Não Me Viste Na Marcha?
Não fui eu que escolhi a data e o tema para voltar a escrever um artigo/post para o BigSlam. Foram o momento conturbado que Moçambique atravessa e o meu desassossego que os escolheram. Como ficar indiferente ao que há muito se vem assistindo, e que dilacera Moçambique, cala e sangra os moçambicanos?
Muito poderia eu descrever, mas opto por dar voz aos moçambicanos, no caso transcrevendo um texto de que tive conhecimento através de uma das redes sociais, e subscrito por Sérgio Raimundo:
NÃO ME VISTE NA MARCHA?
É evidente que tu me viste. Eu sou o helicóptero da polícia que hoje sobrevoou a cidade de Maputo para distribuir cesta básica completa de gás lacrimogéneo, o helicóptero cobarde que se esconde quando acontece um rapto na cidade, o helicóptero crivado de medo que não tem asas suficientes para chegar a Cabo Delgado.
Tu não me viste hoje? Eu sou o polícia que disparou para matar. O polícia que todos os meses é disparado pela falta de salário, o polícia que hoje disparou balas verdadeiras, porque sabe que as balas de borracha não são suficientes para apagar os gritos de sangue nos cartazes.
Volto a perguntar-te. Tu não me viste hoje? Eu sou o polícia que esteve ali onde Elvino e Paulo foram assassinados. O polícia que puxava trelas de cães. Os cães sempre me obedecem quando lhes mando, porque somos colegas de trabalho. Eu também sou um cão, mas com uma corda invisível de indiferença ao pescoço. Vale a pena os outros cães: têm a liberdade de pelo menos ladrar.
Eu sou o gás lacrimogénio que que te fez chorar as lágrimas que sempre adiaste, sou a bala brava que restou das armas que mataram Elvino, Paulo e hoje, como viste, andei pela cidade à procura de mais um naco de carne para ser aplaudido pelo meu chefe.
Sejamos sinceros: não me viste hoje? Eu sou o polícia que disparou, o polícia que alvejou. O polícia que ao fim do dia vai pousar o uniforme cheio de sangue no prego da esquadra, assinar o livro de ponto e depois marchar a cidade inteira para chegar a casa, porque hoje não há chapa. Sou o polícia que amanhã, lá no bairro, algemado de vergonha, vai pedir duas colheres de açúcar ao vizinho, porque o salário atrasou.
Não me viste nas manifestações? Eu sou o polícia que pagou dez mil para ir a Matalane e hoje é pago cinco mil para matar o povo que prometi defender. Eu sou o jornalista que ontem estava na caravana da campanha e hoje está numa caravana que me leva aos bancos de socorro do hospital central.
Eu sou o cão que foi agitado para te atacar, o cão que amanhã não terá ração no centro canino, porque o país não avança. O cão que só serve para parar manifestações e nunca para atacar os ladrões que assaltam o país metidos em fatos e armados de canivetes de discursos democráticos. Eu sou o polícia que pilotava o helicóptero, o polícia que voou alto num país que anda de pé e descalço. Tu não me viste nas manifestações?
Sérgio Raimundo – Militar
Fim de transcrição.
Outra denúncia e protesto é protagonizado por uma moçambicana esclarecida e corajosa. Clique para ver e ouvir o vídeo:
A qualquer dos autores aqui transcritos reitero a minha admiração pela lucidez e coragem dos seus testemunhos. Não os conheço nem sei a que partido político pertencem, nem isso é o mais importante para mim. Relevante sim, são as suas denúncias e as mensagens que delas se podem extrair.
Parafraseando quem tão bem escreveu e cantou, e que “eles” se apropriavam quando mais “lhes” convinha: o povo é quem mais deveria mandar dentro de ti oh País.
Pierre Vilbró – Outubro 2024
10 Comentários
Maria José Vilhena
Que tristeza tão grande. 😢
Nino ughetto
Bravo, bravo essa mulher tem “CUlhoes”. Nunca vi um homem ser tào atrevido e corajoso como esta moça… Certo que enfrentar um “dragào” nào é brincadeira,,,como o governo , que tem poderes para matar quem quer, sem consecuencias. .e .. é preciso mesmo ter curagem… Pobre moça que risca prisào e desaparecimento… como na China cumunista… esses sacanas dos governos abusam e teem toda a proteçào militar e policial… Eles (governantes) teem dinheiro aos montes e mesmo compram moradias no estrangeiro, e mesmo em Dubai… grandes ladroes e assassinos… Pobre Moç. murubindo e desesperado. Que Deus os ajude, é a minha oraçào…
Rogério Machado
Só me ocorre dizer…
Pois é… e quem não sabia, que ia dar nisso mesmo? Não precisava de muito, pra se saber…
Agora, chorem o leite derramado… eu, ex-mocambicano, tô bem… obrigado!
Jorge Rodrigues Milheiro
Parabéns pelo excelente texto, que retrata a situação do povo e dos polícias, que são obrigados a disparar contra os seus irmãos de sangue. Lamento a situação de uns e de outros. Gostaria que nunca acontecessem situações como estas. Não sou moçambicano, mas amo Moçambique onde sempre fui bem acolhido nas missões que lá desenvolvi desde 1982, na primeira vez que lá fui.
Obrigado pelo que nos transmitem.
Carlos Hidalgo Pinto
A situação do sétimo país mais pobre do Mundo, com um crescimento demográfico que peca por excesso, com uma elevada instabilidade social no Norte, aponta para grandes problemas económicos, políticos e sociais.
Os salários atrasados ou escassos, têm a ver com uma ausência de investimento estrangeiro ocidental e com preconceitos políticos (quanto à origem desses investimentos) que ainda perduram, embora já tenham passado 50 anos da independência de Moçambique. Se o investimento estrangeiro for de proveniência europeia, são vistos pelos responsáveis políticos, como sendo quase indesejável. Ora, esta abordagem implica atraso no desenvolvimento económico e social do país e a consequente crise permanente em que Moçambique se encontra há bastante tempo.
As atitudes políticas e ideológicas, face ao investimento estrangeiro ocidental, conduzuziram o país a uma situação, onde a realidade do quotidiano é péssima, em termos de emprego, saúde, educação e nivel de vida (poder de compra da população).
Luis 'Manduca' Russell
Percebi em tempo útil que me fizeram um grande favor quando, por o meu pai não ter abdicado da nossa nacionalidade portuguesa, me explusaram em 1977 com 12 anos de idade, da minha terra natal. Com pena minha decidi nunca mais voltar ao meu (querido) Moçambique, grande povo e nobre país, que, de facto, merece melhor sorte. Andei a sofrer tempo de mais por causa dessa e outras alarvidades. E pensar que nos anos 70 também tentaram transformar o nosso (querido) Portugal num país como o atual Moçambique e outros que existem no nosso planeta… O povo trabalha, carrega todo o tipo de gente às costas, sofre, vive e morre miserável, enquanto uns quantos ‘iluminados’ (e, em certos casos, armados e financiados por you know who) fazem as suas ‘gracinhas’. Salvé Pátria Mãe por nos acolheres! Gratidão eterna! Saúde e Paz para todo(a)s neste Mundo.
Orlando Valente
Mocambique MORIBUNDO!
50 anos já passados meio SÉCULOS perdidos em vão e o povo sofrendo no País que continua a deriva, onde a DEMOGRAFIA E A CHAMADA LIBERDADE, foi
implantada contra a vontade do povo, ma sim pelo partido que sempre esteve no poder em colaboracao … todos nós sabemospor quem…
Nao vou fazer mais comentarios sobre a minha terra, há muito que estou de luto, ha.muito que sofremos por o nosso pais MORIBUNDO…OS POEMAS que do coracao vou escrevendo, nos vao dando uma ténue ESPERANCA de um dia vermos o NOSSATERRA livre das amarras que ate hoje o sofocam..
Qur DeUS proteja a nossa terra!
Orlando Rodrigues Valente
Dulce Gouveia
Infelizmente esta situação não é apanágio de Moçambiquee, nem de África, mas está disseminada pelo resto do mundo,, tornando-se uma pandemia…..
Nicolau Silva
Um abraço Pierre!
Ricardo Quintino
Assino por baixo. 50 anos de independência deitados para a lixeira frelimista