Moçambique nos (5-3) que fizeram história no futebol português
O calendário acaba de virar de página; despedia-se a década 50 e entrava-se nos anos loucos de 60. Ainda se ouvia a guitarra que vibrava nas mãos do rei do Rock and Roll, Elvis Presley, um verdadeiro ídolo da juventude e já os Rolling Stones, encantavam as multidões. Sucedia-se de seguida a Banda dos Beatles, dos quatro jovens da cidade portuária de Liverpool, a provocarem uma verdadeira onda de histeria juntos dos seus fans.
Os jovens eram seduzidos pelo movimento hippie, que grassava a partir dos Estados Unidos da América.
URSS e os EUA, envolviam-se na Guerra Fria
e disputavam a conquista do espaço.
Na França, eclodia o movimento de Maio de 68.
Também a afirmação da África negra, com dezasseis colónias a assumirem a sua independência.
Em Portugal, estalava a guerra colonial na Guiné, Angola e Moçambique, com o regime de Salazar a enfrentar as hostilidades na ONU. Do minúsculo jardim à beira plantado, pouco se falava para além de Fátima, da saudosa e enorme Amália Rodrigues e dos títulos de hóquei em patins, que Portugal começava a chamar a si, com o papel preponderante dos hoquistas moçambicanos.
Portugal estava cada vez mais isolado e desertificado, com a partida maciça de jovens que clandestinamente partiam para os quatro cantos do globo, à procura de um futuro risonho e, dos mancebos que eram incorporados e enviados para os cenários de guerra em pleno mato africano.
O futebol português, apesar da conquista da Taça Latina, por parte do Benfica, no início da década 50, só iria “explodir” à entrada na gloriosa década 60, rompendo a obscuridade e causando grande surpresa no Velho Continente. Mas para isso muito contribuiu a vinda ainda na década antecedente, de grandes futebolistas moçambicanos, tais como; Juca. Mário Wilson, Coluna, Vicente, Matateu, Nicolau, José Pérides, Costa Pereira, Octávio Sá, Acúrsio Carrelo, Perdigão, Calado e Hilário. Transportavam consigo na bagagem, o perfume do futebol africano.
O SL e Benfica, em duas edições consecutivas da Taça dos Campeões Europeias, daria o mote; o Sporting Clube de Portugal, prolongá-lo-ia e, depois a famosa formação dos “Magriços” faria o resto. Otto Glória, treinador de futebol com uma visão alargada, retirou alguns laivos do amadorismo que estavam instalados no futebol português e mudou a metodologia da preparação das equipas para a alta competição. A 16 de dezembro de 1960, Eusébio chega a Portugal, mas o diferendo que se instalou entre os dois grandes clubes da capital, impossibilitou-o de estar presente em Berna, onde o SL e Benfica, conquistou a Iª Taça dos Campeões Europeus, batendo o Barcelona, por (3-2) e se Costa Pereira brilhou entre os postes e foi Coluna, que com um pontapé de canhão, fez toda a diferença.
A 2 de maio de 1962, em Amesterdão, o SL e Benfica, consagrava-se Bicampeão europeu frente ao poderoso Real Madrid, num desafio empolgante que contou com a classe dos moçambicanos, Costa Pereira, Coluna e Eusébio. Recordo com muita saudade essa memorável noite; O meu saudoso pai estava já na sala de jantar, junto ao móvel que servia de suporte ao antigo rádio Telefunken, elétrico e que só funcionava uns minutos depois, após o aquecimento das válvulas. Com os meus nove anitos era já um fervoroso adepto do Benfica e, como tal não estava em mim sem escutar o relato do jogo. Embora fosse já hora de recolher ao leito, pedi-lhe a especial permissão de estar junto dele e viver as emoções da grande final. Esperamos ansiosamente a ligação à Emissora Nacional, e pouco depois escutávamos as primeiras palavras do grande senhor da rádio, Artur Agostinho, diretamente do país das tulipas. Foi um jogo de emoções, impróprio para cardíacos em que o Benfica, recolheu ao balneários a perder por(3-2) e sempre a correr atrás do prejuízo. Veio a segunda parte, e a cambalhota com Coluna a empatar e Eusébio, a bisar colocando a marca final em (5-3) e o caneco a viajar para Lisboa.
Vim para a varanda para assistir ao que se estava a passar nas ruas de Lourenço Marques. Uma vitória memorável que encheu o Rossio e foi festejada efusivamente em todo o espaço português.
Finalmente, o Campeonato Mundial de Futebol, disputado em Inglaterra, em 1966.
A seleção portuguesa, com Vicente, Hilário, Coluna e Eusébio, começou a sua participação com um nível de jogo referenciado, a desenvasilhar-se dos seus opositores, com ênfase para a eliminação da congénere do Brasil. Nos quartos-de-final, coube-nos pela frente a desconhecida seleção da Coreia do Norte, que já havia despachado os transalpinos. Com um rádio transístor colado ao ouvido, fui escutando as vicissitudes do que estava a acontecer em campo, sendo que Portugal, já perdia por três bolas sem resposta, aos 25 minutos. No rosto de todos a desolação e algo incrédulos, com o que se estava a passar em Liverpool. Eis que apareceu o rei Eusébio, como que saído de uma tarde de nevoeiro, a carregar o seu exército sobre último reduto daqueles rapazes de olhos rasgados. Até ao intervalo, Eusébio fez dois golos e renasceu a esperança dos portugueses. No reinício, Eusébio, continuou irresistível e demolidor, levando a seleção das quinas ao êxito final, com uma vitória convincente por (5-3), como diz o povo, foi a conta que Deus fez. Eusébio, assinalou um póquer que ficou para a história.
Ainda hoje penso naquela manifestação do povo, em Lourenço Marques, em que uma multidão em êxtase, convergiu a pé ou em cortejo automóvel para o mítico Bairro da Mafalala, dando vivas à sua alegria incontida. D. Elisa, sua mãe estava impávida com uma manifestação tão rejubilante e certamente se terá lembrado daquela noite do verão de 1942, em que o luar africano abençoou, o nascimento de uma estrela na terra.
Eusébio, mudou o mapa de Portugal, alargando-o a outros horizontes, tornando o povo menos triste e com o orgulho de não estarmos tão sós. E foi com esses dois resultados históricos, de triunfos por (5-3), que Moçambique que tais filhos deu, ajudou a expandir o futebol português.
3 Comentários
jp mesquita
espetacular , benfica /real, foto da seleção de 1966
Manuel da Silva
Ao caríssimo amigo Manuel Terra, antigo redator desportivo do Diário de Lourenço Marques e Século de Johannesburg, actual colaborador do BigSlam, muitos parabéns pela amplitude do seu trabalho que abrange a época inesquecível que nos fez muito felizes e tornaram-nos únicos, ambiciosos e sonhadores.
Naquela altura até diziamos que «Moçambique só é Moçambique, porque é Portugal».
Que orgulho em ser português e anti-racista! Eu estou convencido que sempre fomos!
Abdul
Foi muita emoção inesquecível