A viagem no tempo que levou os Mambas de regresso a Moçambique
A TAP está a recriar algumas das suas viagens para os grandes destinos da década de 1970. O voo mais recente foi o da travessia aérea entre Lisboa e Maputo, uma viagem que antigamente era feita com paragem em Luanda devido à sua gigantesca extensão.
Os passageiros foram surpreendidos com este regresso aos anos 1970, num avião transformado exatamente como era nos gloriosos tempos (quase) iniciais da aviação comercial.
Houve um tempo em que os passageiros se vestiam de propósito para viajar de avião. Um vestido especial ou uma gravata a condizer com a experiência de subir a milhares de metros de altura e percorrer longas distâncias em poucas horas em vez de uma viagem mais longa de navio. Um estilo de vida que ainda existia na década de 1970 nos aviões da TAP que cruzavam o Atlântico até ao Brasil ou para os antigos territórios de África sob o domínio de Portugal e que a companhia aérea nacional decidiu agora recriar ao pormenor quatro décadas depois. Sem revivalismos, apenas com a intenção de reproduzir uma parte da sua história.
A mais recente recriação de uma destas viagens pela TAP refez a viagem até Maputo, desta vez num voo direto e sem paragem em Luanda como se realizava então. Diferente era quase só no trajeto, pois as “hospedeiras” envergavam as fardas daquela época, desenhadas pelo estilista Louis Féraud, com o chapéu com um pompom nazareno criado pelo anterior desenhador das roupas, Sérgio Sampaio.
Tal como antes, os passageiros receberam uma maleta de mão com o logótipo da empresa aérea, onde estavam alguns dos produtos de higiene comuns à época: uma pasta de dentes da marca Couto, o creme Benamor para as mãos ou a lavanda da Ach Brito e o jogo O Sabichão. Uma surpresa colocada sobre as cadeiras de todos no avião, surpreendendo os passageiros que desconheciam ser este um voo rétro até chegarem ao aeroporto de Lisboa.
Aí, estranharam – ou recordaram – a placa que sinalizava o check-in da TAP, bem como o design de há meio século e os funcionários vestidos à época. Mais surpreendidos ficaram quando se aproximaram da aeronave e se depararam com um avião onde o símbolo da companhia era como o de antigamente, tal como as escadas onde de alguns degraus para os outros estava esse mesmo logótipo: uma asa estilizada e as três letras das iniciais de Transportes Aéreos Portugueses, as mesmas que estavam pintadas na fuselagem do aparelho.
Durante a viagem de onze horas a recriação manteve-se, fosse nos filmes à disposição – Star Wars IV, Rocky, O Padrinho, Annie Hall – ou na banda sonora com os grandes sucessos dos anos 1970. O mesmo se verificou em relação ao menu servido, de responsabilidade do chef Vítor Sobral, onde uma introdução do escritor Francisco José Viegas referia que “recuar na história da TAP não significa apenas revisitar o design dos aviões e das rotas mais emblemáticas, mas também os sabores que elas transportavam. Neste caso, canapés, um creme de batata-doce, bacalhau à Zé do Pipo e doces. A escolha da ementa exigiu a Sobral revisitar os arquivos da TAP de modo a reconhecer o que se cozinhava então, tendo descoberto nessa investigação truques que lhe despertaram o seu interesse para a confeção de pratos atuais. “Tentei fazer uma ementa parecida”, explica.
Uma viagem que contou com duas surpresas, um piloto nascido em Moçambique acostumado a esta rota e uma supervisora de cabina que fazia o seu penúltimo voo, um dos muitos feitos até àquele destino. José Vilhena conhece bem o trajeto sobre África para se chegar a Moçambique e Maria Gonçalves não se esqueceu de como foi a evolução destes voos ao longo dos tempos. Com alguma saudade, ela recorda-os ao folhear um álbum de fotografias que levou nesta viagem e onde se a descobre bem jovem em várias paragens da sua profissão, designadamente as estadas em Luanda e Rio de Janeiro. Sente alguma nostalgia ao rever as fotografias, aponta os que já não estão ao serviço, bem como os que seguiram outros rumos na vida ou morreram. Quando diz “é tudo diferente” é que se percebe que o voo é uma recriação, mesmo que o diga sem saudosismos.
Descreve os aviões antigos com menos motores e menos modernos em tudo, mas não deixa de confessar que estes voos rétro a surpreenderam tanto como aos passageiros que os frequentaram noutra época. Foi o facto de ter participado em alguns destes voos à antiga – já se realizaram para o Rio de Janeiro, Luanda, Miami, entre outros destinos – que a fez ir ao baú procurar essas recordações, refere.
Por seu lado, o piloto José Vilhena sente-se a ir em direção a casa, pois foi em Moçambique que nasceu e viveu até aos 19 anos e onde continua a regressar profissionalmente ao comando de aviões da TAP, já sem a tradicional manette de condução, substituída por um discreto joystick, e enquanto cidadão para rever família e amigos. A escala de dois dias na capital moçambicana é, diz, insuficiente para os visitar a todos. Foi neste país que aprendeu a pilotar, em aviões monomotores, e ficou a conhecer a paisagem que pouco mudou de onde o A330 batizado de Portugal se aproxima a uma velocidade superior a 900 quilómetros por hora e a dez mil metros, num cockpit que exibe toda a extensão de paisagem que faz sobre um continente onde se começa pela grande região desértica do Sara e se termina em regiões de grandes florestas, mais ou menos povoadas. A aproximação a Maputo é de espantar, pois ao circundar a baía vê-se uma espécie de Manhattan africana,
onde a construção da nova ponte que vai ligar as duas partes da capital chama à atenção aos passageiros. É o fim de uma das maiores travessias aéreas da TAP, que só rivaliza com a que vai a Porto Alegre, e que transportava a seleção de futebol do país destino, com o treinador Abel Xavier a liderar a delegação que acaba de vencer a de Cabo Verde, chegando os Mambas em triunfo sobre os Tubarões e a ser obrigada a dar muitos autógrafos.
Com os pés na terra
A chegada a Maputo surpreende quem nunca a visitou. Uma paisagem a perder de vista desde que se começa a sobrevoar o país, sendo certo que a construção massiva ao redor da capital logo mostra que prédios altos são apenas uma característica citadina. Saídos do aeroporto, a longa avenida até ao centro da cidade é uma imensa amostra do que é a vida em Maputo, seja por se ver os cartazes que cumprimentaram os delegados ao recente Congresso da Frelimo seja pelo colorido das lojas que ladeiam a via, pintadas a vermelho com as cores da Coca-Cola e da Vodacom, ou a verde da marca Milo. Há gente a vender fruta, comida e todo o género de produtos que os habitantes de Maputo precisam logo de manhã cedo.
A chegada do avião às 06.00 coincide com o acordar recente dos maputenses – ninguém confirma exatamente como se chamam -, cerca de pouco mais de um milhão, e que mais do que duplica se se contar com os arredores, como é o caso dos que moram na Matola.
O que mais chama à atenção nessa investida matinal sobre Maputo são as carrinhas de caixa aberta onde são transportados mais passageiros do que os permitidos e que viajam com as mãos esticadas sobre os ombros uns dos outros para que uma travagem inesperada não os atire à estrada. O nome dessas viaturas é My Love e a sua tradução à letra nada quer dizer senão que seria a expressão que um casal poderia dizer se estivessem tão colados um ao outro noutra situação… Talvez a maior parte das situações em Maputo também não possam ser interpretadas sem um filtro como no caso do My Love, afinal é uma capital diferente e para a qual são precisos muitos dias e vivências para se perceber o seu espírito.
O entendimento do espírito moçambicano pode parecer simples se tivermos em conta as frases sobre o país que estão impressas sobre o mapa da nação em autocolantes verdes colados nas traseiras de muitos carros, mas também se estranha quando a bandeira nacional serve de publicidade ao whisky Johnnie Walker, um anúncio em que a imagem do homem da garrafa leva a bandeira deste país ao ombro.
Descodificar a cidade não é coisa fácil, até porque a língua portuguesa não desapareceu de “Mozambique” como se poderia pensar ser um facto pelas notícias da sua substituição pela adesão à Commonwealth. Na capital todos a falam e o mesmo acontece no interior, onde os dialetos próprios das populações competem nas conversas. Andar pelas ruas da cidade é um primeiro passo para se a perceber. Nota-se que os jovens moçambicanos caminham pela rua sem olhar muito para cima, tal como as mulheres.
Não será para se prevenirem dos buracos constantes no pavimento dos passeios, outra razão haverá e não é a de estarem a falar ao telemóvel como nas cidades dos continentes mais a norte, pois por aqui são raros os que andam com o aparelhinho nas mãos constantemente.
Enquanto se percorrem as avenidas principais da capital moçambicana, há duas que a cruzam por completo, o que se nota é uma calma indecifrável a par do tráfego intenso. A maioria das casas são antigas e com uma arquitetura à europeia própria dos anos 1960, à porta das quais está um segurança sentado ou, de olho a tomar conta da porta a que deve estar atento, junto com outros que jogam às cartas ou estão à conversa. As ruas têm nomes de heróis da independência, como Armando Tivane – antigo guerrilheiro, ou de protagonistas políticos de outros países, exemplo é a Avenida Kim Il-sung, o ex-governante da Coreia do Norte. Aliás, este país está presente em todas as capitais de distrito, pois há dois anos fabricou a grande estátua do líder Samora Machel que se encontra na capital e inúmeras réplicas em tamanho menor foram distribuídas por outras cidades.
Outros dos rostos sempre presentes é o do atual presidente Nyusi, que alterou o rumo da política em curso nas últimas quatro décadas com um discurso pela diversidade e pelo desenvolvimento e contra a corrupção.
A população moçambicana tem uma esperança de vida de 44 anos e 70% têm menos de 30 anos, uma tendência demográfica que se repara bem na maioria dos habitantes de Maputo. Sem escolas e empregos para a maior parte, ocupam-se na venda ambulante e em atividades alternativas desde cedo. É o caso de Miguel, 25 anos, que corre as ruas atrás dos turistas para vender a produção artesanal de colares e pulseiras que a mãe faz e que comercializa com a ajuda dos cinco irmão. O retrato da atual sociedade moçambicana é feito por ele de uma forma direta. O que gosta mais e menos? Trabalho, responde após pensar cinco segundos; fome, em apenas um segundo.
Enquanto se lhe fazem estas perguntas junto ao mercado municipal, inaugurado em 1901, pode ver-se em fundo a nova ponte em construção que vai ligar uma margem da capital à do outro lado.
É feita por chineses e, diz-se, que do outro lado vai surgir uma Chinatown – o que não é de estranhar pois são aos milhares e encontram-se por todo o país mais recôndito. Os restantes expatriados são os dos vários países com negócios em Moçambique. A colónia portuguesa é das maiores, confirma alguém que já lá vive há 23 anos e não pensa regressar. São esses que quando visitam a Fortaleza de Maputo se questionam porque está a estátua de Mouzinho de Albuquerque rebaixada numa cova e se surpreendem ao ouvir a explicação: se estivesse ao nível do solo, a sua cabeça era visível do exterior. Uma presença que não incomoda noutros casos, como é a de uma Nossa Senhora de Fátima peregrina que acabou de chegar à antiga catedral e está bem visível.
Fonte: Diário de Notícias
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Um Comentário
Marcelina Coelho
Li o texto todo e gostei, lembro me bem da primeira viagem do boing 707 Lisboa Lourenço Marques, o avião passou mesmo por cima da nossa casa, pois morávamos perto do aeroporto, era eu menina e moça, bons tempos, que saudades.