In memoriam do General Soares Carneiro
“Temos como futuro o esquecimento”
(José Luís Borges, 1889-1986)
No passado dia 28 de Janeiro faleceu o General António Soares Carneiro.
Nesta infausta efeméride, não podia deixar de recordar essa figura de militar que muito honrou o seu juramento de bandeira em servir, parafraseando Camões, “a ditosa Pátria sua amada”, numa altura em que a extensão territorial de Portugal se estendia do Minho a Timor. Em contexto embora diferente, o próprio Torga exprimiu “a angústia da morte da Pátria” (Expresso, 29/01/94).
Corria o ano de 1952, era eu então soldado-cadete do 1.º ciclo do Curso de Oficiais Milicianos de Infantaria, em Mafra, sendo instrutor do pelotão a que eu pertencia o então alferes Soares Carneiro.
Dele recordo a estatura física meã que se impunha pelo exemplo de panache militar que transmitia aos seus subordinados.
Recordo-me, por exemplo, das marchas, em passo de corrida, que fazíamos com a pesada espingarda Mauser, cruzada nos braços. Chegado a um determinado ponto do percurso ensarilhávamos as espingardas descansando, esbodegados de cansaço, debaixo da frondosa copa das árvores que nos davam generosa sombra. Entretanto, o alferes Soares Carneiro, permanecia na posição militar de descansar: de pé, pernas afastadas, mãos atrás das costas.
Passado o merecido tempo de descanso, dava-nos a voz de regresso ao quartel com ele à nossa frente, em idêntico e penoso percurso. Ou seja, aquilo que nos exigia (perante alguns protestos nossos em surdina) fazia-lo ele em exigência bem maior. Se me é permitido a analogia, à sua “pedagogia” presidia o princípio de Séneca: “É lento ensinar por teorias, mas breve e eficaz fazê-lo pelo exemplo”. Ou como nos legou Marco Aurélio: O homem comum é exigente com os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo. Ou, ainda, como foi reconhecido por outro cabo de guerra da nossa contemporaneidade, Dwight Eisenhower: Liderança é a arte de conseguir levar alguém a fazer o que queremos que ele faça.
Recordo-me, ainda, de ocasiões em que o alferes Soares Carneiro estava de oficial de dia assistindo ao jantar dos instruendos. Penso que em consideração pelo nosso estatuto civil anterior de alunos do ensino superior, alguns já licenciados, convidava um de nós para a sua mesa ouvindo-o sobre questões relativas ao nosso dia-a-dia de futuros oficiais milicianos dispondo-se, por seu lado, a aceitar sugestões ou mesmo queixas devidamente fundamentadas sobre aspecto merecedores de serem corrigidos.
A sua figura de militar mereceu várias homenagens em vida pela atribuição de elevadas condecorações nacionais e estrangeiras. A última que lhe foi prestada, após o seu falecimento, teve lugar na Assembleia da República, através das bancadas do Governo e do Partido Socialista (e, claro, o repúdio do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda) em reconhecimento da sua valorosa folha de serviços quer em cargos militares (como a criação dos Comandos) ou civis na sua condição de Governador-Geral de Angola interino substituído, depois de 25 de Abril, pelo almirante-vermelho, de seu nome Rosa Coutinho, vendido aos interesses de Moscovo e do MPLA dando azo à verdadeira chacina, por ele despoletada, responsável pela morte de milhares de inocentes brancos e negros.
Por isso, hesitei, com a opacidade do meu verbo, em deslustrar o brilho de inúmeros preitos por parte de diversos sectores da vida militar, política e cultural portuguesa (vide, por exemplo, o artigo de Vasco Pulido Valente, no Público, 31/01/2014, intitulado, Soares Carneiro).
Apesar de tudo, seja-me desculpado o meu atrevimento que tem como indulgência o respeito que dediquei ao General Soares Carneiro pelos ensinamentos de brio militar que dele colhi e que nortearam a minha prestação militar como futuro oficial miliciano. Ensinamentos que perduraram para a minha futura vida civil docente.
Mereceu em vida, o General Soares Caneiro, a exemplo de Carlos Magno, o “repouso do guerreiro” só desassossegado por uma breve passagem pela política, como candidato a Presidente da República, pela Aliança Democrática.
Em comícios foi acusado pela esquerda, segundo Vasco Pulido Valente, “como embrião de ditador ‘fascista’, enquanto ele respeitava meticulosamente as mais simples normas da democracia”. Que bem se enquadram nesta acusação as palavras de Sophia de Mello Breyner, em carta a Jorge de Sena: “A nossa vida é cada vez mais engagée na luta que você sabe mas a oposição está cheia de aventureiros que sujam e confundem tudo. Está também cheia de tontos.”
Rui Baptista – 06.02.2014
- Aditamento:
O GENERAL SOARES CARNEIRO E O TESTEMUNHO DO EMBAIXADOR ALBERTO DE ALMEIDA
“Contra factos não há argumentos” – ditado popular.
Tendo em vista os argumentos defendidos por Artur Cravo, presidente do conselho fiscal dos Bombeiros Voluntários de Almada, no seu comentário ao meu post, publicado neste blogue, “In memoriam do General Soares Carneiro” (06/02/2004,) e em clarificação de uma situação controversa transcrevo um excerto de uma entrevista concedida pelo Embaixador Alberto dos Santos Fonseca de Almeida de quem colhi alguns dados biográficos que o isentam de ser uma personagem com ligações ao Estado Novo. Assim:
Licenciado em Direito, pela Universidade de Coimbra; denunciado, em fins da década de 50, por actividades subversivas foi entregue pela PSP à PIDE; assessor jurídico de Agostinho Neto, antes da independência de Angola, teve um papel importante na libertação condicional de alguns presos políticos angolanos a cumprirem pena no Campo de Concentração do Tarrafal como, por exemplo, o poeta Luandino Vieira; depois de 25 de Abril, foi nomeado 1.º embaixador de Portugal em Moçambique; last, but not least, fez parte da Comissão de Inquérito ao Campo de São Nicolau.
Nessa entrevista, indagado sobre a responsabilidade do General Soares Carneiro relacionada com o Campo de Concentração de São Nicolau, respondeu o Embaixador Artur de Almeida:
“Quem mandou abrir o inquérito foi o MFA. As ordens foram de Lisboa. Soares Carneiro depois mandou abrir o processo. Mas não foi ele que o criou. Quem o criou, no plano legal, foi Deodato Coutinho. Mas voltemos a Soares Carneiro. Era um fascista puro, muito respeitado na tropa. Inteligente e culto, escapava ao protótipo de militar de carreira. (…) Eu tinha um certo respeito por ele. (…) Soares Carneiro recebeu as directrizes do MFA, uma delas, na sequência de pressões feitas pelo Movimento Democrático de Angola, dizia respeito à Constituição de uma Comissão de Inquérito ao Campo de Concentração de São Nicolau. Claro que Soares Carneiro podia ter sabotado tal iniciativa. Mas foi impecável, dando cumprimento rigoroso às directrizes. Embora não concordasse com o MFA e com a revolução, motivo que o levou a sair” (“Memórias do Colonialismo e da Guerra”, Dalila Cabrita Mateus, edição ASA – 2006).
O mínimo que se pode exigir a quem escreve que “Soares Carneiro não era o militar que acabo de ler” (Artur Cravo) é que não desconsidere, de “pena ao vento”, como diria Eça, o testemunho do Embaixador Alberto de Almeida sobre o General Soares Carneiro com a hombridade de o ter feito em sua vida. Isso exigiu-lhe coragem, justiça e amor à verdade! Soube ele respeitar quem como, o General Soares Carneiro, serviu ideais, ainda que mais ou menos discutíveis, mantendo-se a eles fiéis sem virar a casaca como fizeram militares que se tentaram redimir, depois de 25 de Abril, em falsa penitência, de pecados anteriormente cometidos, entrando de supetão, no comboio em andamento do” Processo Revolucionário Em Curso” (PREC). Razão assistiu à poetisa Sophia de Mello Breyner e destacada personalidade na luta contra o Estado Novo. Escreveu ela: “Entendo que não se pode criar em nome do anti-fascismo um novo fascismo”.
Por abandono forçado de estudos que frequentavam, uns tantos anónimos, combatentes portugueses na Guerra de África, sacrificaram a vida civil ao serviço de uma Nação multissecular que juraram defender, em oposição a outros que são bem conhecidos pelas piores razões como, por exemplo, posição destacada na sociedade económica portuguesa, mercê de rendosos negócios com os antigos territórios ultramarinos/colónias de Portugal. que combateram ou, como preferem dizer, foram obrigados a combater por dever de ofício. No século XIX, Eça, crítico impiedoso dos maus costumes da época, chamava a atenção para o facto de “a prática da vida ter como única direcção a conveniência”.
Aliás nada de espantar, ainda mesmo nos dias de hoje: “Os revolucionários em Portugal já não são o que eram. Agora identificam-se pelos seus fatos listados e telemóveis topo de gama” (Finantial Times, 10/03/2004).