Dez inesquecíveis poemas de Mia Couto
Mia Couto é conhecido internacionalmente por suas extraordinárias histórias. Seus contos e seus romances são lidos em todos os continentes, em línguas, culturas e credos diversificados.
Valendo-se de uma linguagem marcadamente poética, essas histórias encantaram o mundo.
Todas as semanas o BigSlam irá publicar um dos 10 inesquecíveis poemas do escritor e poeta moçambicano – Mia Couto, retirado dos seus quatro livros de poesias: “Raiz de orvalho e outros poemas” (1999), “Idades, cidades, divindades” (2007), “Tradutor de Chuvas” (2011) e “Vagas e Lumes”(2014).
8 – Companheiros
quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho
e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados
deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros
mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça
por ora
basta-me o arco-íris
em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço
Do livro “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”
3 Comentários
Manuel da Silva
Mia Couto é conhecido internacionalmente por suas extraordinárias histórias. Seus contos e seus romances são lidos em todos os continentes, em línguas, culturas e credos diversificados. Por exemplo: Num texto que escreveu para a abertura do ano letivo 2007/2008 no Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique, o escritor defendeu que a ideia de mudar a realidade através da alteração de palavras é falsa, designando-a como um dos “sete sapatos sujos” que devem ser abandonados “na soleira da porta dos tempos novos”.
E contou este episódio: “Uma vez, em Nova Iorque, um compatriota nosso fazia uma exposição sobre a situação da nossa economia e, a certo momento, falou de mercado negro. Foi o fim do mundo. Vozes indignadas de protesto se ergueram e o meu pobre amigo teve que interromper sem entender bem o que se estava a passar. No dia seguinte, recebíamos uma espécie de pequeno dicionário dos termos politicamente incorretos. Estavam banidos da língua termos como cego, surdo, gordo, magro, etc… Nós fomos a reboque destas preocupações de ordem cosmética. Estamos reproduzindo um discurso que privilegia o superficial e que sugere que, mudando a cobertura, o bolo passa a ser comestível. Hoje assistimos, por exemplo, a hesitações sobre se devemos dizer ‘negro’ ou ‘preto’. Como se o problema estivesse nas palavras, em si mesmas. O curioso é que, enquanto nos entretemos com essa escolha, vamos mantendo designações que são realmente pejorativas como as de mulato e de monhé.”
O ideal, diz Rui Pena Pires, seria “acabar com designações raciais”, não procurando sequer uma “designação racial ideal”. “A ideia de que é possível encontrar essa designação”, explica, “baseia-se num equívoco, a saber, que o racismo consiste no tratamento desigual das diferentes raças. Contudo, e contrariando o senso comum, só há raças porque há racismo, ou seja, só é possível achar que a cor da pele é um traço significativo de distinção entre pessoas sendo racista, presumindo haver uma relação entre biologia e cultura.”
O “problema terminológico”, como lhe chama Pena Pires, subsiste. Por isso, há que encontrar soluções. O sociólogo avança com duas: recusar o uso de categorias raciais para “descrever as pessoas” e, nos casos em que surgem situações com origem em questões raciais, procurar usar os termos “menos estigmatizantes”. “O Portugal ideal”, disse, “seria aquele em que a cor da pele fosse tão (pouco) significativa para descrever pessoas como o é a sua altura”.
BigSlam
Parabéns Manuel Silva pelo teu excelente comentário, num momento em que o tema abordado anda nas bocas dos mídia e da opinião publica nacional e mundial.
Manuel da Silva
Samuel, eu próprio vou voltar a ler uma, duas ou mais vezes para tentar corrigir-me (se é que ando errado!)