Velez Grilo – Entre a medicina e a política
Amiúdas vezes acabo por não resistir à ideia de abrir as janelas do tempo, e espraiar o olhar sobre a deslumbrante cidade que se chamou Lourenço Marques até a um ciclo da sua história, orgulho de quem lá nasceu ou um dia lá viveu. Deixou-nos testemunhos que nos arvoram tantas recordações, e daí a disposição afetiva como a evocamos de forma destacada. A verdade é que para além do seu traçado invejável e a beleza com que a natureza a dotou, todo o seu progresso enquadrava a dinâmica e a coragem dos seus habitantes, que dia após dia iam ajudando a crescer uma das mais belas cidades do continente africano. Neste contexto, está de forma explícita e bem descrita, toda a evolução da cidade desde os seus primórdios, pela escrita de Alfredo Pereira de Lima, no precioso livro Moçambique & Ultramar – “PEDRAS QUE JÁ NÃO FALAM” e de facto por trás do cimento e asfalto, estão figuras ilustres que deram o seu contributo para uma cidade mais viva e participada.
Acontece porém que algumas distintas personagens não são tão badaladas quanto outras, o que não equivale dizer que foram menos importantes na sua época. Falo-vos de Vítor Hugo Velez Grilo, nascido no Ervedal, concelho de Avis, em 22 de Abril de 1905, que veio para Lisboa estudar medicina, matriculando-se na Faculdade Académica em 23 de Dezembro de 1926. Revelando-se desde logo um excelente aluno e um líder, presidiu à Federação Académica de Lisboa, no ano letivo de 1928/1929. Participou em 25 de Abril de 1931, na Assembleia Geral dos estudantes de medicina onde se declarou o apoio à revolta das ilhas desencadeada na Madeira, onde se gritou contra a Ditadura e no confronto com a polícia vários estudantes foram detidos.
No dia 11 de Janeiro de 1930, iniciou-se na Maçonaria, concretamente na loja Rebeldia, ano em que ingressa no PCP e passando de seguida a integrar o Comité Regional de Lisboa. Liderou desde então os trabalhos de agitação, propaganda e organização do meio académico, na região sul do Tejo. A par desta atividade, distribuía literatura partidária clandestina no Barreiro, cidade onde residia, centrando a intervenção no operariado dos Caminhos-de-ferro e das fábricas da Companhia União Fabril.
No primeiro dia do mês de Janeiro de 1932, foi ordenada a sua captura, tendo sido enviada a sua fotografia à Delegação do Porto e postos policiais, classificado como desertor ao não comparecer no Regimento de Infantaria em Mafra, a fim de frequentar a Escola de Oficiais Milicianos. Chegou a estar escondido com o ativista Álvaro da Fonseca, num quarto da Av. da República. A polícia política acabou por o deter, sendo encaminhado posteriormente para o Aljube.
Conseguiu uma autorização para a conclusão do exame de curso e a 21 de Novembro de 1933, obteve nota positiva. Regressou novamente à prisão, sendo libertado a 14 de Abril de 1934. Retomou a militância ativa e era o responsável pela ligação entre o PCP e a FJCP, levando a que retomasse para o Aljube, de onde sairia quase um ano depois. Tornou-se médico no Lavradio, e a ganhar espaço no partindo foi ganhando protagonismo e no período de 1944/45, apresentou-se como Secretário-Geral, liderando um grupo que durante alguns anos, coexistiu contra os reorganizadores que procuravam afastá-lo, e aos seus seguidores.
Velez Grilo, opunha-se às greves realizadas em Lisboa e na Margem Sul nesse período, aproximando-se das posições dos Aliados americanos e ingleses. Voltou a ser detido e levado novamente para o Aljube, mas escassos dias depois foi libertado. Participou a 8 de Outubro de 1945, na sessão fundadora do Movimento de Unidade Democrática.
Tendo consciência de que continuava a ser seguido de perto pela PIDE, partiu no final da década 50, do século passado para Moçambique, e no ano seguinte tentou criar uma célula do PCP. Com esse propósito conseguiu com uma “carta de chamada” fazer viajar para Lourenço Marques, um seu conhecido ativista de seu nome Cansado Gonçalves, licenciado em Histórico-Filosóficas, professor de reconhecido mérito que muito de nós conhecemos a lecionar no Liceu Salazar.
Uns tempos depois, Cansado Gonçalves, incompatibilizou-se com Velez Grilo não aceitando as posições que o mesmo desejava tomar. Acabei pessoalmente por conhecer Velez Grilo, colocado como chefe da equipa clinica que prestava assistência médica aos funcionários municipais e seus familiares, cujo edifício se situava na Av. Brito Camacho, muito próximo do Hotel Aviz. Lembro-me bem da sua figura, encaixada num homem de olhar firme, tenaz e inquieto, reflexos quiçá da sua atividade politica. Apesar do avançar da idade, Velez Grilo conservou sempre dentro de si a irreverência e foram vários os episódios que marcaram uma relação tensa com Humberto das Neves, então presidente da Câmara Municipal, órgão que tutelava os serviços clínicos.
Na sua vida social, Velez Grilo, era um frequentador assíduo da Pastelaria Princesa,
e na esplanada rodeavam-no à mesa habituais convivas, sendo que as cavaqueiras se tornavam acaloradas quando alguém lhe beliscava a veia. Num ápice elevava o seu tom de voz e erguendo o dedo, ripostava às indiretas que lhe eram direcionadas, não deixando espaços para mais reparos. Entretanto, em Lisboa a Revolução de Abril estalara e em Moçambique, Angola e Guiné Bissau, os dias seguintes eram vividos com alguma expetativa. Desde a capital até ao Rovuma, grassava em todo o território entre amplas faixas da sua população, o medo e o pessimismo quanto ao futuro. Aparece novamente em cena, Velez Grilo, contando com o apoio de Joana Simeão, Urias Simango, Gonçalo Mesquitela, para a formação de partidos políticos constituídos na sociedade civil, que viriam a constituir o denominado Partido de Coligação Nacional, em cuja formação se coligavam representantes do COREMO, da FUMO e do MONIPAMO.
Por sua vez, os comícios da FRELIMO, bastante inflamados e triunfantes não eram de bom augúrio. No dia 7 de Setembro, aquando da assinatura dos Acordos de Lusaka, ainda se secavam os pingos das canetas de tinta permanente, quando saíram à rua milhares de pessoas que convergiram para o Edifício da Rádio Clube de Moçambique, para apoiar o Movimento Moçambique Livre, que contava a presença de Velez Grilo, Manuel Gomes, apoiados por Daniel Roxo, antigos combatentes e alguns chefes políticos moçambicanos descontentes com o processo.
Velez Grilo, apontava à calma e fazia ouvir o seu grito de protesto contra a entrega de Moçambique, a um partido único considerado minoritário ávido do seu projeto revolucionário maoísta-leninista. O terceiro dia da ocupação da emissora, ditou o que já estava escrito em relação ao poder que iria ser instituído, com o beneplácito do MFA que deslocou para Lourenço Marques, uma delegação para colocar um ponto final na revolta. Velez Grilo, juntamente com outros insurgentes tiveram que abandonar o RCM, e deixar Moçambique. Para trás ficou a linha de pensamento de um homem que acreditava num ideal por si incorporado, tendo por substrato o combate a quaisquer tipo de amarras políticas, e que fez de muitas lutas o sonho com que percorreu todo o seu caminho.
Viria a falecer em Lisboa, a 11 de Setembro de 1990.
11 Comentários
Jorge Velez Nunes
Um imenso e enorme Obrigado pela partilha!!
Obrigado pelo registo para memória futura.
nino ughetto
Deixar o meu comentario ?? Sim eu fui un dos que manifestou no Radio clube, e entrei mesmo dentro .Bom …de nada serviu… tive que “fugir” de LM pois fui tropa 4 anos e desses 4 anos 2 passei no Norte… Tudo passou tudo acabou ,Mesmo esse patife do Mario Soares jà nào existe.. Tudo passa tudo acaba..
ABM
Pelos vistos era um comuna em cada esquina em Lourenço Marques. O que atesta o pluralismo em convivência saudável, qualidade que eu não reconhecia assim tanto, retrospectivamente. Quem ler a literatura da Libertação configura em cada branco um racista fasicsta colonialista. Este texto é muito interessante. Parabéns, No meu blogue há uma foto de Velez Grilo nos anos 70, já agora podias ter metido…. abraço grande do fã ABM
Manuel Martins Terra
Obrigado, António Botelho de Melo pela tua disponibilidade em ceder imagens, e pelo excelente trabalho que tens desenvolvido, expresso em tantas narrativas e comentárias sobre aquela terra apaixonante. Um abraço, do amigo Manuel Terra.
jose alexandre russell
Conheci pessoalmente o Dr. Velez Grilo e mulher, amigo de meu pai. Foi meu médico durante alguns anos.
Eduardo Marques dos Santos
Dr. Velez Grilo bom médico cheguei a ser seu paciente visto ser funcionário do então SMAE.
Francisco Távora
Um artigo “histórico-biográfico” bastante curioso e muito interessante sobre o Dr. Velez Grilo .
Fui aluno de um seu familiar próximo (creio que sobrinho)__Prof. Doutor Engº Francisco Velez Grilo__ na FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
Jorge Velez Nunes
Olá viva, eram primos (os pais eram irmãos)
Alberto Rodrigues
Recordar é viver, é bem verdade Por feliz coincidência , quando “mufana”, fui paciente do Dr. Velez Grilo, pois o meu Pai, trabalhava nos SMV (machibombos) que pertenciam á Câmara, que tinham um serviço clínico, de apoio e assistência, aos seus funcionários e familiares. Outra feliz particularidade também fui aluno de história do saudoso Professor Cansado Gonçalves, na Escola Comercial, Av. “24 de Julho. Como era um miúdo e quase todos uns ceguinhos politicamente, jamais me tinha passado pela cabeça, ter privado com estes dois grandes políticos e lutadores. Saudosos tempos.
Maria do Amparo Faro
Fui aluna do professor Cansado Gonçalves.
Ricardo Quintino
Recordar é viver