Em memória de Cândido Coelho
Reproduzo uma entrevista que me foi concedida no dia 23 de Junho de 1996 e onde ele se refere essencialmente às suas vivências musicais. Esta entrevista foi posteriormente incluída no livro “Fio da Memória” publicado em Janeiro de 2011.
CÂNDIDO COELHO é hoje um dirigente desportivo. Foi dos mais ecléticos desportistas que Moçambique conheceu. Foi o único que numa época praticou e bem, mais do que uma actividade desportiva, nomeadamente o basquetebol, o atletismo e o futebol. Tem 46 anos de idade. Nasceu na então cidade de Lourenço Marques. É com ele que vamos conversar.
José Carlos Pereira (antigo hoquista), a embaixadora moçambicana Frances Rodrigues e Cândido Coelho
Tu tens uma discoteca em casa?
Tenho um conjunto de discos. Não se pode dizer que seja uma discoteca. São discos antigos que inclusivamente estão arrumados num canto lá da minha casa.
Estás preocupado em fazer a transposições de êxitos velhos dos discos de vinil para CD?
Não, de momento não, mas estou a pensar seriamente nisso, até porque hoje já se produzem CDS com os grandes êxitos do antigamente, daquela música que gostei e continuo a gostar, músicas que marcaram a minha adolescência.
A propósito. Qual foi o artista desse tempo que mais te marcou?
Na década de 60 quem mais me marcou foi sem dúvida o Elvis.
Era a loucura do nosso tempo. Era um artista que ouvíamos através da rádio, que tocávamos nos nossos gira-discos, que dançávamos nas festas, nos bailes.
Recordas-te daquelas competições que havia onde normalmente figuravam o Elvis, o Pat Boone, etc…?
Recordo-me perfeitamente, até porque o nosso primeiro dia da semana na Escola era passado a comentar a classificação que esses cantores tinham atingido na competição do dia anterior, através dum programa de rádio das Produções GOLO, e era também o momento que tentávamos angariar mais fãs para o nosso cantor preferido. E havia coisas engraçadas, Na própria escola havia grupos diferentes. Uns eram do Elvis Presley, outros do Pat Boone,
outros eram do Cliff Richards
e alguns até eram do Tom Jones,
e isso criava uma rivalidade incrível. Era uma coisa interessante que levava-nos a pensar na música, nos cantores, nos grupos musicais e não noutras coisas.
Sei que no teu tempo de estudante, para além do Elvis e do Pat Boone, a música francesa marcou-te?
Sim marcou-me, embora reconheça que naquela altura ouvia-se pouca música francesa. Nós alinhavamos mais nas canções americanas, nas inglesas, talvez um pouco pela influência de ouvirmos a Estação “B”, que era o LM RADIO. Mas mesmo assim para mim houve uma referência da música francesa daquele tempo, que era o Adamo.
E foi uma referência talvez pelo facto de ele ter cantado muitas músicas românticas que se ligava muito bem com a nossa fase de namoro. E eram músicas que nós dedicávamos à namorada ou às pretendes a namoradas.
Que outros românticos?
Estou a lembrar-me do Eduardo Jaime, que vivia na África do Sul e que já actuou em Lourenço Marques. Por acaso tive a possibilidade de o ver actuar aqui. Não só porque era um cantor romântico, mas porque tocava músicas internacionais muito conhecidas, que eram aquelas que nós dançávamos nas festas.
A propósito de festas. Eras pessoa de ir às “boites”, às discotecas?
Não, até porque não havia muitas “boites” ou discotecas. Havia clubes que organizavam bailes. Em relação a “boites” recordo-me do Dragão, do Oceânia, ali perto do Naval (que hoje já não existem), havia o Zâmbi, o Restaurante da Costa do Sol, da Matola Rio e pouco mais. Nós dançávamos maioritariamente nos clubes, por exemplo na Associação Africana com bailes muito famosos da época, no Atlético, mas nós dançávamos nas festas particulares conhecidas por “partys”. Era aí onde nos reuníamos aos fins de semana. Cada um levava um bolo e uma bebida e lá fazíamos a festa.
Ir a uma discoteca naquela altura era quase que impossível, porque elas começavam a funcionar muito tarde e acabavam na madrugada seguinte, e naquela altura os nossos pais não permitiam esses devaneios que se notam hoje. Por outro lado nós não tínhamos dinheiro suficiente para estarmos numa discoteca e por isso mesmo optávamos pelos “partys” em casa de amigos e colegas de escola, porque eram meios mais baratos e até mais selecionados.
E nesses “partys” ouvia-se muito o rei da música brasileira?
Claro. Roberto Carlos não podia faltar.
Foi um cantor que marcou uma época, um cantor que deixou certamente muitas recordações nos jovens. E quando a sua música tocava, lá íamos nós buscar a namorada para dançar.
Outras músicas, outros grupos?
Olha um conjunto que certamente muitos ainda se recordam e que era o conjunto de João Paulo. Nós, pelo menos no meu grupo de juventude, não tínhamos como referência os grandes nomes internacionais. Também gostávamos de grupos mais simples, que fossem de cá ou que tivessem actuado cá. E o João Paulo era um desses, porque tinha a particularidade de tocar música de sua própria autoria. Mas claro que havia outros. O AEC 68, os Cinco de Roma, o Renato Silva, os Night Stars, os Corsários. Eram conjuntos que nos arrastavam inclusivamente para o Pavilhão do Malhangalene onde se realizavam os célebres concursos Yê-Yê.
Mas olha, também gostavas muito das canções do chamado “homem mais pequeno do mundo”, naquela altura, claro?
Ah … estás a falar do Nelson Ned.
Claro que ouvimos, trauteávamos, dançávamos Nelson Ned. Lembro-me duma canção dele que nós ouvíamos na rádio muitas vezes quando dávamos a voltinha dos tristes pela marginal, ao domingos, e que era o “domingo à tarde”.
Cândido, estamos a chegar ao fim do nosso tempo. Com que sensibilidade ficaste depois de teres participado neste “fio da memória”?
Foi com muita emoção porque permitiu recordar histórias antigas, coisas que eu e a malta do meu tempo fazíamos. Fiz aqui um exercício de retroceder no tempo, que habitualmente não faço, ou seja, não faço todos os dias. Eu devo dizer-te que quando oiço este programa aos domingos de manhã, fico com arrepios, porque oiço aqui histórias antigas, canções do outro tempo. E isso parecendo que não causa em nós sensações agradáveis de poder saber que recuamos um pouco no tempo para nos lembrarmos das coisas maravilhosas que aconteciam aqui.