Em Memória do Engenheiro Rogério de Carvalho: Educação Física e Desporto Escolar
A ginástica não é uma questão de circo nem de barraca de feira, é uma alta e grave questão de Educação Nacional”.
Ramalho Ortigão (1836-1915)É preferível um campo de jogos sem uma escola a uma escola sem campo de jogos”.
Woods Hutchinson (médico, professor e membro da “Associação Americana para o Avanço da Ciência”)
Passado um século da morte da Ramalhal figura (assim chamada carinhosamente por Eça), estalou a discordância – como se não se tratasse de “alta e grave questão de Educação Nacional”, no dizer de Eça – gerada por a classificação da disciplina de Educação Física passar a contar, em igualdade com as outras disciplinas, para a média de ingresso nos diversos cursos de ensino superior.
Esta discordância parte de alguns encarregados de educação no respeitante a cursos que exigem uma alta média de entrada como Medicina, por exemplo. Ou seja, anteriormente, dois alunos um com 18.6 valores de média e outro com 18.5 tinha o primeiro prioridade de entrada podendo ficar o segundo de fora. A partir de agora, colhendo o exemplo destes mesmos dois alunos, o segundo com nota bastante mais elevada em Educação Física passaria a ter prioridade de entrada com grande escândalo de todos aqueles que possam menosprezar a saúde física dos seu filhos clamando prioridade de ingresso em cursos de grande exigência de classificação de entrada, a “Ernestinhos com membros franzinos, ainda quase tenros, que lhe dão um aspecto débil de colegial”, assim caricaturados pela pena queirosiana.
Em 1973, proferi, na Sociedade de Estudos de Moçambique (“Palmas de Ouro” da Academia de Ciências de Lisboa) , uma conferência intitulada “ Educação Física: Ciência ao Serviço da Saúde Pública”.
Nessa conferência, que abriu as portas da notabilíssima Sociedade de Estudos de Moçambique à Educação Física, fiz a introdução seguinte:
“A Sociedade de Estudos de Moçambique, através da respectiva direcção, na pessoa do Engenheiro Manuel Pedro Romano, seu Vice-presidente e presidente da Secção de Ciências (cargo que viria a ser desempenhado por mim no ano seguinte) , ao debruçar-se sobre a Educação Física demonstrou ser uma instituição atenta aos problemas científicos do seu tempo e com eles preocupada.
E nesta hora , em que recai sobre mim a difícil tarefa de nesta Casa, representar a Ciência da Educação Física, sinto a responsabilidade dessa estreia que muito é agravada pela falta de mérito de quem se dirige a Vossas Excelências. E isto, sem a pretensão de me servir de uma estafada fórmula de falsa modéstia.
Aceitei essa responsabilidade por dois motivos:
1.º Qualquer atitude passiva de cómoda anuência ao sistema de “deixar correr o marfim” na hora que passa , mais do que nunca, me parece desastrosa para os profissionais de Educação Física e, concomitantemente, para a actividade que exercem;
2.º Julgo possuir a sinceridade dos que acreditam , ou melhor têm fé, na enorme avassaladora força que representa a Educação Física no contesto de uma nação para não se correr o risco em não se atingir o apogeu de uma educação integral helénica.
Na conte de péssimo soldado me teria se antes de enfrentar mais um combate em defesa da minha dama me considerasse vencido, a ponto de encontrar na deserção a única via de saída, ainda que desonrosa! Todavia, mal não me ficará procurar no testemunho de um oficial de outro ofício o aliado insuspeito e valoroso para uma causa que precisa de todos nós. Reporto-me ao teor de uma carta que me foi endereçada pelo engenheiro Rogério de Carvalho, meu correlegionário na prática do vilipendiado Culturismo. Trancrevo-a:
“É que defendo, por instinto, o seu ponto de vista. Do que me conhece, sabe que sou dos que endeusam, sem profundo conhecimento de causa, A Educação Física. Adivinho, mais do que sei, que a complexidade de que ela se reveste hoje pertence ao âmbito dos estudos superiores. E não me refiro só ao cuidado, ou melhor à finalidade de aperfeiçoar e corrigir o corpo humano, mas à larga projecção que a Educação Física tem, ou deveria ter, na estruturação das nações. Sou demasiado leigo neste campo para opiniões hiperbólicas, mas uma sociedade sem Educação Física lembra-me a desagradável tristeza de um convento em ruínas e o suspeitoso desconforto de uma casa sem chuveiro, sem azulejos e sem livros.
Como a Educação Física, nas suas últimas consequências, atende ao equilíbrio psíquico do indivíduo, ela actua como um arejado e luminoso tratado de relações humanas como, num pilar, o ferro está para o betão. Não acredito, para mais, que um grupo social de indivíduos confortavelmente instalados num corpo saudável, e bem oxigenado, penda, por exemplo, para as drogas”.
John Kennedy soube traduzir, com rara felicidade, a importância da Educação Física, num conceito abrangente de uma formação integral. Escreveu ele:
“A aptidão física não é apenas uma das mais importantes chaves para se ter um organismo sadio, é a base da actividade intelectual criativa e dinâmica,. A relação entre a saúde do corpo e as actividades da mente é subtil e complexa. Ainda falta muito para ser entendida. Os gregos, porém, ensinaram-nos que a inteligência e a habilidade só podem funcionar no auge da sua capacidade se o corpo estiver sadio e forte porque os espíritos fortes e as mentes confiantes geralmente habitam corpos sadios”.
Na minha sempre recordada docência na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, e no exercício do cargo de Inspector de Educação Física da Mocidade Portuguesa sempre tive a preocupação de me tornar merecedor dos princípios preconizados pelo engenheiro Rogério de Carvalho. Prova-o o esclarecimento que fiz publicar no Jornal “A Tribuna”, corria o ano de 1964, e que reproduzo abaixo:
Por último, não posso deixar de manifestar o meu orgulho pelo incremento do desporto escolar em Moçambique. E se, como escreveu Fernando Pessoa, “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, a obra, um sonho que se concretiza, só foi possível por me deixar arrastar pelo entusiasmo que os meus alunos da Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, de Lourenço Marques, me transmitiram para que a sua Educação obedecesse aos princípios de uma Educação Integral helénica: “Mens sana, in corpore sano”! Para esses meus antigos alunos e actuais amigos, e seus familiares, um Ano Novo Venturoso e, por último, o meu muito sentido obrigado por me terem ajudado a cumprir, o melhor que pude e soube, e não tanto como vós mereceis, a espinhosa missão de EDUCAR!
Dois anos depois, tomei conhecimento da seguinte declaração pública de Iona Compagnolo, ministra de Estado para a Boa Condição Física e Desporto Amador no Governo do Canadá de Pierre Trudeau: “Despendem-se neste país oito milhões de dólares com a assistência médica e nós sabemos que 40% destas despesas resultam totalmente inúteis. Vamos gastar parte desse dinheiro na motivação das pessoas para que participem em qualquer actividade física.”