“O Adamastor”
PARA MEMÓRIA FUTURA: SIMPLES OPINIÕES E FACTOS DEVIDAMENTE FUNDAMENTADOS SOBRE O 25 DE ABRIL
“Onde Sancho vê moinhos / D. Quixote vê gigantes. / Vê moinhos? São moinhos. / Vê gigantes? São gigantes” (António Gedeão).
Como li de um anónimo, “recordar é compreender”. Recordemos, pois, a génese e as consequências do 25 de Abril colocando-me eu na situação de quem testemunhou em Moçambique os trágicos acontecimentos decorridos durante o respectivo governo de transição, sob a administração conjunta de Joaquim Chissano e de um oficial da Marinha de Guerra Portuguesa de triste memória, de seu nome Vitor Crespo, que em contraste com o tacto político e humano de Chissano, estava sempre disposto a criar entraves à solução dos problemas angustiosos do dia-a-dia dos portugueses prestes a deixar a terra onde tinham feito a sua vida.
Trágicos acontecimentos que chacinaram e mutilaram milhares de vidas humanas e que julgo perdurarem na memória dos “retornados” com razões de sobra para repudiar, agora, o injusto apodo de “desmemoriados da História” por, na sua grande maioria, dela terem sido intérpretes com as suas cicatrizes indeléveis de uma pungente e agridoce saudade. Um história em que, quer se queira ou não, “o tempo passado e o tempo presente fazem parte do tempo futuro”, nas palavras de T.S.Elliot.
Nada melhor, para a compreensão desses acontecimentos, vistos de forma diferente pela jornalista Ana Cristina Leonardo e pelo tenente-coronel João Brandão Ferreira, que deixar ao leitor a tarefa de cotejar as respectivas perspectivas sobre o 25 de Abril para poder extrair de motu proprio as devidas ilações isentas de qualquer sombra de maniqueísmo. Para o efeito, reproduzo os dois textos:
- Desmemoriados da História», por Ana Cristina Leonardo (in Expresso,18/Abril/2014):
«Isto afinal terá sido tudo um grande equívoco. Como naquelas peças teatrais em que há sempre gente a aparecer e a desaparecer de cena. Segredos, mal-entendidos, quiproquós. Comédia de enganos. A miséria nunca existiu. A guerra nunca existiu. A PIDE nunca existiu. Se descontarmos o facto de não se poder falar de politica (e quem é que quer falar de política?), até nem seria mau. Não havia barbudos (apesar das mulheres terem bigode), não havia greves no Metro (e isto depois de aparecer o Metro, lá para 1959…), não havia crianças obesas (e quem é que vai engordar com uma carcaça de marmelada, que doces só em Badajoz?). A paisagem era paradisíaca. É verdade que muitos estrangeiros notavam as gentes de pés descalços, a falta de esgotos, a escassez das estradas, a rudeza do trato. Mas o que é isso comparado com a virgindade de um planalto com vista, ou bucolismo de uma praia sem ninguém à vista? Machismo? Mulheres maltratadas, humilhadas, espancadas? Ora! O José Cardos Pires foi um excelentíssimo exagerado quando escreveu “O Delfim”. Fome? Corrupção? Ora! Então não eram os políticos de antanho mais sério do que os de hoje em dia, que aquilo de passarem do governo da nação para o governo dos bancos era por mérito e aptidões comprovados? A fazer 40 anos o 25 de Abril –e já faltou mais para chegarem aos mesmos do 5 de Outubro (tudo morto e enterrado, incluindo esta que vos escreve) -, eis-nos enfiados de cabeça no caldeirão revisionista da História. E se antigamente era mote de taxista, o “antigamente é que era bom”, pois agora até Durão Barroso veio lá da Europa lembrar a cultura de excelência dos tempos da outra senhora. Evocou o homem os princípios de “exigência, rigor, disciplina, trabalho” (que ele recorda perfeita e naturalmente, do alto dos seus 58 anos), a um passo de tropeçar, não fora a réstia de decoro que compõe a falta de vergonha, no “Deus! Pátria! Autoridade!” e assim sucessivamente, como diria o João César Monteiro, que sempre era um bocadinho mais velho. Quanto ao analfabetismo disse nada, e sempre atingia quase 30%, corria a década de 70, andava o Durão Barroso no Liceu Camões, esse Olimpo de excelência a que acediam os eleitos, que isto da democracia sempre era uma chatice que “uns safanões dados a tempo” substituíam com evidente eficácia, garantia sabiamente Salazar. E assim chegámos aos 40 anos da data.
Classistas como sempre, retrógrados e sem memória.»
- Perguntas nunca respondidas nos 40 anos de “Abril”, pelo tenente-coronel João José Brandão Ferreira, (in blog “O Adamastor”, 14/Abril/2014):
“O inconseguimento de eu estar num centro de decisão fundamental a que possa corresponder uma espécie de nível social frustracional derivada da crise” (Assunção Esteves, Presidente da Assembleia da República, TSF, em 7/1/2014).
“Passados 40 anos após a última grande esquina da História de Portugal, já deveria ter havido o discernimento, o bom senso e a vontade (que deles deriva), de fazer uma análise histórica – nas suas diferentes dimensões, nomeadamente política, estratégia, económica/financeira, social e cultural – de todo o período abrangido e que englobasse, para facilidade de entendimento e exposição, três períodos distintos:
– O período da última fase do Estado Novo, por exemplo desde o início do consulado do Professor Marcello Caetano;
– O período que começa com a acção militar no dia 25/4/74 – suas causas e execução – e por todo o período conturbado, conhecido por “PREC” e termina em 25/11/75;
– O período posterior até aos dias de hoje, e suas consequências.
Como tal não foi feito (e o que foi feito deixa muito a desejar) e não será feito a breve trecho, vamos cingir-nos a elaborar um conjunto de questões, que falam por si, independentemente do juízo que se intente fazer sobre elas.
São também as respostas às perguntas formuladas, que ajudarão, um dia, a escrever a História que deve ficar para o futuro e não aquela que insistentemente nos têm vindo a inocular como se de uma lavagem ao cérebro se tratasse.
Aqui fica uma mão cheia delas:
1º- Quais as razões que justificam, à luz da Moral e do Direito, a queda pela força do regime deposto?
2º- Se o regime deposto foi tão mau, como alegado por tantos, porque nunca se julgaram os responsáveis vivos, pela sua existência e práticas (nem sequer à revelia)?
3º- Quais as principais razões, assumidas inicialmente pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), para a execução do golpe de estado? Foram razões corporativas (isto é, do foro das FA)? Foi concretamente o Decreto-Lei 373/73 que espoletou o golpe? Foram razões políticas? Estratégicas? Sociais? Económicas? Quais e baseadas em quê? Foi por estarem cansados de fazerem a guerra?
4º- Que informação tinha o MFA sobre a “luz verde” dada (solicitada?) pelo “Grupo de Bildelberg” numa reunião ocorrida a 19/4/74, no Hotel D’Arbois, em Mégeve, nos Alpes Franceses, propriedade do Barão Edmond Rothschild, na qual, entre outros participou Joseph Luns – na altura, Secretário – Geral da NATO – não sendo por acaso que uma esquadra da Aliança fundeou na Barra de Lisboa no dia do golpe?
5º- Desde quando e porquê, o PCP passou a tomar parte no golpe? Desde o “ensaio” ainda mal explicado, das Caldas, a 16 de Março? Ou antes?
6º- O que fazia o General Costa Gomes enfiado com a mulher no Hospital Militar da Estrela, no dia 25/4/74?
7º- Porque é que o Chefe de Governo, Marcello Caetano, nunca deu ordens para conter o golpe e, à revelia do que estava previsto nos planos de contingência da altura, em vez de se dirigir para Monsanto, foi meter-se na “boca do lobo” do Quartel do Carmo? Porque recusou a fuga do mesmo, que lhe foi oferecida e era viável? O que quis negociar com o General Spínola?
8º- Porque é que 90% dos efectivos da PIDE/DGS (na área de Lisboa) decidiram, após o golpe, concentrar-se no local mais inverosímil para o fazerem, ou seja na própria sede?
9º- Porque é que até hoje nenhum governo português intentou uma acção, lógica e pertinente, que é a de solicitar ao governo da Federação Russa, a devolução ou, no mínimo a cópia, de toda a documentação desviada dos arquivos nacionais, nomeadamente da DGS, como não parece haver qualquer dificuldade em provar?
10º- Porque é que o MFA – autor do golpe – e a sua suposta cabeça dirigente, ou seja a, em cima-da-hora formada, Junta de Salvação Nacional (JSN), cometeu a imprudência de não terem declarado o “Estado de Sítio”, perdendo desse modo, e no próprio dia, o controlo da situação?
11º- Ou terá sido de propósito?
12º- Idem para a leviandade com que a nível militar se começaram a prender e a sanear uns aos outros, sem qualquer regra ou justiça, estilhaçando dessa forma a hierarquia, a disciplina e a organização das FA, sem as quais nada se podia levar a cabo? FA que, recorda-se, estavam em campanha em três frentes!
13º- Ou também foi de propósito?
14º- Como e porquê deixaram o Poder cair na rua, chegando-se ao ponto de colocar o país à beira da guerra civil, a qual se evitou “in extremis”, a 25/11/1975?
15º- Porque se deixou entrar no país e libertou das prisões, uma quantidade de gente de mau porte que, recorde-se, não estava presa por delito de opinião, mas incorria em crimes do foro militar, de delito comum e, até, de traição à Pátria, sem que os mesmos ficassem a bom recato à espera de julgamento?
16º- O “granel” desculpa e justifica tudo o que se possa passar?
17º- Como se pode intentar um golpe de estado num país que, não estando oficialmente em guerra com ninguém, conduzia extensas operações militares das quais dependia a salvaguarda de grande parte do seu território e populações, sem pensar muito maduramente no impacto que tal golpe podia ter naquilo que estava em jogo e era de longe, a questão mais importante e delicada em que toda a Nação estava envolvida?
18º- Porque é que os mentores do golpe (e seus seguidores) não conseguiram ou quiseram discernir e perceber, que a defesa do Ultramar era distinta – por nacional – da simples mudança de um regime ou sistema político?
19º- Porque se permitiu que a obsessão política pela conquista do Poder se sobrepusesse a questões fundamentais para o País (e ainda hoje assim acontece…) e se fizesse tábua rasa dos meios para atingir os fins, muitos deles estranhos à matriz histórica, estratégica e cultural de todo um povo?
20º- Como explicar, melhor dizendo, como compreender que o que foi pensado para o dia seguinte – que é a parte mais importante num golpe de estado, ou revolução – neste caso o que estava condensado no Programa do MFA e na Proclamação da JSN ao País – nunca se conseguiu pôr em prática?
Finalmente:
Como explicar que nenhum dos “3 Ds”, constantes do referido programa do MFA, a saber, “Descolonizar, Democratizar e Desenvolver” tenha sido cumprido, ou dito de outro modo, tenha seguido o seu curso, estando hoje o país que nos resta no perigeu do seu poder relativo, desde que Afonso Henriques individualizou o Condado e na iminência de desaparecer como entidade política autónoma e soberana, comunidade com identidade própria e até em vias de extinção como povo com características próprias (por via da demografia negativa, da emigração e imigração, só para citar estas)?
Ou seja, e em síntese por demais sintética:
1º- O “D” da descolonização resultou numa desgraça inominável e na maior vergonha histórica, desde 1128, cuja responsabilidade teremos que carregar como povo e sociedade organizada, para todo o sempre. Tendo, além dos que ficaram deste lado do mar, desgraçado sobretudo os portugueses dos territórios que abandonámos à sua sorte, os quais em vez de descolonizarmos – uma operação já de si aberrante, para a idiossincrasia da Nação Portuguesa, dadas as regras internacionais em vigor – entregámos nas mãos de forças marxistas, e só a essas.
Perdemos “apenas” e em pouco mais de um ano, cerca de 60% da população e 95% do território…
2º- O “D” da democratização está consubstanciado numa Constituição enorme, errada sob muitos pontos de vista, mal escrita, insensata e elaborada debaixo de condicionalismos vários. E, já agora, anti – democrática…
De tudo resultou uma confusão doutrinária de se ter considerado a Democracia em si mesmo, que ela não é, em vez de um meio para se atingir as três aspirações “utópicas” do Estado, a saber, Segurança, a Justiça e o Bem-Estar (por esta ordem); na ditadura da partidocracia (com a agravante de o espectro político estar apenas representado do “centro até à extrema esquerda”- terminologia serôdia que já devia ter desaparecido há muito), baseada em partidos medíocres.
Partidos donde emanam políticos cada vez mais impreparados, na sua maioria autênticos papagaios troca-tintas em que já ninguém acredita nem suporta. E que se blindaram no poder.
Partidocracia que degenerou rapidamente em plutocracia, “corruptocracia” e “bandalheirocracia”!
O fulcro da Democracia acaba por ser a representatividade. Pergunta-se, hoje em dia, quem se sente representado?
3º- Finalmente o “D” do desenvolvimento.
Portugal era um país que em 24/4/1974 tinha estabilidade económica, financeira, social, com uma administração financeira honesta e regrada; onde todas as instituições funcionavam; em que a economia crescia 7% ao ano (no Ultramar era mais); possuía a 6ª moeda mais forte do mundo, escorada e protegida por 850 toneladas de ouro e 50 milhões de contos; tinha acesso ao crédito que quisesse a juros baixos; gozava de pleno emprego.
Conseguia tudo isto, note-se, ao mesmo tempo que tinha 230.000 homens em armas, em quatro continentes e quatro oceanos, dos quais 150.000 permanentemente empenhados em operações de contra-guerrilha, em três teatros de operações distintos a milhares de quilómetros da sua base logística principal, com muito limitado apoio aliado e apenas com generais e almirantes portugueses.
Orgulhosamente só (frase por norma tirada do contexto).
E sem dever nada a ninguém.
Como explicar que um país nestas condições, 40 anos depois dos “amanhãs que cantam” e das mais floridas esperanças, esteja no actual estado de banca rota e muito “acompanhado” internacionalmente, por tantos países e instituições que nos desqualificam, publicamente, no concerto das Nações (até nos chamam “PIGS”)?
Esteja, também, ocupado politica, económica e, sobretudo, financeiramente, por uma “Troika” (que ninguém sequer conhece bem, ou o que representa), depois de já ter passado por duas outras grandes “aflições” financeiras (em 1978 e 1983), que obrigaram à intervenção do FMI; e depois da adesão à CEE, em 1986, ter entrado dinheiro no país à média de dois milhões de contos/dia, de fundos comunitários?!
E estamos hoje ainda a tentar evitar a banca rota à custa de sacrifícios de quem não é responsável maior por tudo o que se passou; deixando incólumes os responsáveis (que nem um pedido de desculpas se atrevem a dar), e da alienação contínua da soberania, das empresas, do património, da venda da própria terra e dando até início a um processo de prostituição colectiva, de que a outorga da nacionalidade a ricaços estranhos que queiram investir por cá algumas centenas de milhares é já exemplo eloquente!
Já me esquecia, estamos a sair da bancarrota à custa de fazermos mais empréstimos, com os quais ganhamos tempo para tentar pagar uma dívida e os juros da mesma – que ninguém sabe quanto é – mas que seguramente não iremos pagar nos próximos 100 anos…
Em que opróbrio de país nos tornámos?!
Foi para isto que se quis a tão decantada Liberdade – um conceito absoluto, porém de aplicação relativa – entusiasticamente tida como a principal conquista de Abril?
Ao fim de 40 anos celebra-se o quê?.
Last but not least, respaldo-me na máxima do fundador do jornal francês “Le Monde”, Hubert Beuve-Mény: “As opiniões são livres, os factos são sagrados”. Não discuto, portanto, a liberdade da jornalista Ana Cristina Leonardo em emitir as suas opiniões e enaltecer o dever cumprido pelo tenente-coronel João José Brandão Ferreira ao apresentar factos que sustentam o seu texto. E, como sói dizer-se, contra factos não há argumentos!
Um Comentário
Rui Baptista
Meu caro Carlos Silva : Dos teus comentários bem elaborados (numa altura em que uns tantos alunos e mesmo licenciados universitários mal sabem alinhavar um pensamento com pernas para andar) e com a agressividade, “quantum satis”, para com a jornalista do “Expresso”, de seu nome, Ana Cristina Leonardo, que, numa perspectiva maniqueísta, tentou convencer os seus ingénuos leitores de que antes de 25 de Abril tudo era mau e que depois desta data, com uma espécie pós de perlimpim , se passou a viver num mar de rosas. Um mar de rosas, em que navegam de vento em popa, os governantes, os deputados, os banqueiros e a chamada, por vezes e indevidamente, “ elite portuguesa”, são tidos como autênticos meninos de coro. Tese de difícil aceitação que não convence ninguém! Muito menos os “Desmemoriados da Historia”( Ana Cristina Leonardo “dixit”) mas que, apesar de tudo, tem a memória suficiente para confrontar as coisas más e as coisas boas de antes de 25 de Abril e as coisas más e as coisas boas depois o golpe de estado dos capitães revoltados com a entrada de capitães milicianos no quadro de oficiais de carreira preenchido por profissionais da guerra oriundos da Academia Militar. (A chamada Revolução dos Cravos foi feita em clima de festa pelo povo, com alguns dos seus participantes numa espécie de romaria de “maria vai com as outras”, com é uso dizer-se!).
Oficiais do Quadro Permanente, profissionais da guerra (a própria Academia Militar teve, em tempo recuado, o nome de Escola de Guerra), assim como os professores são profissionais do ensino e os médicos profissionais da saúde. Pensemos, por exemplo, que os professores se recusavam a dar aulas por estarem fartos de aturar os alunos e os médicos desmotivados de tratarem os doentes. A analogia é uma forma de raciocínio que aqui bem se aplica. Claro que melhor do que combater é estabelecer chorudos negócios com as nossas antigas províncias ultramarinas, caso de Otelo Saraiva de Carvalho e outros, pelo que se vai sabendo pelos media. Repare-se que não foi por acaso que a descolonização de Angola e Moçambique esteve entregue, respectivamente, a Rosa Coutinho (o chamado “Almirante Vermelho”) e a Vitor Crespo com um apodo não menos sugestivo…
Muito menos foi por acaso que os militares, imediatamente após o 25 de Abril, podiam trazer no regresso à então chamada Metrópole, todos os bens por si adquiridos em vésperas do seu regresso a penates e dinheiro amealhado, enquanto aos civis, que juntaram uns cobres, em árduos trabalhos em terras de África, essa benesse lhes estava vedada regressando, muitos deles, apenas com as roupas que traziam em cima do corpo ou pequenos contentores com alguns tarecos.
Antes de terminar, desejo vincar que tenho consideração das por uns tantos oficiais do Quadro Permanente, alguns deles meus camaradas durante o meu serviço militar como oficial miliciano. Desejo, também, deixar vincado o meu repúdio pela PIDE, e seus métodos torcionários, e abominar, ainda mais, a COPCON que praticava abomináveis sevícias e prendia pela madrugada todo aquele que se lhe opunha, com mandatos de prisão em branco. Discordo, ainda, da censura prévia dos coronéis do “lápis azul” do Estado Novo por impedir os cidadãos da liberdade de expressão , essa sim, uma das grandes conquistas do 25 de Abril. Discordo, finalmente, dos que cantam hossanas ao 25 de Abril e que antes desta data eram sabujos da Antiga Senhora. Discordo, “last but not least”, de uma descolonização feita à pressa sob “ o Sol na Terra”, Moscovo, nas palavras de Álvaro Cunhal. É esta a minha memória de factos (e não simples opiniões) que vivi, testemunhei e que foram vividos e testemunhados por muitos outros “retornados” que permanecem com a memória fresca, com excepção de ” renegados” que mudam de partido político como quem muda de camisa. Nunca como hoje, me convenço ser verdadeiro o dito popular: “ Muitos mudam de mulher e de partido; ninguém muda de clube!
E aqui está, meu caro Carlos Silva , a resposta um tanto ao correr da pena, aos teus comentários de um dignidade e coragem de que eu te estou devedor e todos aqueles que não se vendem por um prato de lentilhas. Um abraço amigo a quem, como tu, nos dias que correm, em que “a prática da vida tem como única direcção a conveniência” (Eça de Queiroz), se mantêm firmes nas suas memórias e nas suas convicções. Haja em vista o outro lado da moeda que transcrevo do “Finantial Times” (10/03/2004): “Os revolucionários em Portugal já não são o que eram. Agora identificam-se pelos seus fatos listados e telemóveis topo de gama”.
E se, segundo a Ópera “Rigolleto”, “la donna è mobile qual piuma al vento”, alguns desses revolucionários ocupam hoje cadeiras no Governo, sentam-se nas bancadas de S. Bento e são personagens da alta finança conseguindo a proeza de serem ainda mais volúveis do que as personagens femininas de Verdi.