam no mesmo prédio ijuntavamo-nos ai a conversar.que saudades.
Roberto Yeep
Depois sair da escola J Belo fui para J Araujo que ficava ao lado e perto da mina casa na Av Luciano Cordeiro. Depois passar segundo ano fui para Escola Comercial.
Tive bons tempos uma boa recordable e vivo agora em Londres
Mário Martins
Bons tempos caro Amigo.
Nesses anos, o basket era nosso – 1° e 2° M ✌️👏👏
Que saudades dessas belas amizades que tínhamos.
Grd abraço. Os
José Miguel Rodrigues
Fui um dos previligiados ao ser aluno deste estabelecimento de ensino 74-75 e 75-76.
Uma escola cuja construção assenta em linhas modernas , espaços amplos ,excelente enquadramento, com as zonas envolventes arborizadas, um espaço desportivo enorme, enfim muito á frente do seu tempo…
Tomara muitas escolas em Portugal serem como era este colosso.
Recordo com saudade os campeonatos inter turmas em que a minha turma 1º-1 A foi vencedora do torneio, ainda tenho a camisola com a indicação de ano ,turma e nº nas costas.
O professor de Educação Fisica era o Fumito craque de futebol da Académica e o professor de matemática era o Pedrosa Alves benfiquista ferrenho, intratável á segunda feira se o Benfica perdesse…
O curso natural era de seguida transitar para o Liceu António Enes, mas em Julho de 76 vim para Portugal.
Que saudades…
Abraço
José Rodrigues
Mário Martins
Bons tempos caro Amigo.
Nesses anos, o basket era nosso – 1° e 2° M ✌️👏👏
Que saudades dessas belas amizades que tínhamos.
Grd abraço. Os
sgivandas@gmail.com
Escola Primaria Joao de Deus, Escola Primaria Fundacao Salazar, Escola Preparatoria Joaquim de Araujo/Escola Secundaria Estrela Vermelha, Escola Secundaria Francisco Manyanga, South Africa,United kingdom.
Luis Trabulo
Eu sou da Machado e uma vez nos torneios inter escolares (72 ou 73) fomos jogar andebol contra a Araújo, os gajos da Araujo estavam convencidos que iam ganhar o jogo, eram mais velhos e nós eramos os putos que à partida íamos levar uma cabazda, o jogo foi duro e taco a taco e no final a Machado ganhou o jogo, depois do jogo eu o Caveira, (alcunha) o Quintas e o Brasileiro (alcunha) fomos beber água numa torneira apareceram os gajos da Araujo e disseram que não podíamos beber água (estavam lixados por terem perdido o jogo) quase andamos à batatada mas o nosso Prof de Educação Física o Trepa Torres e prof da Araújo apareceram e controlaram a situação senão acho que tínhamos levado umas porradas …ahahahah…durante as aulas de EF o Trepa Torres punha-nos a jogar andebol mas sem bater a bola, uma semana antes dos torneios deixou fazer um batimento, o resultado foi que em dois três passes colocávamos a bola no ataque foi por isso que ganhamos o jogo…… mas yá, nunca tinha visto uma escola com piscina e lembro-me de um comentário da malta “epá os gajos tem piscina”…. bons tempos
Zeto
Araujo tem cu sujo
Dulce Gouveia
Tive o privilégio de frequentar esta escola, na qualidade de estagiária de Educação Física, durante o 2° ano do meu curso.
Tinha umas condições fantásticas para a prática desportiva, com um belíssimo pavilhão coberto, uma série de campos de mini-basquete e outros campos para várias modalidades.
Mas onde gostava mais de estar, era na piscina de 25
metros que, naquele tempo ( e no actual ), era um luxo ( lembro-me que só havia outro estabelecimento de ensino com piscina que era o Liceu Salazar, coberta e toda em mármore mas que não era usada, o que considerava um desperdício ).
A minha professora de estágio, que leccionava nesta escola, era a Prof. Tanagra Feio, uma excelente pedagôga.
Uma escola de fazer inveja em qualquer parte do mundo.
Bons tempos!
joao paulo mesquita
também andei, quando sai da escola primaria joao belo,
e depois de passar o segundo ano ,fui para liceu antonio enes.
recordo que andei uns meses com o braço com gesso depois de o partir
em Nampula.