Carta de Mondlane para Adriano Moreira
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Há vários anos atrás (mais muitos do que alguns), ouvi dizer e li (não me recordo das datas e das fontes) que o Dr. Eduardo Mondlane – na altura alto funcionário da ONU, vindo posteriormente a fundar a Frelimo e a ser o seu primeiro Presidente -, aproveitando uma deslocação a África em serviço da ONU, se deslocara a Moçambique onde viria a efectuar vários contactos com moçambicanos residentes, visando a fundação da Frelimo.
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Agora chega ao meu conhecimento o teor de uma carta que em 7 Set. 1960, o Dr. Eduardo Mondlane, na data alto funcionário da ONU, escreveu ao Dr. Adriano Moreira, Sub-Secretário de Estado da Administração Ultramarina na altura e, posteriormente, Ministro do Ultramar.
Nessa carta, o Dr. Mondlane informa que “… minha mulher, Janet, e filhos, iriam para Moçambique, antecipando a minha viagem de férias bi-anuais prevista para Fevereiro do próximo ano. …” e que “… ela partirá de Nova York no dia 28 do mês corrente, …”.
Acrescenta mais à frente que “Anteriormente tinha pensado que Janet, como minha mulher e por isso cidadã portuguesa, não necessitasse de um visto para entrar em qualquer território nacional. Mas recentemente descobri do Consulado Geral de Portugal em Nova York, que, sendo ela também cidadã americana e tendo um passaporte americano, deve solicitar um visto para qualquer das províncias ultramarinas portuguesas. A demais, o cônsul-geral em Nova York só tem autoridade para dar vistos para Moçambique, de 90 dias apenas. Ora Janet deseja ficar em Moçambique pelo menos seis meses. Conforme a informação recebida do Consulado Geral a autorização para um visto para tantos meses só pode ser obtida de Lisboa”.
Mais à frente, o Dr. Mondlane agradece que pudessem ser proporcionadas “…as facilidades necessárias para a obtenção do visto requerido para que minha mulher possa entrar em Moçambique e aí ficar pelo menos seis meses. Como disse na última carta, Janet nunca visitou Moçambique ou qualquer outro território português. Ela e as crianças necessitam de se familiarizar com a língua e vida portuguesas; tendo ela por isso escolhido passar em Moçambique os meses em que eu estarei na África ocidental em vez de ficar aqui em Nova York”. E acrescenta que “Janet já sabe ler e traduzir português, mas necessita de prática para conseguir falar com mais fluência”.
E para terminar: “É pena que não seja possível que eu passe por Lisboa de caminho para os Camarões, mas como disse, de regresso de Moçambique espero passar alguns dias em Lisboa, e então poderemos conversar sobre alguns dos problemas que nos interessam a ambos.
Seu Amigo antecipadamente Obrigado,
Eduardo C. Mondlane”
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O teor desta carta, suscita algumas observações, dúvidas e interrogações.
Evitando ser ingénuo, parece-me que o seu teor não deva ser dissociado do acontecimento que refiro em 1. A carta é datada de Set. 1960, o Dr. Mondlane teria estado em Moçambique em 1961, e a Frelimo foi fundada em 25 de Junho de 1962 (em Dar- es- Salam, Tanzânia).
A estadia de seis meses em Moçambique da esposa do Dr. Mondlane, Janet, não teria sido fundamentalmente para efectuar contactos e preparar a vinda do marido? Porquê a sua estadia longa de seis meses, só acompanhada dos filhos pequenos e pela primeira vez em Moçambique?
A aprendizagem e a prática da língua e da vida portuguesas, em Moçambique e durante seis meses, não seriam a capa de legalidade e o cobertor para as suspeitas?
Considerando que entre o Dr. Mondlane e o Dr. Adriano Moreira, atento à qualificação de “Amigo” atribuída pelo Dr. Mondlane no início e no final da carta, existiria alguma amizade ou, no mínimo, consideração, terá havido aproveitamento ou traição desses sentimentos por parte do Dr. Mondlane, para conseguir os seus objectivos? Ou prevalece que em política todos os meios que permitam atingir os objectivos, são legítimos?
Faço todas estas interrogações porque não disponho de informação que me permita responder com verdade, seriedade e isenção. Não vou em sensacionalismos, boatos ou falsas notícias.
Se as circunstâncias não tivessem retirado a vida ao Dr. Mondlane e, portanto, continuado ele na presidência da Frelimo e vindo a ser o Presidente do Moçambique país, não teria o destino de Moçambique e dos moçambicanos sido bem melhor ao que se tem assistido, sem mortes violentas, ódios, vinganças, sofrimentos e sub- desenvolvimento?! Por mim não tenho dúvida. Pior não teria sido.
Pierre Vilbró – Outubro de 2020
10 Comentários
Pedro Estefene
Só para ratificar, Eduardo Mondlane não fundou a FRELIMO, os verdadeiros fundadores são Adelino Gwambe e Rev. Urias Simango, dos movimentos UDENAMO, MANU, o movimento MANI foi incorporado logo depois.
Não seria diferente, não é de hoje que Moçambique está mergulhado na corrupção, isso vêm de tempos atrás! Onde altos dirigentes da FRELIMO na altura, desviam apoios do Instituto Moçambicano em Tanzânia, aliás a corrupção foi o principal motivo de fecharem o instituto!
Carlos Trocado
Não se pode prever o futuro. Mas que teria sido diferente isso podemos garantir. Se ele tivesse feito carreira na ONU. Se ele tivesse ficado a dar aulas por aí. Se se tivesse divorciado. Se. Se… Do que resulta claro é que ele não tinha jeito para coordenar um bando de facínoras e activistas independentistas num mundo complexo (anos 60) em que Portugal vivia uma ditadura isolada do mundo. Parece ter sido um bom homem, intelectual irrepreensível com poucas habilidades como homem de acção para aqueles tempos de guerrilha.
Eu, pessoalmente, teria preferido que se tivesse feito a descolonização de forma diferente e com ele. Mas não havia condições com a guerra fria (afinal aquilo que o matou).
Paulinobianeuaiene
….a politica não tem um conceitp próprio…mas nao se difere de pôr areia nos olhos de Outrém, levantar a poeira e ir se embora….e, depois, foi-se
Emilia
O Professor Adriano Moreira quando foi Ministro das Colónias, fez uma visita aos soldados , deu uma volta por todos os Territórios e aconselhou a Salazar a dar uma certa autonomia aos Territórios! Custou a Sua substituição! Portanto, ninguém podia , sequer sonhar em fazer propostas dessa natureza! Recorde se! O que aconteceu em Goa, Damão e Diu, por teimosia de Salazar! Os Nosso não morreram, porque os Indianos invasores não quiseram! Mas os Oficiais Superiores ficaram sem ordenado! Sem meios de sustentar a Familia! Enfim! Depois, o Povo é que sofre!
José M Peixoto Ferreira
Estando vivo, e creio que de boa saúde e lúcido, seria importante, saber o que tem a dizer o Dr Adriano Moreira, ao invés de se “alimentarem” teorias dos “Ses”.
OS SÁBIOS NÃO DIZEM O QUE SABEM ….
OS TOLOS NÃO SABEM O QUE DIZEM .
José Carlos
Claro que tudo teria sido diferente.
Para melhor.
Eduardo Mondlane foi um moderado. A sua morte está por explicar.
Samora Machel foi uma desgraça e a sua “política de terra queimada” lançou Moçambique na guerra civil e na destruição da sua economia.
Manuel Martins Terra
Comentava-se em alguns círculos em Moçambique, e não sei se existem provas concretas de que Eduardo Mondlane, numas das suas missões para assuntos africanos ao serviço da ONU, teria numa estadia em Lisboa, contatado Salazar, com o propósito de lhe propor um plano que visava a descolonização das colónias portuguesas, em moldes bem diferentes de outros países que tiveram que proceder à entrega dos seus territórios, depois das respetivas guerras que travaram. A ideia de Eduardo Mondlane, consistia em evitar rapidamente a guerra colonial e abrir perspetivas para um processo pacífico de transição de poderes. Ao que se consta Salazar, terá recusado essa solução e continuou a apostar na tese de um país triste, mas orgulhosamente só. Em 1961, rebentou o conflito armado em Moçambique, que durou 13 anos, custando a vida a milhares de jovens dos dois lados da barricada. Depois na década 80, já com Moçambique independente, deu-se a guerra civil, que causou mais numero de vitimas que a guerra colonial e a fuga desordenadas das populações dos locais dos conflitos. Há uns tempos a esta data, vamos tomando conhecimento da insurreição armada que decorre na província de Cabo Delgado, provocando a dor e sofrimento a milhares de habitantes, que procuram campos de refugiados. Para quando é que o bom povo moçambicano, tem direito à paz e harmonia que deseja? Bem pensando, se tivesse sido bem interpretado o ideal politico idealizado pelo sábio estratega Eduardo Mondlane, tudo seria bem diferente e Moçambique, poderia estar noutro rumo. A sua morte ocorrida na casa de campo, em Dar-es- Salam , ao abrir uma carta armadilhada, contínua envolvida em grande mistério, sendo que a sua mulher a Janet e filhos, prosseguem a luta para apurar toda a verdade junto das autoridades moçambicanas. Parabéns ao Pierre Vilbró,pelo envio do post onde se verifica a carta endereçada por Eduardo Mondlane a Adriano Moreira.
ABM
Conheço esta carta já há algum tempo. Algumas reflexões:
1. Em 1960 Não havia Frelimo. Havia movimentações mas Mondlane basicamente estava reticente e fora disso;
2. A relação “amistosa” com Franco Nogueira, refelctida no texto, obviamente não passou disso;
3. Mondlane não era “alto funcionário” da ONU. Era um funcionário (big difference);
4. As autoridades portuguesas, comprovadamente, tinham uma atitude racista e displicente para com qualquer negro culto originário das suas colónias africanas. Contam-se nos dedos de uma mão as excepções. Constitucionalmente, falar-se de independências era (literalmente) traição à Pátria. Portanto, mesmo que houvesse, seria um diálogo se surdos;
5. Sendo que por volta de 1960, começava uma verdadeira onda de independências em África, que ninguém poderia ignorar. Mas a atitude de Salazar e de muitos cidadãos era que no caso português seria excepcional. Não seria e não foi;
6. As diligências de Mondlane para com Janet e as questões dos vistos eram normais na altura, em que obter um visto para se entrar em território português era moroso, complicado e dependente de muitas considerações. Reparem que ele , um cidadão português para todos os efeitos, estava a interceder – a meter uma cunha – para um visto para a sua mulher. Que antes pedira e não lhe deram;
7. Não foi Mondlane quem fundou a Frelimo. Essencialmente, foi Julius Nyerere, como condição para deixar usar o seu país como plataforma a partir da qual se fez a guerra nacionalista moçambicana. Foi Nyerere inclusivé que abordou Mondlane quanto ao assunto numa viagem sua a Nova Iorque; levou a Mondlane algum tempo a pensar no assunto e a agregação dos vários movimentos e personalidades deu muita chatice;
8. Apesar de ter em consideração, em graus diferentes, quer Eduardo Mondlane quer Samora Machel, Mondlane nunca foi comunista. Resvalou para o radicalismo marxista derivado dos apoios e constrangimentos impostos por quem apoiava a Frelimo – essencialmente, os países da Cortina de Ferro. A sua morte em 1969 coincidiu com a viragem decisiva para uma Frelimo comunista radical. Samora, por feitio e uma atitude revanchista contra o que considerava 500 anos de exploração colonial (etc etc etc) e aparentemente inspirado por correntes em voga por volta de 1974 (refiro-me a Pol-Pot), optou por, em vez de aproveitar o pouco que já tinha sido feito, fazer tábua rasa de tudo e recomeçar do zero, sendo ponto assente que um branco passava a ser carne para canhão. Os brancos mais avisados tiraram bilhete de imediato, os outros (menos o Mia Couto e a Família e mais um punhado) ficaram a dançar num delírio comunista, que imediatamente descambou para um regime totalitário que passaria as décdas seguintes na guerra e na miséria. A esmagadora maioria do que os moçambicanos hoje chamam colonos e filhos de colonos, foram saindo assim que puderam;
9. Os líderes da ditadura portuguesa, especialmente Salazar e Américo Tomás, tiveram muitas culpas no cartório. A sua intransigência e incapacidade de promoverem pessoas como o Dr. Mondlane e ainda a obsessão com manterem ad eternum o estatuto de colónias foram, como se viu, pouco avisadas. Volvidos cinquenta anos, a herança, especialmente no caso das antigas colónias portuguesas em África, foi e continua a ser terrível.
Cumprimentos.
ABM
Fernando Xavier Martins
Talvez ???, fosse diferente, tanto com Mondlane com como Samora, que por principio não seriam corruptos, ???, porque o que veio a seguir, foi um negritude aflitiva e uma corrupção institucionalizada. è pena não terem copiado Cabo Verde. Já foi.
Rogerio Mschado
Teria sido a mesma coisa. A Frelixo já estava minada pelos comunistas fazia tempo. Aliás, existem sérias dúvidas de quem matou Mondlane, se a PIDE como muitos querem fazer acreditar e a quem são dados esses méritos, ou a própria Frelixo… inclino-me pessoalmente por esta última… assim como, mais tarde e já no Poder, da própria morte de Machel… este, com todos os defeitos que tinha, não deixava a escumalha jogar a mão nas riquezas…