REGRESSO AO PASSADO
O passado só vale a pena ser recordado quando as lembranças nos fazem sentir saudades.”
Adriano Lima
Chegado à minha idade (85 anos, cumpridos neste mês de Maio), revejo-me no saudoso passado de Lourenço Marques, porque, como costumo dizer, quando se é jovem olha-se para o futuro, na meia-idade olha-se para o presente, na velhice olha-se para o passado.
E neste flashback permanente e agridoce (amargo por uma descolonização pouco exemplar) tenho tido a felicidade de ser recordado com permanentes provas de dedicação por parte de antigos alunos da nossa Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, dedicação que a distância de velhos e belos tempos tem, certamente, ampliado com a lupa generosa da amizade. Mas lá que sabe bem, sabe!
Agora, neste mês de Maio, em homenagem ao meu aniversário recebi uma mensagem, via facebook, de Eduardo Calane,
a viver em Maputo, que transcrevo com incontido orgulho, desculpável, como o leitor, porventura, compreenderá, pelo seu conteúdo:
“Caro e querido Professor, só para tentar situar, foi nos anos 65/66/67 quando nos monitorava nos exercícios de pesos no Ferroviário, ao fim da tarde, princípio da noite. Jamais esquecemos a sua paciência e boa disposição. Cuide-se que já são 69. Na altura tinha 18/20. Qualquer dia apanho-o. Outro abraço de uma terra onde tem muitos que, como eu, se recordam de si com muito saudade e amizade. Desejo-lhe muita saúde. Eduardo Calane – Maputo.”
Como eram venturosos esses dias, em que éramos “chutados” para o pequeno palco do Ferroviário, em desmerecimento da honra em ocupar o seu espaçoso ginásio por os caluniados pesos e halteres serem tidos como párias de outras modalidades gimnodesportivas dignas de brasão, ou seja os executantes da então chamada ginástica aplicada, ocupavam por completo o ginásio sob a orientação do treinador Júlio Roncon.
Estabelecemos aí, entre nós, laços de sólida fraternidade enquanto treinávamos no dia-a-dia ou nos preparávamos, com “sangue, suor e lágrimas”, para competir e vencer as três categorias (pesados, médios e leves) do “I Campeonato Moçambicano de Levantamentos de Pesos e Halteres”, em competição com fortes, e com mais tempo de treino, atletas do Ginásio de Lourenço Marques.
E por vir a talhe de foice, quando Eduardo Calane escreve que há muitos que ainda se recordam de mim com muita saudade e amizade, não posso deixar de evocar o meu regresso à antiga Lourenço Marques, hoje Maputo, como quem regressa a uma segunda Pátria.
Corriam os dias 24-28 do mês de Março do ano de 1997. Era eu, ao tempo, docente da Faculdade de Educação Física e Desportos (Universidade de Coimbra), quando se realizou em Maputo, o “V Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa”. No referido Congresso apresentei a comunicação: “Modificações tensionais provocadas pelo levantamento de pesos”.
Pouco depois da minha chegada, tinha a visita, no Hotel Cardoso, onde nós os congressistas ficámos alojados, de um antigo aluno e bom amigo de tempos da nossa Escola Industrial, e ginasta da Associação Africana, de seu nome Mascarenhas, que foi me foi mostrando, ao longo dos dias, em passeio de automóvel, sítios da minha recordação da ex-Lourenço Marques, como, por exemplo, o “Prédio Invicta”,
onde tinha adquirido, poucos anos antes, o 16.º andar em que se desfrutava uma vista maravilhosa sobre a “Cidade das Acácias” e a sua belíssima Baía que serviu de crisma à atual capital do Estado de Moçambique.
Num “Pôr do Sol”, realizado nas margens da belíssima Piscina do Hotel, com o astro-rei quase a desaparecer num horizonte de magia, estando eu sentado numa das suas mesas, em companhia de alguns colegas das margens do Mondego,
fui abordado, não me recordo bem se por António Morais ou por Mussá Tembe, que me disse que o Vice-Ministro da Cultura, Juventude e Desportos de Moçambique, Dr. Joel Matias Libombo, a presidir à referida cerimónia, me queria cumprimentar. Quando me prestava a levantar-me, fui informado que esse dirigente governamental fazia questão em deslocar-se até à mesa em que eu estava para me cumprimentar. Ao perguntar-lhe se, porventura, tinha sido meu aluno, respondeu-me que não, mas que tinha ouvido falar muito de mim.
Assim sucedeu, tendo sido tirada a fotografia aqui deixada, em que estou em companhia dessa figura governamental, de António Morais e de Mussá Tembe, ambos, docentes, salvo erro, da Faculdade de Ciências e Educação Física da Universidade Pedagógica do Maputo.
Esta fotografia encontra-se emoldurada e pendurada na parede do meu escritório, tendo caído inadvertidamente ao chão. O vidro partiu-se, mas a lembrança deste tão honroso e grato acontecimento continua intacta em engramas da minha memória.
E recordar, como sói dizer-se, não é viver duas vezes?
Rui Baptista – 30.05.2016