Sem depois – Mia Couto
Todas as vidas gastei
para morrer contigo.
E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.
Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só meus dedos murcharam, decepados.
Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só meus olhos
se desfizeram, redondas cinzas.
Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?
Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.
Todas as mortes gastei
para viver contigo.
Mia Couto – Poeta Moçambicano
5 Comentários
Admin
Kanimambo pela partilha da vossa opinião sobre este poema e pela sugestão deixada pela Clara Van Zeller sobre o livro “Terra Sonâmbula” do mesmo autor.
Clara Van Zeller
Muito,muito bonito este poema. Grande escritor
Aliás, adoro a forma como ele desconstrói para construir de novo palavras novas
que vão no sentido original das mesmas.
Já agora, não deixem de ler a Terra sonânbula do mesmo autor.
Retrata o ambiente da guerra cívil e a flagelação, pelos grupos
bandidos armados, das populações
isoladas no mato, fora das grandes cidades.
Portanto, o sugimento de órfãos e outras pessoas solítárias, isoladas
de quaiquer contactos dos seus locais de origem.
Contudo, são nestas situações em que também surgem solidariedades insuspeitas como a que une personagens do livro.
Clara
Zé Mota.
Não sei quando foi escrito, mas sinto-o como uma homenagem ao pai, recentemente falecido …
Wanda Serra
SIMPLESMENTE MARAVILHOSO!!!!!
WANDA
ALFREDO CARLOS RANGEL
MIA COUTO É PURA SENSIBILIDADE.