Jardim D. Berta Craveiro Lopes – Um espaço de relaxe e bem estar…
Nestes contos de outrora, poucos são aqueles que não nutrem um sentimento nostálgico que aperta ligado à sua época de infância ou adolescência, e que nos transporta a um tempo de sonhos contínuos impregnados de gratas recordações. Começo pela visita do então Presidente da República Portuguesa, Francisco Higino Craveiro Lopes, a Moçambique em 1956, acompanhado da Primeira Dama de Estado, D. Berta Craveiro Lopes, com registos de manifestações de carinho e apoio a envolverem o casal, e a verdade é que D. Berta Craveiro Lopes, nas múltiplas ações sociais em que se empenhou, irradiava simpatia influente que não passava despercebida e que tocou profundamente a população da cidade.
Terminada a visita a Moçambique, a Câmara Municipal de Lourenço Marques, iniciou em 1957, a construção de um novo espaço verde salientando a importância da natureza em contexto urbano. Um ano depois os trabalhos estavam concluídos, e por decisão da vereação da edilidade o novo espaço iria ostentar o nome de Jardim D. Berta Craveiro Lopes. A cerimónia contou com a presença de muita gente que ali acorreu, e foi solenemente inaugurado ao que penso saber no dia 24 de Julho de 1958, sendo que D. Berta Craveiro Lopes, falecera um pouco antes, concretamente no dia 5 de Julho do mesmo ano, vitimada por um acidente vascular cerebral um mês antes do Presidente da República, terminar o seu mandato no Palácio Nacional de Belém. Constava-se que muito provavelmente, desencadeado pela sua constante preocupação devido à perseguição política de Salazar, a seu marido.
Voltando agora ao Jardim, para a posterioridade foi erguido um mural no qual assentava o seu busto, obra do escultor Leopoldo de Almeida.
Creio não estar errado ao afirmar que esta distinção, foi também uma forma de homenagear a jovem que na primeira década do século XX, aportou a Lourenço Marques, na companhia da avó, de um irmão e duas tias, procurando o seu pai Sezinando Ribeiro Arthur, alto funcionário do Quadro de Pessoal dos Caminhos de Ferro, que por desavenças familiares rumara a Moçambique. Depressa se tornara uma adolescente de estampada beleza, de quem se enamorou o jovem tenente piloto aviador, Francisco Higino Craveiro Lopes, que se encontrava em comissão de serviço no norte de Moçambique, em apoio ao Corpo Expedicionário Português, para ali destacado a fim de rebater a invasão alemã ao território.
O enlace matrimonial teve lugar a 22 de Novembro de 1917, tendo a jovem Berta, apenas 18 anos de idade. Teve quatro filhos, sendo um o célebre arquiteto Nuno Craveiro Lopes, que projetou a magnificente igreja de Santo António da Polana.
Depois de terminar a sua comissão militar em Moçambique, segue o seu marido para diversos locais em que cumpre funções, incluindo a Índia, Tancos, Açores e regressando depois a Lisboa. No período de 1951 a 1958, no papel da mais alta Dama da Nação, exerce notável atividade sociopolítica acompanhando o marido nas diversas deslocações estatais, as quais mereciam a melhor referência por parte dos órgãos de informações estrangeiros, e a cereja no topo do bolo foi mesmo a receção no Palácio de Buckingham, a convite oficial da corte britânica.
Retomando o Jardim D.Berta Craveiro Lopes, se bem se lembram estava localizado na Av. Augusto Castilho e fazia esquina com a Av. Latino Coelho. O espaço verde era apenas delimitado por uma cerca em postes de madeira, com 1 metro de altura, revestida por vegetação adequada ao clima e de certa maneira transmitir alguma privacidade aos visitantes. Tinha quatro entradas sem portões para o seu interior, o que lhe conferia um ar de liberdade e modernismo. No seu interior reinava uma atmosfera cativante, levando a que os seus frequentadores ali procurassem entre o florido e o perfume exalado dos seus canteiros, o ideal para recostar e sonhar.
Os residentes mais próximos do jardim, procuravam a sombra das suas árvores cujas folhagens os protegiam dos raios solares, inundando de frescura os seus bancos. Por ali abancavam, para dois dedos de conversa. Também descortináveis, alguns parzinhos de namorados que em diálogos quase silenciosos procuravam idealizar o futuro, mas sem a cumplicidade dos pequenos xiricos, que esvoaçando de ramo em ramo a chilrear exibiam as suas habilidades de voo, parecendo donos do espaço. O jardim pelo agradável ambiente que proporcionava, era o destino escolhido por muitos estudantes que sozinhos ou acompanhados, punham a matéria em dia para as tarefas escolares que se avizinhavam. Havia leitores que por uma questão de hábito, dispensavam o recanto do lar e se sentavam tranquilamente nos bancos do jardim para lerem o seu livro de ocasião, e não faltava quem dissesse que deste modo a leitura faz toda a diferença. Ao fundo existia um pequeno parque infantil onde os petizes davam largas à sua imaginação, sob o olhar cuidadoso das avós, algumas complacentes no momento da retirada.
Viajando até ao Jardim D. Berta Craveiro Lopes, lembro o tempo em que um grupo de rapazolas, (incluindo-me a mim)) estudantes da Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque e alguns até colegas de turma, iniciavam a caminhada desde o Bairro da Munhuana, até ao referido estabelecimento escolar, debaixo de calor abrasador mais acentuado no período da tarde. Percorríamos a Av. J. Serrão, em passo acelerado o que não era propriamente muito agradável, tentando fazer a gestão do tempo de percurso. Chegados ao cruzamento com a Av. Augusto de Castilho, num ápice entravávamos naquele acolhedor espaço verde que tinha à entrada o bebedouro, assente numa base dupla circular onde nos aproximávamos para saciar a sede, e lavar o rosto salpicado de suor e humidade da canícula tropical.
Nada melhor e já depois em ritmo de passeio, percorrer os seus acessos interiores alcatroados, bordejados de árvores e canteiros bem cuidados, que de forma orgânica interligavam os espaços criados no jardim. Próximo do mural, o pequeno lago ornamentado de ajustadas plantas aquáticas, com a água a borbulhar em seu redor expelida de um repuxo.
No regresso das aulas, fazíamos uma nova incursão pelo jardim quase ao lusco-fusco, já com a ideia fisgada de observávamos nas traseiras as mangueiras pejadas de fruta madura que a mãe natureza produzira. Começava a nossa aventura, e com alguma perícia abananávamos os ramos de forma que aquelas preciosas mangas pintadas em tons de amarelo e vermelho, se despregassem dos galhos e caíssem suavemente na relva. Depois da degustação com os devidos cuidados, de forma a evitar alguma advertência ou uma possível concorrência, era hora do inevitável regresso a casa.
Assim foi o nosso ritual por muito tempo, e que fez do Jardim o nosso ponto de paragem obrigatório. Porém quis o destino que um dia e até ao meu regresso a este país à beira-mar plantado, que me tornasse seu vizinho. A agitação que se começava a sentir na cidade com o aproximar do dia da Independência, levou-me a residir para a zona alta da capital já próximo da Pastelaria Miraflores, de onde se podia observar o jardim em toda a sua extensão. Talvez por isso e sabendo que um pouco de mim ficou naquela zona verde, procurei com a assiduidade possível e com o tempo que dispunha, recordar momentos marcantes.
O tempo avança, não espera, não volta e fiquei com a ideia que se estava a aproximar o momento da despedida. O cacimbo já tinha coberto a cidade, quando acabei por entrar para o espaço tão familiar. Constatei que o jardim estava quase despovoado, percorrendo os trilhos antes pisados e do lago já não se ouvia o borbulhar provocado pela queda da água, quiçá por estar desligado o repuxo ou simplesmente avariado. Os xiricos saltitantes mantinham-se recolhidos, procurando passarem a noite sem sobressaltos. O bebedouro posicionava-se firme como uma sentinela vigilante, e pronto a cumprir a sua missão utilitária. Lá no fundo, as mangueiras permaneciam impávidas e serenas no seu habitat, e desta feita só a espaços o vento ameno tornejava lentamente as suas folhas verdes. Como seria de esperar, o parque infantil apresentava-se deserto. Mais uma volta e já de saída, no último banco três jovens, um deles sacando as notas musicais da viola com alguma destreza, entoavam uma melodia que por sinal me parecia melancólica.
Por instantes, fiquei com a perceção de que a alegria se ausentou e o jardim restar-lhe-ia aguardar melhores dias. Para recordar, ficou o encanto e a tranquilidade do seu espaço, onde ficaram guardados tantos segredos de jovens com uma irreverência consentânea, que souberam crescer e a aprenderem a respeitar.
- Fotos retiradas com a devida vénia dos blogs: The Delagoa Bay de ABM e The House of Maputo
Manuel Terra – Novembro de 2023
13 Comentários
Marilia Manuela Ventura Nunes Marques
Bela exposição! Recordações de brincadeiras de meninice. Saudades. Obrigada por publicar!
Augusto Martins
Muito obrigado, mais uma vez, MANUEL TERRA!
Acabei, agora mesmo, de fazer uma viagem de 53 anos e alguns milhares de quilómetros.
Foi neste maravilhoso jardim, que numa tarde de sábado, no verão de 1970, consegui ter a felicidade de filmar o 1º passo da minha primeira filha.
Foi uma inesquecível e feliz coincidência.
Um grande abraço, com votos de muita saúde, para que nos continue a brindar com recordações destas, que servem para nos dar a possibilidade de recordar momentos maravilhosos.
Emanuel Pereira
Saudades desse jardim onde jogávamos à bola de pé descalços sobre a relva quando ao fim da tarde depois da escola juntávamos para uma partida de futebol. Nunca mais esqueci que num dos jogos aí realizados , roubaram os meus sapatos que colocava na base de uma árvore. Quando fui buscá-los no fim do jogo , ja não os encontrei e fui a pé descalço para casa ali perto na rua entre a av. Pinheiro Chagas e a rua Luciano Cordeiro?! (salvo erro) em frente da escola de condução Vitor…!!? . Alguns nomes de amigos e colegas como o Cardoso do hóquei, o Couto artista do 1 selo de Moçambique , o Mendanha cujo pai trabalhava no hotel Polama , e outros amigos de juventude que já não me lembra os nomes. Belos tempos …
Angelina Antunes
Quantas vezes passei a pé nesse jardim maravilhoso. Eu vivia no prédio da casa Conceição, esquina da Av. Gomes Freire, com a Av. Augusto Castilho. Quantas saudades, que vão morrer connosco
Obrigada pela fantástica recordação
Angelina Antunes
Antonio Mendes
Bela recordações. Óptima ideia.
jose alexandre russell
com bom aspecto, inclusivamente um restaurante que antes não havia. Boas recordações.
jose alexandre russell
O Jardim da minha infância, onde tanto brinquei. Mesmo com os amigos da J.Serrão, que moravam lá perto fazíamos lá de vez em quando brincadeiras. O lago que está na foto a preto e branco, serviu muita vez para eu por lá a andar um pequeno barco de plástico com motor, que era um entretém para uma tarde. Notam-se hoje, pelas fotos, que existem algumas mudanças,
Jorge Vieira
O jardim aonde um baloiço me partiu a cabeça e onde fui parar ao lago, isto em 1968 tinha eu seis anos e há época morava com os meus pais na Luciano Cordeiro e era só atravessar a rua para o jardim 🤗
Augusto Martins
Jorge Vieira
Peço desculpa, mas há um pequeno lapso nesta sua informação.
O Jardim Berta Craveiro Lopes era na esquina da Av. Augusto Castilho com a Rua J. Serrão.
O jardim a que se refere (ele também maravilhoso e cheio de acontecimentos das nossas juventudes) julgo ser o Jardim 28 de Maio, que estava situado entre as Av. 24 de Julho e Afonso de Albuquerque e nas sua esquinas com a Av Luciano Cordeiro.
Peço-lhe desculpa, mas julgo que tinha o dever de apelar à sua memória.
Grande abraço, com o desejo de muita saúde.
José Moreira
Um belo texto, melancólico e cheio de recordações. A saudade é tramada…
José Miranda
Tem muita razão, amigo, tal é ódio desses falta de mente, mas, estão bem piores,, do que estavam connosco, de acordo.
José Martins
Todavia, os Frelos, quais caras sem vergonha, limitam-se a trocar o nome ás obras, ao invés de fazer algo de raiz!
Tristeza!
Laura Maria Saraiva Seixas
Estive a viver em Moçambique (tentei regressar às origens 😔) entre 2012 e 2018, estive primeiramente 1 ano em Tete e os outros 5 entre Namaacha, Maputo e Matola. Até aos meus 16 anos não me recordo de mudar tantas vezes de casa em LM, mesmos com as 3 vindas “de Gracisa” à Metropole. Mas nessa altura as casas estavam “habitáveis”, porque cuidadas.
Contudo estávamos quase sempre em Maputo e o ponto de encontro para o almoço era no restaurante português do Jardim – Que os Moçambicanos, que lá vão Fazer uma Sestinha à hora mais quente do dia, Ainda Chamam Jardim D. BERTA. 😉