O Bairro histórico de S. José
Voltando à bela cidade de Lourenço Marques, que cresceu de forma ordenada, e com mestria soube vencer a terra insalubre e infeta, antes de se transformar numa grande urbe moderna e futurista, cabe-me realçar com toda a justiça o labor e saber de velhos pioneiros que nos melhores anos das suas vidas e tantas vezes em condições adversas, transformaram espaços que outros, os novos vieram a colher os frutos de gerações pretéritas que lançaram sementes à terra, a quem juraram amor.
Recuemos até ao século XIX, quando chegou a Moçambique em 1892, D. António Barroso, eleito Bispo titular de Himéria, que de norte a sul do território fundou várias missões católicas, desenvolvendo notável ação missionária no plano do ensino e saúde, de forma a proporcionar a permanência mais estável das populações locais. A terras de Maxanguene, depois Changuene e posteriormente Lhanguene, povoadas de imensa vegetação tropical e palhotas, chegaram um grupo de missionários da Ordem de S. José, acompanhados de operários portugueses que ali montaram um acampamento. Deitaram mãos à obra, e foram construindo um humilde alojamento, ex-áqueo com um pequeno templo para o culto religioso. De referir que nem sempre foram pacíficas as relações com as populações rurais, de tal modo que a minúscula capela erguida acabou vandalizada e inoperante.
Em 1893, a Ordem mandou construir quiçá a primeira escola primária do território, que foi assinalada com o nome da Rainha Santa Isabel, destinada primeiro aos alunos do sexo masculino e só três anos depois, foram aceites matrículas para as meninas. No virar de século, começou a ser construída uma capela que contou com o apoio da Irmandade da Ordem de S. José, a que se juntaram alguns habitantes das redondezas que para aquele espaço começavam a convergir. Decidiu-se na circunstância, que S. José seria o Santo Padroeiro do Bairro, que começava a ganhar alguma visibilidade. Muito provavelmente, pela implementação da República na Metrópole, a escola foi sofrendo obras de ampliação e a partir de 1911, passou a ostentar como título, Escola Primária de S. José, em detrimento da Rainha Santa Isabel.
Entretanto, a capela já em fase de conclusão, teve como o primeiro pároco desta Missão, o padre Augusto Soares Pinheiro, acompanhado do vigário paroquial, o Padre José da Cruz. A capela erguida foi dedicada a S. Francisco Xavier, reconhecendo-se à figura do Padre António Dias Simões, o grande dinamizador da obra, ao conseguir recolher junto de círculos próximos de si, importantes apoios financeiros.
A verdade é que a Missão de S. José de Lhanguene, continuava em grande expansão. A nível do ensino, foram sendo introduzidas outras vertentes, onde os formandos do sexo masculino iam aprendendo as artes mais exigíveis, e as raparigas mais viradas para áreas da saúde e costura, em novas instalações que foram edificadas.
Na prestação de cuidados de saúde, a Ordem construiu o Hospital de S. José de Lhanguene, que viria ser ampliado em 1940 e em 1950, sofrendo ainda melhoramentos nos anos seguintes. No decorrer da década 60, foi construído um novo e moderno complexo hospitalar, que deverá ter sido construído com dinheiros públicos.
Na década 30, do século passado , o Bairro de S. José era já um considerável povoado, orgulhoso das suas raízes e ambicionando uma igreja com um estilo arquitetónico arrojado, os seus mentores optaram por um templo constituído por três naves, com uma grande entrada em arco compreendendo uma superfície de 50×19 metros, retratada com detalhes de neogótico, substituindo a velha capela erguida em 1900.
Finalmente em 1935, a obra com que todos sonharam era inaugurada solenemente, em clima de grande festa em que se envolveram muitos populares laurentinos, que não perderam a ocasião de manifestarem o seu agrado. Efetivamente, a construção da igreja refletia de forma bastante visível o crescimento e o desenvolvimento do Bairro e consequentemente o da própria cidade.
Creio, que a partir de 1956, a Missão de S. José de Lhanguene, passou a ser dirigida pelos Salesianos de Dom Bosco,
que continuaram a manter a tradição do ensino, saúde, formação profissional e prática desportiva. Recordo, o Bairro de S. José, dormitório de gente trabalhadora e de grande caracter, ladeado pela Av. o Trabalho e pela Estrada de S. José de Lhanguene,
onde se situavam as modernas instalações do Colégio Dom Bosco, com distinta qualidade de ensino e também dedicando uma especial atenção ao desporto, sublinhado por um funcional complexo desportivo, local de treinos e jogos da sua jovem promissora equipa de hóquei em patins, que participava no campeonato distrital da modalidade.
Por lá passei muitas vezes visitando colegas de escola e mais tarde de trabalho. Lembro-me do velhinho campo de futebol contiguo à Igreja, vedado com caibros e de terra batida, onde atuava a popular equipa do S. José, a militar no campeonato distrital da Segunda Divisão.
Sou conhecedor que atualmente os Salesianos, continuam com a responsabilidade dos internatos para alunos do sexo masculino, e da mesma forma as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras, dirigem as instalações para o sexo feminino. Olhando para o passado, vejo quanto importante foi a dinâmica do Bispo António Barroso, que incutiu aos seus seguidores a mensagem de apoiar os mais necessitados e formar uma sociedade sã, e que ainda hoje os antigos alunos daquela respeitosa e velhinha instituição, recordam com muita saudade.
O tempo passa, mas a torre da sua igreja continua bela quanto antes e a ser um marco histórico do bairro que contempla.
Manuel Terra – Maio de 2023
9 Comentários
Maria Beatriz Pires
Recordo com saudade, nostalgia e muita Gratidao 🙏…
O lugar onde morei, a escola que frequentei na primária com as irmazinhas, a comunhão solene que recebi nessa igreja vestida com os trajes das irmazinhas…
Enfim, foi o berço que Deus me proporcionou e fez de mim a pessoa que hoje sou…
Grata pela tão nobre publicação, bem hajam.
Gratidao 🙏
Tomane Nunes Gaspar
Vivi neste bairro dos 6 aos 10 anos de idade (1974). Escola primária. Como colegas o Marito China , por exemplo. Mas, a longa história educativa dos Salesianos e Irmãs Franciscanas foram -me muito úteis na vida futura . Fiquei sem apêndice no Hospital S José aos 8 anos . De urgência! Obrigado pelo texto !
Carlos Gonçalves
Nasci na MSJ, morei na Rua de S. José n*4, frequentei a escola da MSJOSE e de seguida o Colégio D.Bosco afé 1975. Assim foram os meus primeiros 13 anos de vida.
Nelson Cardoso
Parabéns! Encantado e sem palavras …
Arnaldo Ferreira (Sacras)
Coisas inesquecíveis do Moçambique de antigamente. Lindo demais! Saudades. Kanimambo !
Isabel
O Bairro que me viu crescer.
Mais tarde, no Hospital de S. José, onde dei à luz.
Lembranças inesquecíveis.
ABM
Muito bom estudo.
ABM
Muito bom.
Luis 'Manduca' Russell
Vim a este mundo na Missão de S. José. Estudei no Colégio D. Bosco, onde aprendi a patinar, tendo feito parte da equipa de infantis de hóquei em patins. Grande kanimambo ao Manuel Terra por mais esta pérola.