Sophia de Mello Breyner e “Os Desmemoriados da História”
“Perdemos com a revolução e a contra-revolução. Perdemos também com três décadas de facilidade e demagogia” (António Barreto).
A ilusão da “imaculada Sophia de Mello Breyner, que adornou magistralmente o sentir de um povo inteiro naquele dia” [25 de Abril], foi substituída, por aquilo que ela antes previu e temia, em carta a Jorge de Sena (Março de 1962): ”Acho que não se pode criar em nome do anti-fascismo um novo fascismo”. E linhas mais à frente, nessa mesma missiva, referindo-se a uma certa oposição ao Estado Novo, de que ser demarcada, escreveu: “A nossa vida é cada vez mais ‘engagé’ na luta que você sabe, mas a oposição está cheia de aventureiros que sujam e confundem tudo. ESTÁ TAMBÉM CHEIA DE TONTOS” (maiúsculas da minha autoria).
Julgo ser também interessante conhecer a posição de Jorge Sena em carta a Sophia de Mello Breyner (Dezembro de 1962): “A minha posição política continua inalterável: não tenho, e não terei nunca (a menos que me filie em mim mesmo) filiação partidária. Penso que a unidade de todos é uma necessidade; mas reconheço que é impossível colaborar com a mediocridade invejosa, que é a dos nossos políticos, desde a clandestinidade em que mesmo no exílio se comprazem os comunistas, até ao Palácio de São Bento. Cada vez mais penso que Portugal não precisa de ser salvo, porque estará sempre perdido como merece. Nós todos é que precisamos que nos salvem dele”.
Longe de serem estes testemunhos de dois “fascistas”, são testemunhos de quem combateu o Estado Novo antes de 25 de Abril, e não daqueles que enchiam a Praça do Comércio para vitoriarem Salazar e passaram a ocupá-la depois de 25 de Abril , data de uma reivindicação de oficiais do quadro permanente perante a entrada no quadro de capitães milicianos e fartos da Guerra do Ultramar. Com isto não contesto, “honni soit qui mal y pense”, o direito dos povos africanos à sua independência, mas não aquela ” independência exemplar” que enche a boca dos seus fautores e tanto sofrimento trouxe ao chamados “retornados”, muitos deles nascidos em África (como é o meu caso, filho de pais da então chamada Metrópole, nascido em Angola mas que fiz de Moçambique minha terra de eleição, por isso, como costumo dizer, considero-me um refugiado político). Com isto, não deixo de ter em conta o sofrimento das mães que viam partir os filhos para um teatro de guerra africano que pouco ou nada lhes dizia e os veem agora partir para novas guerras, nas cinco partidas do mundo, que muito menos ou mesmo nada lhes devem dizer.
Mas voltando a Sophia ide Mello Breyner, para se compreender o seu desencanto com o aproveitamento feito por certos figurões da nossa vida política (e não só!) nada melhor que esta transcrição: “Depois do 25 de Abril, tenho-me sentido tentada a escrever uma peça que se chamaria o ‘Auto dos Oportunistas’, mas que é impossível de escrever porque há sempre mais um acto”.
Escreve Ana Cristina Leonardo,
um texto negro sobre o antes de 25 de Abril e branqueador sobre o depois de 25 de Abril, sem ter em conta os cinzentismos de ambos, intitulado “Os Desmemoriados da História”, como se a memória ou a e desmemória da história fosse propriedade opinativa de quem quer que seja sem ter em conta as suas ambivalências. Como escreveu Fernando Pádua, presidente do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva, “há sempre um modo diferente de ver os problemas – depende ‘del cristal com que se mira’”.
Rui Baptista – 28.04.2014
3 Comentários
Carlos Hidalgo Pinto
Comemorou-se na Biblioteca Nacional,o centenário do grande poeta José Blanc de Portugal, homem da estirpe de Jorge de Sena, com quem conviveu em Portugal e no Brasil, onde foi Adido Cultural junto da Embaixada de Portuguesa, em Brasília. Assumiu também a presidência do Instituto de Cultura Portuguesa, tendo igualmente dirigido os centros do Serviço de Meteorologia Nacional , em Lisboal na ilha do Sal, Santa Maria, Ponta Delgada, Luanda e em Moçambique. Era formado em Ciências Geológicas, cursou Língua e Literatura Árabe e representou o país em reuniões técnicas da Organização Mundia da Aviação Civil, tendo trabalhado para a Pan AM. Era um português heterodoxo, mas que está algo esquecido, como é costume. Publicou e traduziu grandes obras literárias tendo integrado o Projecto Vercial. O futuro de Portugal passa, também pela Língua Portuguesa, pela Cultura Portuguesa, pelas Artes, pela Música. São elementos culturais essenciais e que devem complementar as relações económicas entre os países da lusofonia.
Rui Baptista
As pessoas, sejam elas simples anónimos ou da estirpe de José Blanc de Portugal, por si evocado, perduram, os primeiros, efemeramente na memória dos entes queridos e os outros, “aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”, revivem na memória indelével ” de um povo que sabe honrar os seus antepassados. Infelizmente, nem sempre!.
Rui Baptista
Meu bom Amigo João Santos Costa: Não é em vão que o comunismo é apelidado de social-fascismo. Mas o certo é que a verdade nem sempre é bem aceite pelos sociais-fascistas.