“UMA DATA NA HISTÓRIA” – 15 de Setembro de 1962… Apresentação do Conjunto Oliveira Muge em Moçambique
Era considerado um dos melhores conjuntos portugueses da época.
Na verdade, o “bichinho” nascera em Ovar. Já de muito novo José Muge tinha uma queda, uma tendência natural para a música, herdou talvez de seu pai que era ensaiador de contradanças. José de Oliveira Muge nasceu em 1934 e desde os 16 anos estava no orfeão de Ovar. Depois junto com seu irmão António e outros amigos forma “Os Milionários do Ritmo”.
Começou por aprender violão, mas cedo salta para o acordeão e cria o quinteto vocal “Melodyovar” que é acompanhado ao violão e à guitarra. Com a entrada de António M. Redes Cruz para o piano, o conjunto transforma-se em grupo de baile. Estamos em 1958, mas no ano seguinte dá-se uma cisão no grupo que vai dar origem a dois novos grupos.
Em 1960 já se começam a sentir os efeitos da nova música – o Rock, e aí aparece António Policarpo que com 14 anos já dominava a viola e cantava fados de Coimbra e se perdia em infindáveis serenatas…
Policarpo vai acabar por se juntar ao Conjunto de José Muge que agora é o pianista de serviço. Vão atuar na televisão em 1961.
Nessa altura grupos muito jovens, como “Os Babies”, Pedro Osório e o seu conjunto “Walhter Behrend” ou “Sousa Pinto”, são os grupos da moda.
Em Agosto de 1962, José Muge e António Policarpo aceitam o desafio de António de Oliveira Muge que já está em Moçambique à algum tempo e vão ter com ele a Vila Pery, a capital do Chimoio na fantástica região da Gorongosa.
É aqui que vai nascer o verdadeiro Conjunto Oliveira Muge.
Viajam no navio Infante D. Henrique e, durante a viagem, passam a ser o Conjunto de bordo.
Em 15 de Setembro de 1962, fazem a primeira apresentação em Vila Pery
– José Muge no acordeão, António Muge na bateria, Policarpo no piano e Victor Montoya no contrabaixo.
O sucesso é de tal ordem que começam a chover convites para atuarem em todo o lado. Na televisão da Rodésia e em vários hotéis rodesianos passam a ser uma presença habitual.
O Hotel New Stanley no Quénia quer contratá-los por um ano, mas só aceitam por um mês.
Em 1963, António Biscaia entra para o grupo indo ocupar a sua antiga posição em Ovar, a bateria. António Muge vai para o contrabaixo. Por algum tempo o grupo vai ser um quinteto. Os convites são imensos, da África do Sul, de Londres, de Chicago e um empresário americano quer levá-los para Los Angeles, mas depois de reuniões familiares acabam sempre por recusar.
Esta situação vai ditar a saída de Biscaia que quer ser músico profissional. Biscaia virá depois a fazer parte do grupo de Fausto Caldeira e do Conjunto de Renato Silva.
Victor Montoya que estava na tropa, vê a sua comissão terminar e regressa a Lisboa.
É então que José Muge volta a convidar um miúdo para o grupo. José Violante tem 14 anos e é um barra no baixo elétrico. António Muge vai novamente para a bateria. Todos eles tinham múltiplas capacidades musicais e podiam mudar de instrumento com relativa facilidade. Isto pode ter sido muito importante na coesão e na harmonia e ritmo do grupo. Estamos em 1964, é esta a formação que vai gravar os 4 discos do grupo (mais a edição em Lisboa em 68 do disco “Mãe” de 66). Todos os artistas que se deslocavam de Lisboa a Moçambique eram acompanhados em Vila Pery pelo Conjunto Oliveira Muge. Maria de Lourdes Resende que lá esteve em 1967, só lhes teceu elogios.
De 64 a 68 o grupo não deixa de se apresentar por todo o lado.
Em Lourenço Marques atua no R.C.M., toca no Hotel Polana, Clube Ferroviário, Pavilhão do Sporting, no baile dos Estudos Gerais Universitários, etc.
A “Mãe” é uma das mais bonitas canções portuguesas, foi escrita por António Policarpo em 1962 e não estava conectada com a guerra colonial. No entanto como é gravada em 1966, ganha um novo impacto especial e é imediatamente adotada pelos soldados que em todas as colónias portuguesas cumpriam o seu dever militar. Para o regime torna-se uma canção perigosa e as Estações de Rádio são aconselhadas a não a passar. Oliveira Muge nunca tocou para as Forças Armadas, mas em final de 68, em Nampula o Rei do Twist, Victor Gomes resolve cantá-la no seu show. Aos primeiros acordes mais de 6000 soldados fazem silêncio e só no final com “eu volto” desatam numa ovação frenética.
Em 68 o disco é lançado em Portugal Continental e mais uma vez os pseudo críticos em toda a sua ignorância criticam na revista Rádio e Televisão de 16 de Novembro 68 a edição de um “disco aceitável e gravação regular”, depois diz-se “as canções tocadas são todas de cabelinhos brancos” e sem uma única referência à canção chave do disco “A Mãe”.
Nem sequer mencionando tratar-se de um disco de 66 reeditado em Lisboa dois anos depois de Moçambique o ter lançado.
É certo que isso sempre acontecia com os discos ingleses e americanos que chegavam com alguns meses de antecedência às discotecas em Moçambique comparando com Lisboa.
Mas escutemos “Mãe” pelo Conjunto Oliveira Muge. Clicar no vídeo seguinte:
José Muge, em finais de 75 decide voltar para Lisboa, apesar de várias vezes durante 74 e 75 as novas autoridades moçambicanas lhe terem pedido para tocar em vários eventos e casamentos, o que fez de boa vontade sempre com o grupo.
José era também professor de iniciação musical no colégio, mesmo defronte de sua casa. Mas na altura da Independência pôs o lugar à disposição por achar que as novas autoridades teriam prioridades diferentes. Pediram-lhe para voltar, mas sem novas diretrizes definidas achava que não o devia fazer.
Depois a Frelimo pediu-lhe que fossem o Conjunto das Forças Armadas e mais uma vez teve de recusar, pois nem no tempo de Portugal o haviam feito nem vestido farda, não seria agora que o iriam fazer, além de que “Mãe” há só uma e eles eram portugueses.
Frisaram sempre o respeito que as novas autoridades moçambicanas tiveram com eles, mas apesar de tudo ir bem, era a hora de regressar.
Sempre deixei claro que no trabalho quer fosse como professor ou músico a política não era chamada. Recordo-me até de um episódio nos anos 60 em que fomos tocar ao baile do finalista do Liceu de Quelimane. Também embarcou connosco, na Beira, o Dr. José Afonso que também lá ia. Quando ele atuou começou a cantar “Os Vampiros”, e eu disse cá para mim, já vamos ter festa, ainda entra a PIDE por aí adentro.
Mas felizmente não se passou nada tudo correu muito bem”, conta-nos José Muge.
Fonte: Onda Pop
4 Comentários
João
Uma canção-mensagem com (muitas) lágrimas.
Manuel Martins
Tanta saudade. Policarpo foi militar de Cavalaria, como eu. Quando vim de Mueda fui dar instrução no Esquadrão de Instrução em Vila Pery. Deixei Moçambique, terra onde nasci, depois da abrilada. Estive com o Policarpo no seu restaurante na praia do Furadouro. Infelizmente já faleceu.
Carlos Gonçalves
Saudades desse tempo ! Como tudo passou tão depressa……
Moisés Gil
Canção que nos toca no mais profundo sentimento.
Para mim é uma canção de um significado tão forte, dedicados às nossas mães, que viam os seus filhos partir para as colónias para lutar e não só.
Ainda hoje sinto necessidade de ouvir esta música e recordar esses tempos….