Ganda: Embondeiro do boxe beirense!
Os seus punhos mataram quatro adversários…
Castigados pelas “marretadas” dos seus poderosos punhos, ele diz que ao longo da sua carreira, quatro adversários morreram. Outros foram parar ao hospital. Não se orgulhava disso, mas também não ficou com remorsos. Ganda fez história numa época em que a Província de Sofala dominava por completo o pugilismo moçambicano. Estamos a falar da década 50/60. Faleceu há muitos anos, mas a sua história de vida permanece no imaginário dos mais velhos.
LEÃO? SÓ NO RINGUE!
Começou a esgrimir os punhos aos 13 anos. Da sua vida de estudante, só se lembrava de ter feito a 2.ª classe, antes de se dedicar, de alma e coração a um desporto, na altura comparável às touradas, em que o público queria ver sangue e um dos opositores estendido ao comprido.
Para ele, o boxe “não é desporto de meninas” e ninguém é obrigado a subir a um ringue. O que aconteceu aos seus opositores, bem lhe poderia ter sucedido a si.
Pode parecer um paradoxo, mas Ganda, cuja carreira, paixão e vida foi deitar a abaixo centenas de oponentes, fora do ringue era um cidadão cortês, calmo e disciplinado.
Jogou em Espanha, Argentina e noutros países, contra pugilistas brancos, o que não era permitido intramuros no período colonial, pois os combates eram exclusivamente entre brancos ou entre negros. Os mulatos, eram enquadrados segundo a sua tez, mais ou menos escura.
Magro e seco, enfrentou sem medo adversários musculados e cheios de tatuagens, dizendo que se tratava mais de artistas do que de pugilistas.
Nunca ingeriu álcool na vida e “fugia” sempre aos desacatos de rua. No auge da carreira, mandou arrancar os seus próprios dentes, dizendo que lhe incomodavam, uma vez que estavam sempre a abanar.
Eis uma parte da sua história de vida, na primeira pessoa, numa entrevista por mim realizada há cerca de duas décadas.
Sobre a superstição no seu tempo de pugilista…
– Vovô? O meu vovô era o treino. Eu pensava assim: se você não sabe escrever e vai ao vovô, será que vai passar a saber escrever? Muitos dos que iam ao curandeiro, apanhavam porrada comigo. Porque não entendiam que o serviço do boxe é treinar. Depois você pode fazer o que quiser. Eu estudava os adversários, os seus pontos fracos. Não era só bater. Fiz muitos combates profissionais e nunca perdi. Dei KO.s e quatro dos meus adversários morreram. Depois do primeiro assalto, eu já sabia que ele não podia ficar até ao fim.
Quanto a treinadores…
– Tive um treinador grego que sabia muito de boxe: o Al Pereira. Também era um bom conselheiro.
Sobre estágios…
– Não, nada disso. Cada um sentia a disciplina por si próprio. E comíamos o mesmo que as outras pessoas. Não é como agora que querem comer bem, querem vitaminas, estágios. Vitaminas para quê? Vitamina está na minha cabeça e naquilo que eu quero alcançar.
Você não sentia nervosismo antes dos jogos…
– Nervosismo? Porquê? Eu fui o primeiro grande jogador na década 60 e os outros é que tinham que me respeitar. O físico do adversário não me metia medo. Tamanho não é qualidade. Ganhava 150 escudos. Era muito dinheiro. Além disso, davam-me comida. Consegui fazer quatro casas, graças a esse rendimento. Até cheguei a comprar um carro.
SEMPRE ME RESPEITARAM
Nunca teve situações, fora do ringue, que o obrigassem a usar os punhos e a experiência de pugilista, enfrentando bandidos, por exemplo?
– Sabe, toda a gente me respeitou e eu respeitei o povo. Quando houvesse um barulho, eu afastava-me. Não tive problemas com ninguém. Não provocava ninguém. Talvez também porque sabiam do valor do meu soco (risos).
Lesões?
– Quem não teve lesões no boxe, não é pugilista. Como é que uma pessoa pode dizer que subiu ao ringue, várias vezes, sem apanhar lesões. Isso faz parte do jogo.
Mas tem que aceitar que após os socos, ficam marcas no cérebro, para toda a vida…
– Claro. Não vê o fala-barato do Cambeua, meu aluno no boxe? Fala tanto que parece mais político que pugilista!
Uma história curiosa:
– Ia disputar um combate internacional muito difícil, o adversário era bem mais pesado do que eu, cheio de músculos e fazia “show” por todo o lado. Foi então que um sujeito chinês da minha zona, me disse que eu não seria capaz de o vencer. Apostámos. Se eu ganhasse, ele disse que daria a sobrinha em casamento.
O resultado?
– Casámos, sim e ela ainda vive comigo. Ganhei o jogo e a aposta. Casei e fiz filhos com ela. No boxe é assim. Uma pessoa não se pode zangar, senão perde a técnica. Levar muita pancada, é como ser mordido por uma abelha: incha, mas depois a gente esquece e tem vontade de voltar ao ringue.
Renato Caldeira – Setembro de 2024
7 Comentários
Katali Fakir
Nunca ouvi falar do Ganda. O grande campeão da Beira que ouvi falar foi o Mapepa.
Nino ughetto
Ulala; voces falam de boxe ??? Meu pai (Ludo Ughetto) foi um grande boxer, Fez desenas e desenas de combates e muito poucas vezes perdeu, mas apenas por pontos… Foi o meu pai “Ludo” que organisava todos ,todos os combates de boxe na Mahangalene e na Beira, Conheci todos os negros boxeres e brancos, Sr. Gonçalves mais tarde associou:se com o meu pai….. e foi meu pai, que nos anos 30 que pela primeira vez da historia e unica vez ( ele conseguiu alugar o casino de Monaco por um combate de boxe… Meu pai foi um grande apaixonado de boxe,,muito forte ,fabuloso, e portanto…tinha um grande grande curaçào.Nunca arranjava discussoes com ninguém, Era respeitado por todos seus amigos…Sempre sempre sempre pronto para ajudar todos ,mesmo ajudava com dinheiro pessoas que nunca tinha conhecido…Tudo passa tudo acaba. O tempo nào volta atraz… Um abraço
jarbarao@hotmail.com
O Calos Fonseca era mais velho que o Ganda e mais técnicista o Ganda era um touro de força
Se minha cabeça ainda funciona apanhei o C. Fonseca como massagista do SCLM, Basket
José Rafael Bento de Araújo e Silva
Vi muito boxe no pavilhão do Malhangalene em LM, e grandes combates especialmente do Francisco Bila e do Carlos Fonseca, que eram extraordinários pugilistas. Mas segundo relata Jaime Barão, para o Ganda ter derrotado o Carlos Fonseca, então era mesmo um super boxeur, já que a título de exemplo vi o Carlos Fonseca empatar com o campeão sul-africano, que à época era considerado um dos melhores do mundo.
Fico com pena, então, de não ter visto o Ganda.
LUIS BATALAU
NÃO CONHECI NEM OUVIFALAR. NUNCA FUI UM AMAMTE DO BOXE. DE QUALQUER MODO TUDO DE BOM PARA OS “PUNHOS DE AÇO”.
Jaime Barão
Vi muitos combates do Ganda, sem duvida o melhor pugilista da Beira, ele fala do Cambeua, podia falar do Albano José, do Suro, Mapepa, vi-o mandar a baixo campeão de Lourenço Marques Carlos Fonseca, assim como o terror da ZA Dully, Manazina Tato da Suazilandia, nestes combates era a loucura correndo pelas ruas da cidade, quanto ao comportamento fora dos ringues era impecável, assisti uma noite na Correia de Brito ia com a esposa de moto e foi provocado parou a moto e disse ao provocador não te posso bater sou profissional, quando o agressor viu quem era desapareceu.
ricardoquintino@netcabo.pt
Lembro-me de ter eu os meus 13/14 anos (1956/1957), assistir aos sábados à noite a alguns combates do Ganda, no ring de patinagem do SLB.