Hotel Polana – Um cartão de visita de excelência
Já o dissemos quão importante foi a passagem do século XIX, para o século XX, para que o burgo pantanoso saísse dos estreitos limites do cercado de estacas, e começasse a ganhar um rosto citadino marcado pela sua expansão, sublinhada por uma traça viária digna de realce. Lourenço Marques, foi caminhando rápido em direção ao progresso e desenvolvimento, ganhando uma súbita valorização muito pelo facto de se situar num posto da costa de fácil acesso, tornando-se num ponto estratégico no que concerne à região da África do Sudoeste, levando em tempo recorde a construção da linha férrea até à Província do Transvaal, e do apetrechamento da zona ferroportuária.
A capital moçambicana ganhava então um papel preponderante no escoamento do ouro sul-africano, mais viável economicamente de que qualquer outro porto da costa meridional. A descoberta das minas de diamantes e ouro no Transvaal, originou como seria de esperar um considerável aumento demográfico na cidade, com a chegada de um fluxo migratório de comunidades da Velha Europa, destacando-se os italianos, os gregos e os ingleses, afamados homens de negócios e que procuravam naquela terra fazer fortuna.
Na zona portuária, foram abrindo estabelecimentos do ramo de importação-exportação, bares e restaurantes, o bazar, lojas de roupas, papelarias e tipografias, e hospedarias com pouco requinte. O turismo começava também a despontar, numa época em que se cultivava o hábito europeu associado aos banhos de mar, conotados a bens terapêuticos e de propriedades benfazejas atribuídas ao ar puro. Para satisfazer os turistas, atraídos pelas extensas praias banhadas pelas águas tépidas do Índico, embelezadas pelo seu arvoredo e altos palmares, foi construída uma linha férrea que contornando toda a zona da Ponta Vermelha, passou a ligar a Baixa laurentina até a designada Praia da Polana.

Linha férrea (detalhe no quadrado branco) que suponho tivesse sido instalada para as Obras do Porto, mas o seu traçado deve ter sido aproveitado depois para a ligação por comboio à praia da Polana a partir de 1911.

Inauguração da Estação de caminho de ferro da Polana construída no fim dessa linha/ramal e que como se vê foi colocada a pouca distância da barreira.

Bilhete para o ramal da Polana em 1912.
Entretanto, chegada a época estival, os sul-africanos superlotavam a linha internacional ferroviária, com turistas vindos de Durban e Johannesburg, que chegados à Praça Mac-Mahon, lamentavam a falta de hotéis e outros estabelecimentos similares para tanta gente que necessitava de alojamento para descansar. Lourenço Marques, regurgitava de turistas à procura de aposentos e restaurantes para as suas refeições. A cidade das acácias, já não suscitava dúvidas quanto à sua organização espacial, expressa no crescimento ordenado da população, ao florescimento do comércio e indústria, como também a evolução do turismo. É neste contexto que em 1917, o Coronel Lopes Galvão, engenheiro militar e a presidir ao Conselho de Turismo, sugeriu a ideia da construção de um luxuoso hotel que marcasse a monumentalidade e espaço público de renome, na cidade que ia desenvolvendo uma estética cativante.

Coronel Lopes Galvão
Um dossier nada pacífico, como seria de esperar por parte dos seus opositores, que consideravam isso um cometimento. megalómano. A discordância persistiu por algum tempo, até que o Coronel Lopes Calvão, levou o assunto ao conhecimento do governador-geral General Massano de Amorim.

Governador-geral General Massano de Amorim.
Lopes Galvão, recebe do governador a necessária autorização para negociar a adjudicação do hotel. O local escolhido foi a esplêndida região de Ka-Pulana, da jurisdição do reino Mpfumu, no alto da colina irregular do litoral tingida por uma vasta vegetação virgem e diversificada, onde se podia vislumbrar a beleza do estuário da baía, que recebia nas suas águas com os seus cheiros e bons mistérios, os rios Tembe, Matola, Influene e o Umbeluzi, que se haviam de misturar nas ondas do Oceano Índico. Há quem avente que no local e isto sem confirmação fiável, que os portugueses batizaram de Polana, por se realizarem feiras onde se vendiam as tradicionais e garridas capulanas.
Todavia Pulana, era o cognome do Régulo Wayeye, governador do seu reino e de quem se falava ser também conhecido por médico tradicional, adivinho, médium, evocador de espíritos ou feiticeiro. Não está claro, que estas artes possam estar aglutinadas na mesma pessoa. Era muito procurado para curar maleitas, e libertar pessoas dos apertos de vida. Curada a pessoa, era como se tivesse sido tirada do lume. Com a ocupação dos terrenos, o Régulo Pulana estabeleceu residência na zona do Bairro do Alto-Maé. Entretanto, os Ingleses da “Delagoa Bay Landa Syndicate Limited” sediada em Joanesburgo, que haviam adquirido os terrenos, começaram em 1921 a construção do moderno hotel. O projeto, quanto penso saber foi encomendado a um conceituado gabinete técnico liderado pelo arquiteto britânico Sir Herbet Baker,

Herbert Baker.
que o concebeu combinando elementos da arquitetura neoclássica com influências locais, de forma a proporcionar aos hóspedes vistas espetaculares e dotado de conforto e tranquilidade.
O empreendimento foi adjudicado à Delagoa Bay Enginnering WorKs, por 200 mil libras, sendo de considerar que possa ter atingido as 300 mil libras, derivado a aquisição de equipamentos não previstos no contrato, e estipulado o prazo de 1 ano para a conclusão da obra. O caderno de encargos, estabelecia a construção de uma central termoelétrica, lavandaria, câmara frigorífica, cerca de 150 quartos equipados com telefone, casas de banho em todos os aposentos e água quente, amplas salas de jantar, salas de leitura, salas de jogos, courts de ténis, salão de festas e um serviço diário de telégrafo e entrega de correspondência e despachos. Contemplava também um ascensor para o piso cimeiro, e outras mordomias.
Certo é que no dia memorável de 1 de Julho de 1922, em clima de grande festividade era inaugurado o majestoso e imponente Hotel Polana, muito acima do melhor que havia no continente europeu, e a fazer jus às suas 5 estrelas.

Anúncio do Hotel Polana na publicação sul-africana Carlton Guide to South Africa, 1929: “Um dos melhores hotéis do Mundo”.
O brilho, a elegância e o bom serviço, atravessaram fronteiras e diariamente chegavam a Lourenço Marques, figuras importantes onde se incluíam empresários, artistas, celebridades civis, militares e políticas, comitivas desportivas e outros viajantes de renome.

Hotel Polana, anos 30

Hotel Polana, anos 30

Visitantes, presumivelmente sul-africanos, sentados na esplanada traseira do Hotel Polana em Lourenço Marques, década de 1930.
Em 1939, o Presidente da República Portuguesa, Marechal Óscar Carmona e comitiva, ficaram lá instalados durante a sua visita à cidade. Em termos de apoio logístico, foi criado um ramal para circulação de tramways (elétricos) que partiam da Gare e tinha como final de circuito, a proximidade da entrada para o hotel. Mais tarde, o transporte sobre carris, foi substituído por machimbombos, operando a partir da baixa a linha 2A e o 5, com paragem terminal junto ao Hotel Polana.
Os tempos que se seguiram foram animadores, o que levou o milionário I.W. Shclesinger a despender 400.000 libras para a compra da luxuosa unidade hoteleira. Foi com eclodir da segunda Guerra Mundial, que o Hotel Polana ganhou protagonismo e maior fama, resultante da declaração de Portugal em prol da neutralidade no grande conflito militar, e sem quaisquer constrangimentos o hotel transformou-se no quartel-general de espiões e agentes secretos, quer das forças aliadas, quer das forças Alemã e Italiana, em ações de espionagem e contra espionagem. Eram vistos na passagem pelos corredores e pelos bares, evidenciando aparentemente sinais de descontração.

Baile no Hotel Polana em 1949.

Hotel Polana em 1955.

Noite de fados no Hotel Polana na década de 50.
O Hotel Polana na década de 60.

Hotel Polana nos anos 60-70. No topo a esfera armilar portuguesa original.

Esplanada virada para a piscina.

Bar da boate do hotel.
A partir da década 70, o Hotel Polana passou para a gestão do grupo português Estoril-Sol, o mesmo empreendedor creio eu do Hotel 4 Estações que começou a ser erguido na marginal da Costa do Sol, e que depois da Independência em Moçambique, viria a ser demolido através de implosão.

Hotel Quatro Estações na marginal que em 2007 foi demolido por implosão.
Muitos se lembrarão ainda da construção do Polana-Mar, onde se rompia pela madrugada, ouvindo música de orquestra e artistas conceituados, que animavam a noite dos seus frequentadores. O Hotel Polana, ainda esteve por algum tempo e já perto do fim da guerra civil, a ser gerido pela empresa sul-africana Karos.

O Hotel Polana, início da década de 1970, já com a expansão do Polana Mar à frente. À esquerda, o campo de bowling na relva, usado quase exclusivamente pelos hóspedes sul-africanos.
No período pós-independência, passou pelo período mais conturbado, até que surge em 2010, a Fundação Aga Khan para o desenvolvimento, a recuperar e remodelar as partes mais afetadas e assegurando a gestão através do Grupo Serena, o maior líder na África Oriental, passando doravante a chamar-se Polana Serena Hotel.

Sr. Luis Nhaca (falecido em 2022), memorável pelo seu traje formal coberto de pins, aliás uma tradição que já vinha de trás do seu antecessor, dá as boas vindas aos clientes.
Recuo agora no tempo, e revejo-me em muitas deslocações a caminho da praia do Miramar, palmilhando a Av. António Enes, e a abrandar o ritmo para melhor poder observar do seu largo o fausto e maravilhoso Hotel Polana, rodeado de alguns coqueiros de porte alto que simbolizavam na perfeição a tropicalidade do território.
Hoje, já centenário continua a cumprir a sua missão, distinta pela riqueza da sua hospitalidade e de forma resiliente, afigura-se como cartão de visita de excelência e um verdadeiro tesouro histórico e cultural da Pérola do Índico, virado para o mundo.
Manuel Terra – Julho de 2024
9 Comentários
Ricardo Branco
Na remodelação do hotel, levado a cabo pelo Grupo 5 da África do Sul, o meu amigo José Neiva, (RIP) sócio e um dos implementadores do Grupo 5, liderou a equipa. Era enteado do Matos Ribeiro que foi durante muitos anos o director do Hotel Polana. O Zeca Neiva vivia no Hotel e estudava no Liceu Salazar, onde a Mãe, Domitila Apolonario, lecionava Francês. Fui muitas vezes ao quarto dele onde alguns de nós estudávamos. Quando começaram as obras e devido ao grande amor que tinha pelo Hotel, os Sul-africanos queriam levar a caldeira, única em África, e ele recusou. Também queriam levar o elevador, obra única pelo seu desenho e caixa operacional, dourado se se lembram, de rara beleza, e foi o Zeca Neiva que não autorizou a sua remoção. Paz à sua alma!
J. Correia
Bons tempos esses. Fui frequentador da boite, dos bailes de fim do ano e dos almoços-buffet de domingo.
Até aí se realizou o copo de água do meu casamento há 55 anos…
E depois da descolonização fui lá “matar saudades” do saudoso Polana
José Alexandre Bártolo Wager Russell
Muito interessante a história do icónico Hotel Polana. Lembro-me de lá ir umas poucas vezes e entre 1975 e 1976. Um hotel que, ainda hoje mede meças com muitos outros de categoria. Parabéns Manuel Terra.
João Santos Costa
Sabia que pela sua localização e tratamento VIP dos seus hóspedes era o melhor hotel de Moçambique e quiçá de África.
Eu não tinha o “condição social” para ser frequentador assíduo deste Hotel. Só lá fui algumas vezes, Mas nem por isso deixei de o admirar! Todos nós sabíamos que era um “Ícone” da cidade das Acácias.
Lembro-me que depois da independência e até há uns tempos atrás passou por problemas económico/financeiros! Mas felizmente creio que tudo está resolvido e já está a funcionar em pleno.
Só agora, com este brilhante trabalho do Manel Terra, fiquei a conhecer a sua estória.
Obrigado Manel. Um grande abraço deste teu amigo, João.
Milu Gouveia
Muito ineressante a historia do Hotel Polana, obrigada.
João Carlos Guerra Mendes de Almeida
Parabéns Manuel Terra por nos relembrar o “nosso” Hotel Polana onde, na nossa juventude, tantas horas e aventuras passámos. Vivíamos realmente numa cidade fantástica e eramos felizes sem saber. Ainda hoje, passados 50 anos, as memórias estão tão vivas que nos permitem, fechando os olhos, calcorrear a cidade de ponta a ponta. Bem haja
Orlando Valente
Parabens MANUEL TERRA por esta magnifica reportagem e pelas fotos do HOTEL POLANA, que nos encantou a todos pela lembranca ou mesmo tempo que sentimos saudades de tao maravilhoso hotel da nossa terra. Nada mais tenho a acrescentar, apenas me resta dizer, que o HOTEL POLANA continuara bem presente na minha memoria ate o coracao bater no meu peito…sim, feliz por de ter conhecido depois de tantos anos…
RICARDO JORGE ROGADO QUINTINO
Fui várias vezes com a minha esposa (na altura ainda namorados) aos sábados à noite à boate do Polana e aos Domingos almoçar ao buffet que era aberto aos não hóspedes. Isto nos finais dos anos 60, início dos 70, até ao nascimento da minha filha, que pôs um
travão nas nossas saidas nocturnas e diurnas de lazer, com a bebé a concentrar todas as nossa disponibilidade de tempo.
Continuação de um bom Verão, gente…
LUIS BATALAU
MARAVILHOSO HOTEL NUMA MARAVILHOSA CIDADE- LOURENÇO MARQUES. FREQUENTEI ALGUMAS VEZES A BOITE DO HOTEL POLANA SEMPRE COM BOAS ORQUESTRAS. PARA TODOS GRANDE ABRAÇ. HAMBANINE.