Parque Silva Pereira – Entre o ensino e o lazer…
Reportamo-nos a história ao longo dos tempos, da especial importância dos espaços verdes e o papel por eles desempenhado nas cidades, constituindo um património que reflete o sentimento cívico expresso às populações, favorecendo a convivência social e o bem-estar das mesmas. A cidade de Lourenço Marques, não fugiu à regra e na sua fase de expansão urbana rumando às terras altas do planalto, foi vencendo a topografia acidentada do pântano enxugado com a plantação da visível mancha eucaliptal, e a implantar com muito arrojo a panorâmica zona da Ponta Vermelha. Na periferia viria a situar-se o Parque Silva Pereira, ao que penso saber em homenagem a um conhecido empresário e filantropo, e também um sportinguista de quatro costados.
Este espaço verde poderia ter pertencido a terrenos da empresa da Eastern Telegraph Company , instalada num belo edifício e funcional desde 1880, operadora de telegrafia que à data permitia comunicar por telégrafo a partir de Lourenço Marques para a Beira, Ilha de Moçambique, Inhambane, Durban, Johannesburgo, Cabo, Aden, Londres e com sinal de receção em Lisboa. O sistema assentava no cabo submarino, colocado no estuário da Baía do Espírito Santo e que interligava ao largo do mar entre Durban e Aden.
Muito provavelmente com o rompimento da artéria traçada e a acompanhar toda a linha superior da Barreira da Maxaquene, a que se deu o nome de Av. Miguel Bombarda, mais tarde alterada para Av. Brito Camacho, a mesma terá dividido a vasta área ajardinada da então Eastern Telegraph Company, cujas instalações viriam a ser demolidas para a construção do Liceu Salazar (ala masculina) e do Liceu D. Ana da Costa Portuga l (ala feminina) quiçá o maior empreendimento do parque escolar do espaço português á época.
Branco: perímetro da concessão de terrenos da Eastern Telegraph (E.T.)
Vermelho: terreno da estação da E.T. com edifício principal ao centro
Roxo: Av. Brito Camacho (atual Av. Lumumba) e continuação para a PV
Verde escuro: Av. 24 de Julho, antiga Francisco Costa
Verde claro: Rua do Telégrafo (atual Av. Nduda)
Carmesim: antiga Pinheiro Chagas (atual Mondlane)
Laranja: antiga Av. António Enes (atual Julius Nyerere)
Laranja claro (canto inferior esquerdo): passagem do cabo desde a barreira
Num projeto a cargo do Gabinete Técnico de Urbanização da Câmara Municipal de Lourenço Marques, foi tracejada a planta para o Parque Silva Pereira, aproveitando o espaço verdejante e arborizado sobejante dos trabalhos da via viária estabelecida, concebendo uma refinada estética ao local. Foram criados e também aproveitados inebriantes canteiros floridos cheios de cores e cheiros, e plantadas árvores cujas copas avantajadas espelhavam a espessa folhagem que transmitia a sombra desejada em todos os recantos. Não faltavam naquela zona verde os preciosos bancos de madeira, que convidavam ao descanso e à meditação, mas também para ler ou estudar, conversar em grupo ou comer uma sanduíche para serenar o estômago.
Pelos seus trilhos asfaltados caminhava-se livremente e escutava-se o cantar das aves a expressarem a sua ligação com a natureza. Na convergência de todos os caminhos, surgia o inevitável e belo miradouro, com as suas colunas e traves abraçadas por afetuosas trepadeiras. Do seu pequeno muro, podia observar-se em toda a plenitude a densa vegetação da barreira, a marginal com a sua fonte luminosa, e a vista panorâmica do estuário da Baia Espírito Santo, até se perder na linha do horizonte. Infelizmente, o Miradouro acabou por colapsar aquando da passagem por Moçambique, da depressão tropical Claude em Janeiro de 1966 fustigando impiedosamente a cidade e arredores, causando inundações e desmoronamento de terras.
Lembro-me que ali bem próximo, o Hotel Cardoso teve que ser evacuado devido às suas fundações correrem o perigo de queda iminente.
Infelizmente, não foi possível recuperar o miradouro uma vez que foi necessário retificar a inclinação da arriba para melhor sustentação do terreno, perdendo o parque uma parte significativa da sua área.
Recordo o Parque Silva Pereira, aquele esplêndido lugar de repouso e de recreio que ganhou maior visibilidade pela afluência da comunidade estudantil, contribuindo para identidade marcante desse espaço prazeroso. Lembro-me bem que quando rapazito que contava a primeira dezena de anos, entrei para o Liceu Salazar e nos percursos entre ida e volta, aguardava o machimbombo da linha 19 na paragem junto ao parque.
Restava sempre algum tempo para desenfreadas correrias ou brincadeiras, ao ritmo da irreverência própria da idade. Os mais velhos já a caminho de uma adolescência descortinável, no final do período de aulas e fazendo parte de uma geração romântica em que a primeira namorada teria de ser para casar, tiveram ali a sua primeira paixão. Viam–se a caminhar de mãos dadas pelos passeios, ou sentados nos bancos do espaço verde a gerirem os seus sentimentos. Na verdade, eram aos pares os estudantes que por ali circulavam. Certamente, muitos foram os que se casaram e que guardarão lembranças fantásticas daquele lugar pela vida fora.
Aos sábados, decorriam no parque as atividades da Mocidade Portuguesa, integrada como disciplina obrigatória regida de inexorável pontualidade e sinalizada pelo toque da ruidosa campainha que se fazia ouvir no átrio do estabelecimento escolar. Passávamos a manhã inteira encafuados no fardamento de camisa verde e calções de caqui, bivaque na cabeça, marchando e fazendo exercícios físicos, movimentos seguidos com natural interesse pelas moças que se posicionavam nos varandins do Liceu D. Ana da Costa Portugal.
O destroçar era sempre o movimento mais desejado, para libertarmos a adrenalina e rumar a casa. O Parque Silva Pereira, fazia também parte do itinerário dos muitos turistas que após as visitas programadas ao Museu Dr. Álvaro de Castro, um tesouro de África e dos melhores do globo e dada a vizinhança com aquela pequena área de beleza natural, para lá se encaminhavam e de máquina fotográfica em punho, colhiam instantâneos para mais tarde recordarem.
Ainda hoje penso que a harmonia entre os liceus e o parque, vinculavam uma ligação sadia entre o campo da educação e o círculo de lazer, pelo carater educativo das suas vivências, expressa no modo como nos educaram, nos divertiram e nos desenvolveram. Curiosamente, o outrora Parque da Silva Pereira, deu posteriormente lugar ao atual Jardim dos Professores, porventura uma forma de distinguir todos os que desempenham a nobre missão de ensinar.
O Parque da Silva Pereira, é já um marco ufanista do meu passado e que me traz memórias de um tempo que já não volta, mas que me concede o privilégio de o poder evocar e escutar a sua ressonância.
- Algumas fotos foram retiradas com a devida vénia dos blogs: The Delagoa Bay e House of Maputo a quem o BigSlam agradece!
Manuel Terra – Maio de 2024
10 Comentários
Nelson Barata
Locais e estabelecimentos de ensino, saudosamente, irrepetíveis. Belas descrições da LM de antanho.
A acrescentar penso que a Rua do Telégrafo que o nosso cronista assinalou, antes de ser Av. Nduda, chamava-se Rua General Botha, começava na Rua de Nevala, perto da Escola Primária Moreira de Almeida, onde fiz a 2ª, 3ª e 4ª classes, passava lateral ao Hospital MB, atravessava a Av PChagas passava entre a escola Rebelo da Silva e a lateral dos Maristas, pela lateral da Cristal já na 24 de Julho, e do Liceu Dª Ana, antes de findar na Av. Brito Camacho, salvo erro ou melhor opinião.
Saúde
João Coelho
Sou da Beira mas conheci bem esse parque. Conheci Lourenço Marques em 1968 quando fui cumprir o serviço militar. Já em 1975, morei na casa da esquina em frente ao Museu Dr. Álvaro de Castro durante um ano, de Setembro de 1975 a Setembro de 1976. Estava na altura a fazer um curso pelos CFM. Levei vezes sem conta os meus dois filhos mais velhos, com 3 e 2 anos a esse parque.
Uma boa recordação.
Obrigado pelo belo trabalho Manuel Terra.
Maria João Necho M .de Aguiar
Andei no liceu D,Ana da Costa Portugal e depois no liceu Salazar no 6º e 7º ano com era habitual.
Morava na Polana na AV.24 de julho entre a pastelaria cristal e o piripiri.
Saudades destes tempos todos temos e do BOM tempo o ano inteiro.
QUem podia esquecer?
Luis 'Manduca' Russell
Eu comecei a frequentar o Liceu Salazar/Josina Machel e este lindo parque em 1977, quando tinha 12 anos, mas depois vieram umas pessoas que nos obrigaram a ir embora… sempre a mesma história triste… Agora uma certeza eu tenho: o Manuel Terra continua em grande forma! Kanimambo!
Berta Mota
Andei no Liceu Salazar em 1958, morando na altura na Rua da Alegria, na Malhangalene. Belo e moderno Liceu. Ao lado o Museu Álvaro de Castro. Tenho hoje 83 anos e lembro-me perfeitamente desse tempo, e das matinés ao fim de semana.
BigSlam
Quem se recorda deste Parque em frente ao Liceu Salazar em L. Marques?
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Elaine Vilaca Tomas
Recordo me com muitas saudades. Andei na Escola Comercial e tinha de ir para o parque apanhar o ‘machibombo’ dos estudantes para a Matola. Obrigado pelas recordacoes.
Carlos Hidalgo Pinto
Penso que a rapariga chamada Elaine, era colega de um primo meu (Luís Trigo Morais),que ainda reside na ex-L.M., agora Maputo. Mas que bela face tinha.
Zé Tó Oliveira
Obrigado por me avivar a memória, lembro-me de me sentar naquele muro baixo em frente ao Liceu, jogávamos xadrez e começámos a fumar os primeiros cigarros, com o meu amigo Paulo Prudêncio creio que ainda andava na General Machado mas sonhando com o Liceu. Abraço.
jorge de matos gomes
Sim lembro-me do “jardim” em frente, assim conhecido no tempo em que frequentei o Liceu, tenho boas recordações do lugar e dos arredores. Contudo, existe outra razão pela qual escrevo.
Apesar da declaração no final do artigo:
“Algumas fotos foram retiradas com a devida vénia dos blogs: The Delagoa Bay e Houses of Maputo a quem o BigSlam agradece”. Tal não é o caso da imagem com a legenda:
“Parque Silva Pereira em frente ao Liceu Salazar em 1952”.
Conheço esta foto ainda melhor que o lugar, isto porque a “editei” quase centímetro a centímetro e a proveniência da imagem não é, de modo algum, de nenhum dos blogs mencionados. Não tenho nem reivindico qualquer direito sobre a imagem e todos os direitos da fotografia expiraram há muito tempo. Se alguém a utiliza em vez de outra igual de qualidade inferior é, de alguma forma, um reconhecimento, não me sinto indignado apesar das margens desta imagem terem sido adulteradas para ocultar a sua proveniência. Considero a partilha de imagens como uma parte indispensável na criação dum blog deste tema e por isso, não configurei o meu blog duma forma em que o clique do botão direito do rato está desactivado e guardar imagens não é executável, o que não é o caso deste blog.
Lamento que a integridade da declaração no final do artigo não seja suficientemente imparcial para mencionar uma fonte menos conhecida.
jorge de matos gomes