Museu Álvaro de Castro: Um tesouro de África
Lourenço Marques, para além da sua bela e crescente malha citadina que não nos cansamos de realçar, incorporava estruturas históricas e culturais de grande relevo que desempenhavam, salvando-se ainda hoje algumas que estão bem conservadas e abertas à comunidade e turismo, um papel crucial na projeção do território, símbolos da História de Moçambique, que funcionam como “cartão-de-visita” despertando curiosidade e interesse a quem as visita. No ponto mais elevado das escarpas de terra vermelha da Barreira da Maxaquene, e já em cima da zona designada por Ponta Vermelha, num espaço de excelência onde ao longe o céu se parecia fundir com as águas da Baía, o Gabinete Técnico da Câmara Municipal de Lourenço Marques, elaborou o projeto de um belo edifício totalmente branco em cimento armado, envolto por um muro da mesma tonalidade de feitura rendilhada e ao centro um portão de entrada, arquitetura que reflete o mais puro estilo neomanuelino e único no contexto africano.
A sua conceção realçava a construção de uma estrutura de dois andares, com duas alas em V e um pátio de recreios. Ao que foi dado a saber, as instalações destinavam-se a um estabelecimento escolar, todavia por razões que ainda hoje desconheço a instituição de ensino nunca chegou a funcionar, depois da sua conclusão em 1911. Somente em 1932, foi inaugurado com o nome de Museu Álvaro de Castro, que tinha no exterior e próximo da entrada principal o busto em bronze do seu padroeiro, um controverso major de Infantaria e acérrimo político republicano que exerceu funções de Governador-geral de Moçambique (entre 1915 e 1918) mas a quem se deve as primeiras recolhas de material.
Para o moderno monumento, foi transferido o espólio conservado na fase inicial nas dependências da Escola 5 de Outubro, e posteriormente deslocado para o Museu Provincial, criado em 1914 após a compra da Vila Joia, uma mansão adquirida pelo Governo da Província, ao Cônsul da Holanda e reputado homem de negócios de seu nome Gerald Pott, que se situava na vizinhança do Jardim Botânico Vasco da Gama.

O Museu Álvaro de Castro, em Maputo, foi originalmente concebido para ser uma escola primária — um tema muito caro aos maçons, para quem a educação era uma virtude essencial e uma prioridade da Primeira República, empenhada em retirar a influência da Igreja Católica do ensino público. Álvaro de Castro, que foi Governador-Geral durante a Primeira República, era, além de um republicano convicto — por vezes até exagerado —, também membro da maçonaria. No entanto, o edifício ficou tão bonito que acabou por acolher o então Museu Provincial, que durante vinte anos estivera alojado na Casa Joia, construída por Gerard Pott num terreno adjacente ao Jardim Vasco da Gama. Assim, o museu foi transferido para este novo edifício e recebeu o nome de Álvaro de Castro.
Rapidamente, o Museu Álvaro de Castro, foi-se tornando uma atração turística de destaque na cidade e ainda centro científico muito importante na África Austral. No seu interior era possível observar um autêntico reino animal, com natural destaque para a savana africana. No centro, um grupo de leões em luta com um búfalo, sucedendo-se mais cenas envolvendo, leopardos, babuínos, rinocerontes e uma variedade de antílopes, que ganharam expressão pelo saber de taxidermistas exímios na arte de embalsamar.
No andar cimeiro ficava a zona dedicada à fauna aquática, observando-se o tubarão de sete guelras que predominava em águas profundas, garoupas, bogas, barracudas, peixe-serra e uma pluralidade de pinturas nas paredes de várias correntes marítimas que escorriam pelo Oceano Índico.

Um exemplar de celacanto, um animal que se acreditava extinto, mas foi redescoberto no litoral da África do Sul em 1938. Este peixe primitivo é considerado um ‘fóssil vivo’ devido à sua aparência praticamente inalterada desde a era dos dinossauros
Existiam 150 exemplares de répteis e uma excelente coleção de invertebrados.
Dispunha ainda de uma secção botânica, que contava com um herbário de 1280 plantas e 150 frascos com sementes de fibras vegetais.
No círculo da mineralogia, o museu dispunha de 500 exemplares de minerais, rochas e fósseis.
Possuía ainda uma importante secção etnográfica que referenciava quase um milhar de objetos de nativos daquela terra, e bustos representantes das tribos moçambicanas.
De entre os exemplares expostos, merecia especial atenção uma coleção de fetos de elefantes, única no género onde são visíveis os níveis de gestação desde o período de um mês até aos vinte e dois meses, muito apreciada pelos visitantes, e investigadores conceituados demonstraram interesse vincado pelo estudo da referida coleção.

Diferentes fases da evolução do feto do elefante – Foto de Silva Rocha
O museu foi sofrendo ao longo do tempo vários melhoramentos e já no decorrer da década 60, graças à intervenção do distinto arquiteto João José Tinoco, a área mais nobre sofreu uma intervenção relacionado com o melhor aproveitamento da iluminação natural, operando trabalhos no teto e janelas mais amplas permitindo desta forma que os raios solares criem uma atmosfera resplandecente, que permita aos visitantes apreciarem as exposições num ambiente mais agradável do espaço e sem desbotamento de cores ou deterioração dos materiais.
Recordo, hoje a minha primeira visita ao museu na companhia dos meus estimados pais, e petiz tenho de reconhecer que todo aqueles cenários que ilustravam ambientes imitando na perfeição o habitat normal da vida selvagem, me provocaram um susto de arrepiar que só esmoreceu ao transpor o portão. Mais tarde já como aluno do Liceu Salazar, mesmo defronte do museu, e com uma postura mais atrevida atentamente observei aquela selva concebida pela mão do homem, uma representação muito abrangente e que nos dava a perceber a biodiversidade da savana africana.

A Polana, início da década de 1970: 1- Hotel Cardoso; 2- Instituto de Investigação, na Rua dos Aviadores; 3- Rua dos Aviadores (hoje Rua da Argélia), ; 4- Museu Álvaro de Castro; 5- Casa Salm; 6- A Baixa da Cidade; 7- Liceu Salazar; 8- Terreno sem nada; 9- Escola Comercial, novos edifícios.
Fico feliz por saber que o outrora Museu Álvaro de Castro, que após a Independência de Moçambique, se passou a chamar Museu Nacional da História,
continua firme quanto antes testemunhando o passado, mantendo o seu estatuto e visibilidade internacional sublinhada pelos milhares de turistas de todo mundo que ali procuram aprofundar os seus conhecimentos e outros aspetos da cultura do País.
- Hoje celebramos o 112.º aniversário do Museu de História Natural, uma instituição que, desde a sua fundação, tem desempenhado um papel essencial na preservação, estudo e divulgação da nossa herança natural. Um legado que continua a enriquecer o conhecimento e a inspirar gerações. Parabéns a todos os que contribuíram para escrever esta história!
Fotos e legendas retiradas com a devida vénia dos blogues: The Delagoa Bay e House of Maputo, a quem o BigSlam agradece!
Manuel Terra – Junho de 2025
5 Comentários
Dulce Gouveia
Parabéns pelo artigo!
Adorava aquêle museu, único no género e , passados tantos anos, ainda me recordo do que mais me impressionou : as cenas tão ” reais ” dos ataques dos leões aos búfalos, a colecção de fectos de elefantes, uma gibóia enorme que ocupava o comprimento duma das salas e as aberrações genéticas, como um cabrito com 2 cabeças, uma galinha com 4 patas, etc.
Ainda bem que continuam a preservar este rico espólio!
Maria João Necho Aguiar
LIndas Fotos!Optima reportagem!Obrigado
Luis Russell Vieira
Saudações, grande Manuel ‘Bula Bula’ Terra!
Eu também fui a este museu com a minha Granny Elsie. Lembro-me de ter ficado muito impressionado e de fazer comparações com o que via no jardim zoológico, do qual era frequentador assíduo enquanto morei no Bairro do Jardim.
Medo a sério tinha do Pai Natal do John Orr…
Grande abraço a todo(a)s – Kanimambo!
Samuel Carvalho
Parabéns, Manuel Terra! O teu artigo é um verdadeiro tributo ao nosso património cultural. Conseguiu transmitir, de forma clara e envolvente, a importância histórica e científica deste museu para Moçambique. Excelente trabalho, digno de aplausos!
BigSlam
Museu Álvaro de Castro (atual Museu de História Natural) celebra hoje 112 anos de dedicação à biodiversidade e ao património moçambicano. Recordam-se dele? Deixa aqui no BigSlam o teu testemunho!