O que está por trás dos ENCONTROS anuais dos ex-alunos do IILM?
Em 26/5/2018 realizou-se o 43º. encontro anual dos ex-alunos do Instituto Industrial de Lourenço Marques (IILM), convívio realizado num restaurante sito em Alto da Serra, arredores de Rio Maior, novamente com grande afluência de participantes.
As linhas seguintes não são a reportagem do evento, mas uma reflexão pessoal para encontrar motivações que justifiquem a longevidade de quase meio século desses encontros.
Com este texto termino uma série de quatro abordagens sobre a Escola Industrial e o Instituto Industrial, ambos de Lourenço Marques (hoje, Maputo), e sobre os seus ex-alunos. Outros textos se seguirão, abordando temas diferentes e incidindo sobre as pessoas e suas vidas, em Portugal e em Moçambique, mas com denominador comum: pensar as pessoas, sua dignidade, seus sonhos, realizações e frustrações.
Voltando ao tema de hoje, o que leva a que se mantenham sem interrupção, ano após ano, e já lá vão quarenta e três, os encontros de confraternização destes ex-alunos? Tal longevidade não subsistiria se subjacente a ela não existissem profundas razões, nomeadamente do fôro afectivo e da memória. Quantas realizações, justificadas e bem intencionadas, não começam cheias de entusiasmo, mas cujo fulgor e adesão vão esfriando, acabando por se eclipsarem por completo?
Não sei se este “fenómeno” será um caso de estudo (case study, como é agora bonito dizer-se), mas, mesmo sem ter auscultado qualquer dos intervenientes, vou arriscar algumas justificações, baseando-me na minha sensibilidade e no meu conhecimento dos antecedentes ao início destas “reuniões de família”. O conhecimento das raízes que sustentam tal árvore, passa por escavar o percurso de vida destas pessoas.
A maioria destes ex-alunos tiveram muitos anos lectivos de percurso conjunto, mesmo em cursos diferentes coabitava-se nas aulas de disciplinas comuns, nos mesmos edifícios e espaços, percurso iniciado na Escola Industrial (ciclo preparatório, curso industrial, e secção preparatória para o Instituto Industrial), continuado neste último e, para alguns, ainda prolongado no cumprimento do serviço militar. Naturalmente, tantos anos de convivência criaram laços indestrutíveis de conhecimento pessoal, amizade e companheirismo, ocupando um ficheiro bem grande no disco rígido da memória de cada um.
Vivendo a grande maioria em Lourenço Marques, e sendo esta uma cidade pequena ou, se preferirem, não muito grande, facilmente as pessoas se viam, se encontravam, se consultavam e se apoiavam. Continuava-se a amizade nascida e crescida nas carteiras escolares.
Na sequência do golpe militar de 25 de Abril de 1974, em Portugal, veio a descolonização (?) e a independência de Moçambique em 25 de Junho de 1975,
que pela forma como decorreram, alteraram profundamente o curso da vida dessas pessoas, de forma dramática para muitas delas e com traumas em algumas. Em consequência, elas optaram por abandonar Moçambique, procurando refazer a vida noutras paragens, a grande maioria em Portugal, espalhando-se de Norte a Sul. Com as distâncias entre as novas localidades de residência, contrariamente ao que acontecia em Lourenço Marques, as pessoas deixaram de se ver, de se contactarem, de conviverem. Quebrara-se aquele vínculo que os unia, o seu jeito de ser e de estar. Os primeiros tempos foram de luta pela sobrevivência, de procura de emprego ou de uma forma de se estabelecer, de integração num meio diferente (clima, mentalidades, modos de vida, sociais e culturais), enfrentando mesmo desconfianças, invejas e animosidades. Todo o tempo estava preenchido com o refazer da vida.
Todos esses ex-alunos eram moçambicanos, embora de formas diferentes. Uns, eram nascidos em Moçambique, sendo que alguns já em 2ª. ou 3ª. geração. Outros, embora não nascidos, para lá emigraram muito pequenos, sem grandes memórias da sua terra natal, cresceram como moçambicanos e sentiam-se como tal. Finalmente, os que foram para Moçambique já adultos ou quase, na sociedade se integraram, aprenderam a amar aquela terra e nela admitiriam morrer.
Todos estes ex-alunos do IILM, porque pessoas, com sentimentos, com sensibilidades e com memórias, iam agora aprendendo a viver incompletos. Faltava-lhes Lourenço Marques, faltava-lhes Moçambique: as cores, os cheiros, os sons, os usos, os costumes, as tradições, a humidade do calor tropical, o orvalhado do cacimbo, a multirracialidade denunciada pelas cores da pele e pelos falares das línguas e dos dialectos, o jeito próprio ser e de estar, a pronúncia ou sotaque que já se ganhara ou se ia adquirindo, etc., etc., para não continuar exaustivo e maçador.
Mas não posso deixar de acrescentar a ingenuidade das pessoas, filha do seu viver espontâneo, autêntico, e não desconfiado. Quantas vezes esta ingenuidade não veio mais tarde a custar o seu preço, principalmente em Portugal?
Neste enquadramento, o encontro anual de confraternização, julgo eu, passou a ser o local e a oportunidade para a supressão dessa falta, de rever os colegas e amigos, do reencontro com o tempo e as memórias, do reacender duma chama nunca apagada. Em suma, a longevidade desses quarenta e três anos ininterruptos alicerça-se no que de melhor têm o homem e a mulher, os sentimentos nascidos bem fundo na sua alma e manifestados com genuinidade e espontaneidade.
Esses locais de convívio passaram a ser como que uma espécie de “a little laurentina town”, onde nada se comercializa, mas muito se troca: memórias e afectos.
Conviria que os nossos descendentes soubessem quem somos e como fomos. Eles são, porque nós fomos.
Pierre Vilbró
Um Comentário
Conceição Samico
Estes encontros NUNCA PODEM ACABAR. Nós fazemos 2 por ano, os encontros dos ZAMBEZIANOS, um é da Zambézia e outro dos alunos, professores e funcionários da Escola Industrial e Comercial D. Francisco Barreto de Quelimane. Bem hajam!