João de Sousa… o profissional da rádio!
Por: Alexandre Ribeiro Franco
Um abraço de milhares de quilómetros, entre dois moçambicanos:
JOÃO DE SOUSA E ALEXANDRE FRANCO!
Se há trabalhos que ao longo dos anos (e nesta profissão já lá vão 42) nos têm dado muito prazer, este é, indubitavelmente, um deles. Até porque no mundo radiofónico só há um João de Sousa. Encontrar alguém que a ele se possa comparar, sinceramente, não conseguimos. Vivemos em Portugal, trabalhámos na Radiodifusão Portuguesa, encontrámos bons profissionais. Jorge Perestrelo terá sido o mais mediático. Fernando Correia e Gabriel Alves (que também começou em Moçambique), terão chegado onde chegaram, mas ainda longe do valor de um João de Sousa. E aqueles que agora lideram as rádios e as televisões desportivas, deixam muito a desejar, como é do conhecimento geral.
O João tem a particularidade de ser excelente tanto no campo radiofónico convencional como no desportivo, como ainda (apesar da sua figura física não ser a de um galã) (julgo estar agora mais cinematográfico do que quando era novo, o que se nota através das fotos apresentadas pelo Samuel Carvalho depois da sua visita a Moçambique) como apresentador em palco, pois quando começava a falar, de imediato conquistava (ou melhor, quando começa a falar, de imediato conquista) (é o que faz o afastamento que já vai em mais de 30 anos) as plateias.
Agora, meus caros amigos, leiam com atenção. Vale a pena!
A 16 de Junho de 1947 nasceu João Baptista de Sousa. Onde começam as tuas memórias, até que idade podes tu retroceder em pensamento… e conta-nos quais as primeiras recordações do ser humano João de Sousa?
Nasci numa clínica que existia na Avenida 24 de Julho, mesmo ao lado do Cinema Manuel Rodrigues. O edifício ainda existe, só que já não é uma clínica. É um condomínio onde vivem actualmente médicos cubanos que trabalham em diferentes hospitais de Maputo. Era segunda feira. A minha infância é passada quase na totalidade na Malhangalene. Ali nasceram e cresceram também os meus dois irmãos. Sou filho dum ajudante de notário e duma doméstica. Foi aí, como aconteceu com muitos, que, mesmo antes da idade escolar, as brincadeiras próprias da época, tomaram conta desse meu tempo de menino, de jovem, de adolescente.
Recordas-te, com certeza, dos primeiros dias de escola (quem não se lembra). Elabora sobre os teus anos como estudante… desde que começaste, até que disseste: Chega!
Porque morava na Malhangalene, naturalmente que os estudos teriam de ser feitos na Escola mais próxima da minha residência. Estudei na Escola João Belo de 1954 a 1957.
Da 1ª à 4ª classe, felizmente, nunca reprovei, e em qualquer dos exames que fiz fui sempre aprovado com a classificação de “muito bom”. Depois disso vem o Liceu Salazar.
A morte do meu pai em 1958, (andava eu no 1º ano) abalou a nossa vida. A minha mãe, até então doméstica, foi obrigada a arranjar um emprego como forma de garantir o nosso sustento, e acima de tudo para permitir que continuássemos a estudar. E assim foi, ao longo de alguns anos. Na situação em que nos encontrávamos, senti que devia arranjar um emprego qualquer, como forma de apoiar. Os estudos ficaram para o período nocturno. Trabalhei na Clínica de Lourenço Marques como empregado de escritório (a Clínica era propriedade da Dra. Ema Machado da Cruz), posteriormente fui trabalhar num armazém de produtos farmacêuticos, e acabei por ir parar, alguns anos depois à Capitania do Porto de Lourenço Marques, como escriturário. Neste percurso todo, herdei dos meus pais duas coisas importantes: o hábito de ouvir rádio e falar mais do que um idioma. O hábito de ouvir rádio deriva do facto do meu pai ouvir com frequência a BBC, numa altura em que eclodia a chamada “Guerra da União Indiana”, a que o regime colonial da época intitulava de “guerra de ocupação dos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu”. Acho que muitos se lembram desse acontecimento da década de 50. Captávamos a emissão da BBC e actualizávamos-nos com os acontecimentos que ocorriam na Índia. Por via disso entrou em mim o interesse pela língua inglesa, que mais tarde se propagou ao francês, e naturalmente o interesse pela rádio.
Depois, e logicamente, a fase de enormes e profundas indecisões sobre… “ e agora, o que vou fazer?!” Ou terá sido mais do género: “Bing, bing, bang, bang” acabei os meus estudos e já sei qual o futuro que pretendo para a minha vida!
Eu, a determinada altura, sabia o que queria fazer. Queria trabalhar na Rádio. Porque o hábito de ouvir era grande, fui assimilando coisas à distância. “Conhecia” os locutores. Imaginava os estúdios e toda aquela parafernália própria duma emissora de rádio. Comecei por participar nos concursos que eram organizados nos programas radiofónicos das “Produções Golo”, até que um dia, enviei uma carta oferecendo-me para trabalhar naquela Agência de Publicidade. Passado algum tempo, já não me lembro quanto, veio uma resposta. E aí… comecei.
A determinada altura eis que surge o João de Sousa na Rádio… Como é que tudo aconteceu?
Acontece como te descrevi há pouco. Uma simples carta enviada, uma resposta positiva, e pronto. Estava numa Agência de Publicidade. Foi em 1964. Mas não pensem que fui logo falar ao microfone. O António Fonseca e a sua esposa Flávia, tiveram o cuidado de me integrar na profissão duma forma paulatina. Eu comecei por dactilografar os textos que os produtores escreviam. Chegou depois a fase de seleccionar as músicas assinaladas e juntá-las ao texto. Depois disso surgiu a fase que para mim se tornou aliciante… entrar nos estúdios do Rádio Clube e assistir à gravação dum programa. O António Fonseca, a determinada altura, sentiu que era chegado o momento de eu fazer uma prova de voz, que deveria ser submetida à Direcção da Rádio. Fiz essa prova e fiquei 2 anos sem poder falar ao microfone, embora tivesse sabido que a prova tinha agradado aos elementos da Direcção do RCM. E não falei ao microfone, por razões que se prendem com a côr da minha pele. Uma aprovação e o imediato início de funções era complicado, porque isso representaria que eu seria o primeiro locutor “não branco” a falar aos microfones duma estação emissora, no seu canal de língua portuguesa. Aqui, mais uma vez, prevaleceu a paciência do António Alves da Fonseca, que foi “engolindo alguns sapos” e gerindo a situação duma forma abnegada. O Rádio Clube ao não permitir que eu falasse ao microfone, por razões que já apontei, ganhou uma batalha, mas o tempo veio a comprovar que não conseguiu ganhar a guerra. E a 13 de Maio de 1966 acabei por ser o 1º locutor “não branco” da estação, especificamente do Canal em Língua Portuguesa.
Quando é que te sentiste realizado na Rádio? Ou será que ainda não consegues “assinalar” esse momento da tua carreira profissional?
Olha, ainda hoje não me sinto realizado, muito embora tenha já 46 anos de profissão, que se completaram exactamente no dia 13 de Maio deste ano. Na vida estamos sempre a aprender. Tecnicamente, a rádio do meu tempo, não é a rádio que se faz hoje. Os avanços tecnológicos são de tal ordem, que um indivíduo está sempre a aprender. Eu, e tantos como eu, são do tempo do gramofone, dos discos de 78, 33 ou 45 rotações, das bobinas de fita magnética, da máquina de escrever, etc. Hoje, tudo isso está no “arquivo morto”. A globalização já trouxe mais-valias que eu não conhecia. Hoje conheço bem melhor, porque todos os dias lido com as novas tecnologias, na preparação dos programas que continuo a realizar. E o curioso de tudo (que de curioso afinal não tem nada) é que, quando me deparo com uma situação de natureza tecnológica que preciso de resolver e não sei como fazer, recorro ao conhecimento do meu filho de 18 anos de idade. Repito: não me sinto totalmente realizado. Estou a aprender todos os dias.
João de Sousa, Claudio Michel (filho) e Aissa (mulher)
Ao entrevistarmos um profissional da Rádio, moçambicano, com uma vida inteira dedicada a missão tão nobre, não podemos deixar de te pedir que nos contes quais os momentos mais felizes da tua já longa carreira, assim como, quais os momentos mais conturbados?
Naturalmente que o momento mais feliz da minha carreira foi o dia em que pela primeira vez peguei num microfone e a minha voz apareceu na rádio. Foi a 13 de Maio de 1966.
Não me esqueço do dia, pelo significado religioso da data, mas também, porque, coincidentemente, o Papa Paulo VI visitou nesse dia o Santuário de Fátima. Aconteceu no Campo João da Silva Pereira, (hoje campo do Maxaquene) que era o terreno de jogo do Sporting de Lourenço Marques, num célebre Sporting – Desportivo a contar para o Campeonato Distrital. Nesse dia não fiz o relato do jogo. Isso aconteceu 2 meses depois. Fui responsabilizado pelo António Fonseca para, de parceria com o Eugénio Corte Real, ler os anúncios publicitários. E essa coisa de ler anúncios na interrupção dum jogo, pode parecer fácil mas não é tanto assim. É preciso sincronismo, entre os diferentes intervenientes na transmissão, para que a leitura do anúncio, não “colida” com uma determinada fase de jogo. É preciso saber encontrar o espaço necessário. Foi assim o meu começo. Lendo anúncios nos relatos desportivos. Dois meses depois, como te disse, comecei a fazer os relatos. Não o relato total porque ainda não tinha o estofo necessário (como qualquer jogador) para aguentar os 90 minutos. Numa primeira fase fazia 15 minutos. Depois passei a relatar 30 minutos e por aí fora. Esse 13 de Maio de 1966 é duplamente feliz, porque, quando cheguei a casa, tinha um lanche à minha espera. A minha mãe, os meus dois irmãos e os amigos da minha rua, (a Rua de Aveiro) tinham-me preparado essa surpresa. E o mais interessante de tudo isso foi quando um dos meus irmãos, reproduziu na altura, um extracto da minha voz, lendo os anúncios. Um extracto que ele tinha gravado, num aparelho que foi comprado pela minha mãe, muito antes de eu pensar em vir a ser um profissional da radiodifusão. É por isso que na memória guardo esse 13 de Maio de 1966, porque constituiu o marco para outras odisseias que foram surgindo ao longo destes 46 anos de radiodifusão.
Outro momento especial foi quando para além dos relatos semanais (de futebol e basquetebol) passo a fazer programas. Isso aconteceu em 1968. Comecei com o “bondiazinho”
de parceria com o Eugénio Corte Real, (infelizmente já falecido) e a partir daí passei a fazer outros programas da GOLO,
com destaque para o “guiando e ouvindo música”, ou o “extensão dez”. Quando ingresso no Rádio Clube (em 1974) um momento marcante foram as reportagens directas que fiz, fora da área desportiva, como por exemplo, a cobertura dos acontecimentos relacionados com a Independência de Moçambique, as Cimeiras dos Chefes de Estados Africanos da África Austral, as visitas oficiais de Chefes de Estado de visita a Moçambique, etc.
Na área desportiva, trabalhando no Rádio Clube fiz as reportagens em directo das participações de Moçambique em eventos internacionais. Eu fui, por exemplo, o primeiro repórter a acompanhar as nossas Delegações aos Jogos Africanos de Argel (1978),
aos Mundiais de Hóquei em Patins, em 1978 na Argentina,
aos Jogos Olímpicos de Moscovo (1980),
na Liga dos Clubes Campeões em futebol, na Fase Final da Taça das Nações Africanas (Egipto – 1986)
e na Liga dos Campeões Africanos de Basquetebol em masculinos e femininos.
Não posso deixar de referir aqui, como um dos momentos marcantes da minha vida radiofónica, a ida a Portugal, em 1973, em gozo da “licença disciplinar”. Aproveitei os 3 meses de férias para fazer relatos de futebol do Campeonato Nacional de parceria com o Paulo Terra e com o seu irmão Vítor Sérgio, que na altura eram os Correspondentes das Produções Golo em Lisboa. Relatei jogos dos grandes clubes portugueses (Benfica, Sporting, Porto), fiz a cobertura completa para Moçambique da festa de despedida de Costa Pereira, no jogo realizado no Estádio da Luz entre o Benfica e o Real Madrid e já depois da independência de Moçambique acompanhei a deslocação do jogador Chiquinho Conde, que acabava de se tornar profissional de futebol, ingressando no Belenenses. Foram alguns momentos importantes que constam da minha “folha de serviços” destes 46 anos de rádio.
Rádio convencional… Rádio Desportiva… Programas como “Bondiazinho”, “Guiando e Ouvindo Música”, “Roteiro Sonoro”, Relatos de jogos de Futebol, de Basquetebol, de Hóquei em Patins… Programas desportivos… Muita preparação… Muito improviso… Conta-nos o que, repentinamente, te vem à cabeça.
Olha, muito improviso sim, mas acima de tudo muita preparação e organização. Considero que estas são duas componentes importantes para o exercício de qualquer actividade. Aprendi muito cedo a ser organizado. Herdei isso dos meus pais, e com eles aprendi que organização é fundamental seja para o que fôr. Se um dia alguém me der o prazer duma visita (agora em casa) não encontrará o meu local de trabalho desarrumado. Verificará que nada está fora do lugar. O mesmo acontece quando estou em estúdio. Se a organização é necessária, a planificação também é.
Com Eugenia Maria e Zito Pereira
Eu nunca vou para um estúdio sem me preparar convenientemente. Nem sempre escrevo tudo o que tenho de dizer. Tomo notas essenciais sobre os temas que vou abordar. Decoro se fôr caso disso. Memorizo. E felizmente, pela via dos relatos desportivos, tive (e ainda continuo a têr) muita facilidade em memorizar. Eu faço programas dos mais variados. De perfis e conteúdos bem diferentes uns dos outros. Nestes casos é importante saber como nos devemos posicionar perante o ouvinte, tendo em conta o tipo de programa que realizo. Eu explico melhor: a forma de locução e realização duma emissão desportiva não é a mesma duma emissão de outro cariz. O improviso é uma das coisas que mais me fascina. Tenho gosto pelo improviso, e tenho até orgulho em dizer que sei improvisar. Mas, contrariamente ao que muitos profissionais possam imaginar, o improviso prepara-se. Há técnicas para isso. O improviso tem uma relação muito directa com a memorização.
Com Evelyn Martin – ex locutora do LM Radio
Lamento que hoje, alguns profissionais se percam nos seus improvisos, ou porque não têm capacidade para improvisar mas teimam em fazê-lo, ou porque querem improvisar sem se prepararem. Uma das questões da tua pergunta tem a ver com a rádio convencional. Eu pessoalmente, quando necessário, vou por esse caminho, quanto mais não seja para “mostrar” aos mais novos os modelos e princípios que regem uma realização radiofónica. Mas o mundo muda e como tal, as técnicas também mudam.
Nos programas que ainda produzo, nos meus trabalhos de reportagem, nas entrevistas que faço, nos debates que organizo, procuro ser exigente comigo mesmo, porque, felizmente, eu não abdico de qualidade.
Muito logicamente temos que entrar num campo delicado, mas ao qual não podemos fugir por ser uma das grandes realidades das nossas vidas. O passado (antes da Independência de Moçambique), o período de adaptação à Independência… e o pós-Independência., Quem foi o João de Sousa, antes, durante e depois, estamos certos de que terá sido a mesma pessoa, o mesmo profissional. Contudo, as circunstâncias que rodearam o João de Sousa, homem e profissional, essas foram muito diferentes. Sabemos que viveste uma fase difícil da tua vida. Constou, inclusivamente, que estiveste preso… que foste vítima de uma adaptação e de uma transformação que levou muitos anos a encontrar o caminho ideal. Muitos foram aqueles que não conseguiram suportar o que então aconteceu (e refiro-me a moçambicanos, como tu, nascidos nessa maravilhosa terra, que ficaram sem nada). Este será, provavelmente o episódio mais sério e mais “perigoso” do “filme” a que nos referimos, mas por sabermos que Faz parte integral da tua vida, como homem e como profissional, gostaríamos que não optasses pela situação mais confortável, do género “prefiro não entrar por aí… “ ou “prefiro não recordar essa fase da minha vida”… Sei que te vai obrigar a lutares com as tuas entranhas, mas queremos que este seja o capítulo mais importante e de maior impacto nesta entrevista. Abre o “teu” livro..
Bom, a questão da adaptação a sistemas é uma questão que está latente em quem sofre o efeito da mudança. Eu passei por esse efeito. Violento, por vezes, difícil de engolir em alguns casos, porque o período após a independência de Moçambique obrigava que política se sobrepusesse ao conhecimento técnico-profissional. Eu soube sempre tornear essa situação (que nos foi imposta) e não me deixei amedrontar por aquilo que eu considerava serem decisões absurdas. Fazer rádio só tem uma forma de ser feita, desde que saibamos obedecer aos padrões já estabelecidos há muitos e muitos anos. Eu pessoalmente não sofri na pele esse problema de adaptação. Quem tinha que se adaptar eram aqueles que entraram em 1975 para as diferentes carreiras profissionais. Sofri na pele outras coisas, que são por vezes caracterizadas por incompreensões, por conotações, por actos de racismo, etc. Mas soube sempre ultrapassar tudo isso. E fi-lo duma forma normal e natural, “refugiando-me” sempre no meu conhecimento técnico-profissional.
E quando assim acontece, acredito que quase não se nota o que mudou à nossa volta. Naturalmente que é preciso um trabalho de adaptação. Mas quando se tem a base necessária, esse processo torna-se menos difícil. Num momento da tua pergunta, dizes (e eu cito) “Constou, inclusivamente, que estiveste preso”. Estive preso sim senhor. É um episódio que vou contar pela primeira vez com algum pormenor, embora muito poucas pessoas saibam as circunstâncias em que essa triste situação aconteceu na minha vida, nomeadamente o António Alves da Fonseca, a sua esposa Flávia e os meus dois irmãos. Foi no dia 7 de Setembro de 1974. Eu estava nas instalações do Rádio Clube, preparado para entrar em emissão às 15.00 horas. O programa chamava-se “Roteiro Sonoro”. Era um programa de carácter musical, que era transmitido uma vez por semana, aos sábados. Quando cheguei à Rádio verifiquei um movimento fora de vulgar de pessoas no exterior do edifício. Quando me preparava para ir ao estúdio, um dos responsáveis da área técnica (o saudoso Eduardo Pereira) diz-me “eh pá João, não sei se vai haver programa”. Fiquei sem saber o que fazer. Não podia recorrer ao António Alves da Fonseca, para saber o que fazer, porque ele estava em Lusaka, como um dos enviados especiais da Rádio na cobertura da assinatura do Acordo de Lusaka.
Fiquei quieto no meu canto, à espera de mais desenvolvimentos. Passados poucos minutos vim a saber que o programa não seria transmitido. Volto ao rés-do-chão do edifício. Queria sair, mas não podia, tal era o turbilhão de gente (alguns armados) que gritavam palavras de ordem e incitavam tudo e todos a seguirem as instruções que já estavam a ser emanadas por alguém, que na altura, tal era a confusão, não consegui descortinar. As portas do edifício estavam fechadas. Os porteiros de serviço aconselharam a permanecermos no edifício, pois caso contrário poderia gerar-se um confronto desnecessário, entre manifestantes e profissionais. Do lado de fora já estava uma força militar. Um alferes que me conhecia, fazendo-me sinais do lado de fora, pediu-me para não sair, porque os manifestantes estavam a preparar-se para entrar no edifício. De repente uma das portas do edifício é forçada por um grupo de manifestantes. Simultaneamente é lançada uma granada de fumo no corredor do rés-do-chão do RCM. Foi uma invasão total. Um verdadeiro caos. As pessoas que entraram estavam armadas. Um grupo, que posteriormente vim a saber que assumia o comando da operação dirigiu-se à Sala da Direcção e aí instalou o seu “estado-maior”. Alguns deles ocuparam o estúdio da Emissão “A” (de língua portuguesa) esquecendo-se que naquela altura funcionavam outros canais, nomeadamente a Estação B (LM Rádio) e a Voz de Moçambique (língua changane e ronga). E foi a partir do estúdio da emissão em língua portuguesa que foram sendo lançadas mensagens com pedidos de apoio a um tal “Movimento de Moçambique Livre”.
Como resultado dessa invasão, os que estavam no interior da Rádio não podiam sair. Nos quatro cantos das cabines, nos corredores de acesso aos estúdios, nos Serviços Técnicos, estavam pessoas armadas, que controlavam os movimentos de todos os funcionários da estação. Nós, os locutores fomos obrigados a subir e a concentrarmo-nos numa zona próxima da área técnica, porquanto era a área vital da radiodifusão. Era inevitável que nos obrigariam a falar. E assim decidiu o tal “estado-maior”. E foi assim que, um a um, consoante as necessidades, fomos colocados nas cabines. O nosso papel era ler mensagens que chegavam de apoio ao movimento, e tocar o Hino Nacional Português, de meia em meia hora. Eu lembro-me que estive no interior da cabine até as 10 horas do dia seguinte. Os poucos profissionais que ali se encontravam, não sabiam bem como se livrar daquele pesadelo. Estávamos todos, locutores e técnicos, ameaçados com armas de fogo.
Aqui neste processo de ocupação do Rádio Clube há um caso importante que considero oportuno contar. A emissão da Voz de Moçambique, em língua ronga e changane, foi mantida “no ar”. Era necessário utilizar aqueles dialectos, para fazer passar as tais mensagens de apoio ao movimento rebelde, porquanto esse era o canal que atingia a maior parte da população. Era por aí que as mensagens teriam maior impacto. Na cabine da Voz de Moçambique estava de serviço a locutora Joana Mariana. Quando lhe eram entregues as mensagens, ela pura e simplesmente não as traduzia tal como estavam escritas em português. Ela adulterava o conteúdo. Ela passava as suas próprias mensagens, chamando a atenção da população para o que de horrível estava a acontecer no interior da estação, e um pouco por todo o lado. Eram mensagens que apelavam à calma e organização da população. Como poucos ou nenhuns percebiam ronga ou changane, ninguém deu pelo truque utilizado pela Joana Mariana. Eu tive que permanecer na rádio até à manhã do dia seguinte. Para sair da Rádio utilizei como justificação o facto de ter de me deslocar a casa para “tomar um banho e voltar”. Claro que não voltei mais. Quando cheguei a casa, reuni-me com os meus irmãos. Decidimos que nos devíamos separar. Fomos passar os dias subsequentes em casa de amigos nossos da zona da Malhangalene. Só regressámos a nossa casa no dia 11 de Setembro, exactamente no dia em que a Rádio voltou a funcionar normalmente, depois de ter sido ocupada por militares que dispersaram a multidão e assim se deu por abortada a tal intentona do 7 de Setembro.
Voltei ao trabalho no dia 12 de Setembro, porque era preciso retomar o processo normal de produção e gravação dos programas da GOLO, depois de alguns dias de interrupção. Fui fazendo o meu trabalho normalmente. No dia 21 de Dezembro de 1974, entra-me pelos estúdios da GOLO um elemento da PJ que me pediu que o acompanhasse ao Gabinete do Alto-comissário. A única coisa que fiz naquela altura foi avisar a Flávia Fonseca do que estava a acontecer. Entrei no carro do agente da PJ e eis que a viatura toma a direcção da Cadeia Civil e não do Gabinete do Alto-comissário. Fui metido numa cela, alegadamente por ter participado no “movimento do 7 de Setembro”. Permaneci 7 dias enclausurado. Na tarde do dia 27, estava no pátio da cadeia (era dia de visita) a conversar com o António Fonseca e com os meus dois irmãos, quando um agente policial me pede para eu me dirigir aos escritórios da cadeia. Fui interrogado pela primeira vez por Jacinto Veloso, membro da Comissão Militar Mista por parte da Frelimo. Fez-me perguntas várias, mostrou-me vários álbuns de fotografias tiradas no dia 7 de Setembro no interior e exterior do edifício da Rádio e perguntou-me se conhecia algumas das pessoas que estavam nessas fotos. Uns conhecia, outros não. Depois de ver as fotos, Jacinto Veloso disse-me: “pega nas tuas roupas… podes sair, estás em liberdade”. Saí, mas antes disso pedi que enviassem um documento a quem de direito, dando conta que estava ilibado de qualquer culpa em relação a esse movimento. Sete dias depois de ter sido liberto, o Rádio Clube recebeu o documento que tinha solicitado. E nele se diz que “o senhor João de Sousa pode retomar as suas funções como locutor”. Ainda hoje guardo religiosamente essa carta nos meus arquivos pessoais. E foi assim a história da minha prisão.
António Alves da Fonseca… Quão importante foi ele na tua vida?
António Alves da Fonseca é sem dúvida o meu “pai” na radiodifusão. Repara que eu digo “é”. Mesmo hoje, com os meus 46 anos de carreira, falo regularmente com o Tonecas, como por aqui é carinhosamente tratado. E ainda hoje, nas nossas conversas (sempre longas) bebo dele os ensinamentos que ele guarda consigo. Foi a pessoa que, a partir duma simples carta, me encaminhou para este mundo fascinante da radiodifusão. Foi o professor, foi o amigo. Foi (e ainda continua a ser) o crítico. Por mim passaram pessoas mais velhas do que eu na radiodifusão. Mas manda a verdade dizer que nenhuma delas se compara ao António. Por tudo quanto apontei. Pela sua simplicidade. Pela sua vontade de ensinar. Pela sua forma de compreender os problemas.
Se hoje sou o que sou na radiodifusão moçambicana, ao António Alves da Fonseca e à sua esposa Flávia Fonseca o devo. Tomara que muitos dos profissionais que hoje temos, tivessem tido no seu percurso o nome do António. Eu tive essa felicidade e por isso, aos dois, estou eternamente agradecido.
Sabes bem quão importante ele (António Alves da Fonseca) foi na minha vida… e apesar de ser eu o entrevistador, quero que saibas que tu foste, és… e continuarás a ser o melhor profissional com quem eu jamais trabalhei em termos radiofónicos. Não estou a fazer uma afirmação gratuita e muito menos à espera de uma resposta que possa ser baseada numa reciprocidade que não procuro (já estou demasiado velho para esse tipo de elogios), mas gostaria que recordasses esses anos maravilhosos em que trabalhámos juntos. Eu nunca me poderei esquecer do maior estímulo que tive na altura. Fazíamos um relato de um jogo de basquetebol no Pavilhão do Sporting, quando o Sampaio, que tinha acabado de chegar do norte de Moçambique (julgo que de Nampula) e estava nos estúdios do RCM, te perguntou (no ar): João de quem é essa nova voz? E tu respondeste, é o Alexandre Franco… para ele, logo de seguida, no ar, ter afirmado: “Ele é mesmo bom!” Na altura fiquei todo babado… Tu nunca precisaste desse tipo de incentivo, ou será que também aconteceram coisas do género… Conta.
Lembro-me desse dia como se fosse hoje. Foi num jogo no Pavilhão do Sporting. E recordo-me do Sampaio e Silva, (tinha sido transferido de Nampula para Lourenço Marques) que em plena emissão fez essa pergunta, a teu respeito. Foram momentos maravilhosos, esses dos nossos encontros nos Pavilhões, pelo simples facto de ter tido a possibilidade de realizar uma parceria radiofónica com alguém que sabia o que era basquetebol. Hoje, assisto a coisas incríveis, de colegas meus que relatam, sem o mínimo conhecimento das regras de jogo. Connosco (eu e tu) isso não acontecia. Tudo saia perfeito. Nos relatos, nos comentários, nas análises e até com as estatísticas que fornecíamos aos nossos ouvintes depois de terminado o jogo, numa altura em que tínhamos que nos preocupar com o relato, mas também em apontar o número de pontos, as faltas, substituições, etc. Hoje, com os meios informáticos e com uma equipa de apoio, fazer isso é canja. Naquele tempo era uma aventura. E nessa aventura nos metemos. E acho que nos saímos bem.
João de Sousa no estúdio da Rádio Moçambique
Como tem progredido a Rádio Moçambicana desde a Independência de Moçambique, até ao dia de hoje? Qual a imagem da Rádio Desportiva actual? E qual tem sido a evolução do João de Sousa em redor dessas imagens, o progresso ou retrocesso de determinadas situações, ou única e simplesmente o progresso?
Outra coisa não seria de esperar que não o progresso duma emissora de referência em Moçambique e não só. Naturalmente que se viveram momentos de angústia, de desolação, de incertezas quanto ao nosso futuro radiofónico, já que, a quase totalidade dos profissionais deixou Moçambique. Foi preciso realizar um esforço enorme, de modo a colocar a rádio nos parâmetros de qualidade a que o público estava habituado. Nem sempre foi fácil. E neste processo, houve de tudo um pouco. Oportunismos, desconfianças, nepotismo, enfim, aquelas coisas todas que acontecem num processo de transição.
João de Sousa fazendo o relato de futebol no estádio da Machava
Hoje, volvidos estes 37 anos de Moçambique Independente assinalo com prazer um importante avanço tecnológico. Aumentou o raio de cobertura para um total de 100% sobre o território nacional, valor percentual que permite a audição nas melhores condições, em qualquer ponto do País, bem como nos países limítrofes da região. Continua a haver um esforço no capítulo de formação para os profissionais das diferentes áreas da radiodifusão. É pois com agrado que verifico termos assumido, como empresa de serviço público da radiodifusão, o nosso papel, num país que vai tentando consolidar paulatinamente os seus níveis de desenvolvimento. No campo a informação desportiva há um salto qualitativo. A existência dum canal que trata especificamente de matérias desportivas, em 24 horas de emissão diária, (RM DESPORTO) é a resposta aos anseios dum público ávido pelas coisas do desporto. Devo dizer que este é o único canal especializado em desporto no espectro radiofónico moçambicano. No que me toca, tenho sabido “navegar” neste mundo actual da radiodifusão sem problemas, mesmo considerando que ainda há muito a fazer, particularmente na melhoria da qualidade da sua programação.
Numa nota mais leve… Laurentinas e Camarões à Costa do Sol… e ainda umas valentes Cariladas de Camarão… Transmite para o papel o que nos dias de hoje encontras no Maputo… Isso, cria essa “raivinha” a todos quantos vão ficar cheios de inveja ao lerem a tua descrição da forma como continuas a saciar esses “apetites”.
É. Acredito que faça “raivinha” a muito boa gente. Por cá, independentemente das transformações operadas (umas melhor que outras) este povão não perdeu os hábitos das guloseimas, dos petiscos, das farras de fim-de-semana, das longas reuniões familiares, onde os almoços se prolongam até à hora do jantar. Onde a 6ª feira é apelidada de “dia dos homens”. Quem por cá passar, vai encontrar tudo isso. Felizmente esse hábito permanece. E ainda bem que assim é.
Comemorando os 65 anos de idade…
Já agora diz-nos, até porque és a pessoa mais habilitada para o fazer… Como está o Basquetebol Moçambicano actualmente? Como é que se perdeu valor em relação ao Basquetebol masculino, e se melhorou tanto no basquetebol feminino?
Vou responder a esta tua pergunta duma outra forma. Tu sabes tão bem ou melhor do que eu, que a actividade desportiva não está dissociada de outros factores que promovem o desenvolvimento. E esse desenvolvimento não se faz sem uma directiva concreta, que, em termos constitucionais existe, mas na maior parte dos casos fica no papel. No nosso tempo Mocambique era terreno fértil para a iniciação desportiva. Nas escolas e nos bairros. Hoje isso não acontece. E não acontece porque, principalmente para as famílias mais carentes, há outras prioridades, num país onde a pobreza, as desiguldades sociais, a necessidade de mantêr o cinto permanente apertado, são o pão nosso de cada dia. Imagina o caso de muitos pais que permitem que os seus filhos deixem de estudar, para ir vender nos “dumba-nengues” (mercados informais), ou à porta da própria casa. É preciso conseguir uns trocadinhos para o sustento diário. Por tudo isto é fácil perceber os problemas que temos no basquetebol, no futebol, no atletismo, no hoquei em patins, na natação, etc. Vivemos de balões de exigénio. E quando o oxigénio acaba, acaba-se o sonho. O sonho de podermos dar continuidade aos sucessos que conseguimos alcançar antes de 1975.
Mesa redonda com veteranos do basquetebol moçambicano (RM DESPORTO – Abril de 2005)
Os que hoje ainda praticam algumas dessas modalidades que citei, têm condições para isso. Pertencem a uma classe média da sociedade. E os que estão abaixo dessa classe (a grande maioria), que fazer deles ? Ignorar que existem ? Onde ficou o chavão que diz “desporto para todos” ? Fica nos discursos oficiais e daí não passa. Que dizer dos Jogos Escolares, que deviam ser a paltaforma de lançamento para as modalidades federadas ? Estes jogos, que se realizam de 2 em 2 anos não conseguem chegar aos objectivos para os quais foram preconizados. Destacam-se valores que depois não são acompanhados. Infelizmente em Moçambique alguns dirigentes políticos continuam a vêr nas nossas participações internacionais como sendo uma forma de “trocarmos experiências”. Esse tempo já lá vai. Para esses a palavra GANHAR foi excluída do dicionário desportivo. Deixa-me abrir um parentesis para te dizer o seguinte: estive recentemente em Maputo, de férias. Convidaram-se a ir visitar as instalações desportivas da Escola Secundária Francisco Manyanga (antigo Liceu António Enes). Não acreditei que no estava a vêr. Tudo partido. Tudo degradado. Como queres que se faça desporto escolar com este tipo de infraestruturas ? Exemplos destes há aos montes no nosso Moçambique. E quanto mais se afasta das grandes cidades, mais o problema se agudiza.
E o Futebol… Antigamente reconhecia-se a impossibilidade de um campeonato de Moçambique na verdadeira acepção do termo. Tínhamos os Campeonatos de Lourenço Marques (agora Maputo), da Beira, de Quelimane, de Nampula, de Tete e pouco mais. Depois entrávamos numa fase de Campeonatos divididos por províncias, como o do Sul do Save, onde se envolviam equipas do Xai-Xai, de Inhambane… e acabávamos com um fim-de-semana em jeito de Torneio Quadrangular para se apurar o Campeão de Moçambique. Agora, como é?
De entre o grupo de modalidades prioritárias em Moçambique, à cabeça (e outra coisa não seria de esperar) aparece o futebol.
João de Sousa em Lisboa com Eusébio e Chiquinho Conde
Semi-profissionalizado, ou profissionalizado, como queiram, que, em termos de organização de campeonatos, na chamada prova nacional, utiliza o sistema de “todos contra todos” em duas voltas. Era impensável fazer isto há alguns anos, pelas dificuldades por todas conhecidas. Hoje as condições são outras. O advento da paz permite a utilização dos meios rodoviários para as deslocações. Isso acontece em relação aos Seniores, porque noutras categorias, não é assim. Não há capacidade para realizarmos nos mesmos moldes um “nacional” de juniores ou juvenis. Nestas categorias caminha-se por estágios, tais como Campeonato de Cidade, Campeonato Provincial e posteriormente uma Fase Nacional que aglutina os vencedores das chamadas “fases zonais”. Tal como noutras partes do mundo aqui o Campeão Nacional de Seniores tem acesso imediato à Liga dos Campeões e o vencedor da Taça de Moçambique representa o País na Taça da Confederação. No futebol a diferentes níveis Moçambique participa no Torneio da Cosafa (países da região austral de África) bem como nas provas organizadas pela CAF (Liga dos Campeões, Taça da Confederação, Campeonato Africano das Nações).
É esta a fórmula que se utiliza em Moçambique no que ao futebol diz respeito. Em termos de qualidade futebolistica não vamos nada bem. Já lá vai o tempo em que derrotávamos facilmente equipas nacionais dos paises vizinhos como por exemplo Lesotho, Botswana, Swazilândia, Madasgascar, Comores, etc. Agora isso não acontece. O nosso desporto rei anda embrulhado em polémicas de toda a ordem. De árbitros que segundo se diz “fabricam resultados”. De treinadores que se insurgem. De chicotadas psicológicas. Enfim …
Em termos dos melhores atletas moçambicanos que conheceste ?
Foram muitos. Difícil se torna enumerar todos aqueles que ao longo da minha vida profissional deram glórias a este País. Do lote imenso de desportistas (também amigos pessoais) quero destacar quatro: o saudoso Fernando Adrião no Hóquei em Patins, o Mário Albuquerque no Basquetebol, o Cândido Coelho no Atletismo e o Carlitos (Cadeca) no futebol, este último meu vizinho na Malhangalene, e que jogou no Sporting Clube de Portugal.
Estranhei que não tivesses feito referência a Fernando Lage, e porque já escrevi no semanário que publico em Toronto, sem a menor hesitação, que em termos de mundo de Língua Portuguesa, os melhores de sempre, são: No Hóquei em Patins: Fernando Adrião; no Basquetebol: Mário Albuquerque… e no Futebol: Fernando Lage. Diz-me porque omitiste o nome de Fernando Lage?
Não vi Fernando Lage jogar, talvez por isso a omissão. Mas isso não invalida que o coloque no pedestal a que tem e sempre teve direito. Pelo que me dizem dele, pelas crónicas que fui lendo de outras épocas, Fernando Lage é sem dúvida um dos que deve figurar no quadro dos melhores.
A 13 de Maio… na Cova de Iria… deu-se o milagre de Fátima. A 13 de Maio de 1966 deu-se o “milagre” João de Sousa”. 46 anos de carreira. Meu Deus, como os anos voam… Sentes que ainda tens muito para dar aos moçambicanos? Julgas que é chegada a altura de “pendurares as botas”? Quais os teus planos?
Pendurar as botas, para já, ainda não. Pelo menos enquanto tiver saúde e capacidade para continuar a dedicar o meu tempo à radiodifusão. Estou reformado desde o dia 1 de Abril deste ano (parece mentira mas não é). Independentemente desse facto continuo a colaborar com a Rádio Moçambique na produção e apresentação de 3 programas semanais, de 60 minutos cada. “Fio da Memória” aos domingos às 20 horas, “História das Músicas” às terças feiras às 22 horas e “Coisas da Bola” às quintas feiras às 09 horas. Reformou-se o funcionário do Estado, mas a minha voz, essa, pelo menos por agora, ainda não atingiu a idade da reforma.
Todos quantos labutam em prol desta causa que dá pelo nome de “BigSlam”,
o ponto de convergência mundial de todos os moçambicanos que de algum modo estiveram (ou estão) ligados ao desporto moçambicano, querem saber mais e mais do João de Sousa (o homem, o profissional, o benfiquista, o moçambicano)… o que poderemos fazer para que tu acabes por nos contar um “episódio” muito teu, ao qual ainda não tenhas feito qualquer referência e que possas compartilhá-lo com todos aqueles que estão sempre contigo? “Chuta”…
Aqui fica um episódio de 1968, no ano em que, depois de me ter iniciado nos relatos, comecei a fazer programas de estúdio. Fazia na época o “bondiazinho” de parceria com o Eugénio Corte Real. Quase no final da emissão o porteiro do Rádio Clube liga para o átrio dos estúdios (é proibido ligar directamente para o estúdio) e diz ao coordenador das emissões em serviço que “diz lá ao João que está aqui uma senhora que quer falar com ele”. Recebi o recado e pedi que a senhora me esperasse, porque no final do programa falaria com ela. Terminada a emissão desci e perguntei ao porteiro quem era a pessoa que queria falar comigo. Ele apontou para uma senhora. Dirigi-me a ela, apresentei-me e procurei saber em que é que lhe poderia ser útil. Ela fitou-me de baixo para cima e disse-me o seguinte: – afinal o senhor não é “branco” ?”. E dito isto a senhora (já na casa dos 45/50 anos) deu meia volta e foi-se embora. Olhei para o Eugénio Corte Real… desatámos os dois à gargalhada.
João de Sousa, quero que saibas que foi para mim, um colega da mesma profissão, que deu os primeiros passos pela tua mão, mas que, por razões que nos ultrapassam hoje cumprimos profissões idênticas em extremos opostos do globo terrestre, uma honra e um prazer ter a possibilidade de realizar este trabalho. Daquelas missões que em termos financeiros teria um valor incomensurável, mas que entre dois “jovens” embriões da mesma semente, acontece com uma fluência indescritível de grande estima e consideração. Obrigado… Khanimambo… ou como agora digo neste maravilhoso país que é o Canadá e que me acolheu de braços abertos há mais de 30 anos… Thank You. Merci.
Um abração.