João de Sousa: partiu a voz que nos “enchia a alma”
Por Renato Caldeira
Em centenas de ocasiões, no país ou estrangeiro, relatando o desempenho das mais variadas modalidades, sobretudo das selecções nacionais, transferiu a euforia e o ambiente dos estádios para dentro do país. João de Sousa, faleceu e com ele foi-se a voz de um “sentimentalão” que nos enchia a alma – Renato Caldeira.
- Ninguém deixa de existir enquanto houver memória, mas custam as palavras, quando a tristeza as ensombra – Samuel Carvalho, antigo basquetebolista.
- Fazia o que gostava e gostava do que fazia – José Carlos, ex-hoquista.
Com o ouvido colado ao rádio, à distância, como que magicamente, participámos em momentos irrepetíveis. Tanto em lugares recônditos, como nas cidades, em quase meio século, festejámos os golos ou as tristezas que nos chegavam, através do éter, pela voz de João de Sousa, como se as estivéssemos a presenciar.
Com um timbre próprio, a sua voz metálica, quente e segura, “enchia” o microfone e colocava as emoções ao rubro.
Foi esta a face mais marcante do João de Sousa que conheci.
NO CAIRO, A… “FALAR PARA O BONECO
Porque tive o privilégio de com ele trabalhar no estrangeiro, com a devida vénia, vou (re)publicar uma estória pelos dois vivida e por ele contada, no seu estilo criativo.
Nos tempos dos 3 dólares de “per diem”, lá fomos, eu e o Renato Caldeira, reportar a Taça dos Campeões Africanos de Clubes, em futebol. Acompanhávamos os “locomotivas” ao Cairo, palco do grande jogo contra o Zamalek.
Os pormenores técnicos para a realização do relato, tinham sido previamente acertados por telex com a Rádio Nacional do Egipto, cabendo à RM solicitar os circuitos de transmissão à Rádio Marconi.
Sexta feira, eu e o Caldeira, a quem tinha convidado para fazer os comentários do jogo, deparámo-nos com um primeiro problema: as cabines destinadas aos radialistas eram no topo do estádio, qualquer coisa como subir uns 4 ou 5 andares dum prédio. No local, estava um técnico da Rádio Nacional do Egipto, que nos informou que estava ali para nos dar assistência técnica. Não foi fácil entendermo-nos, porque de inglês ele só “arranhava” e nós, de árabe, não percebíamos patavina.
Naquele tempo, o circuito para a transmissão, como devem calcular, metia muita gente pelo caminho e a língua era uma barreira. Comecei a ouvir uma “guerra de palavras” em árabe e português, difícil de entender.
Foi-me dada a possibilidade de ouvir o técnico da Rádio Marconi, em Lisboa, a dizer-me: “quando começar o jogo inicie o relato. Está tudo acertado com a RM.
Chegou a hora do jogo, comecei o relato. O Renato Caldeira comentava. Ambos com vivacidade. E assim se passaram os 90 minutos. Porém…
Quando chegámos ao hotel, recebi o telefonema dum colega a partir de Maputo, dizendo: “João, tens que fazer uma informação alargada do jogo para o RM Jornal das 19.30 horas, porque o relato não chegou”.
Resultado: eu e o Renato falámos para o boneco!
FOI ESTE COLEGA QUE PARTIU
Foi-se o ícone, ficaram as histórias de um poliglota, jornalista de gabarito na escrita, apresentador de TV, e como se não bastasse, sempre pronto a dar uma “mãozona” em áreas administrativas na RM, mas com a sua paixão-maior virada para a Comunicação Social.
João de Sousa partiu. Foi um amigo de muitas acções e vivências, nos momentos irrepetíveis do pós-Independência.
E agora vem, para mim, o dilema…
Como, através de palavras, se transmite o sentimento de luto de toda uma Nação, de pesar dos colegas e amigos, dos amantes do desporto, relativamente à partida de um homem que esteve presente nas nossas vidas quase meio século, levando consigo o seu coração bom e a voz que nos fez vibrar, vezes sem conta?
Da sua estatura de Comunicador, fala a sua obra; da sua fibra e do “virar as costas” à reforma, testemunham os seus escritos, até aos últimos dias da sua vida…
Porém, da nossa amizade, gostaria de falar eu, em milhares, ou mesmo milhões de letras, numa prosa interminável. Mas, neste momento de choque, lágrimas rebeldes de emoção pela perda do amigão, tolda-me uma parte do pensamento.
Até sempre, amigo João!
Renato Caldeira
Homenagem das Produções GOLO:
O João de Sousa começou a sua carreira na GOLO aos 16 anos de idade. Esta é a nossa homenagem a um grande homem e um amigo maior ainda. João a tua voz ecoa na eternidade.
Nota do BigSlam:
- As cerimónias fúnebres de João de Sousa, realizaram-se hoje quinta-feira (dia 29), pelas 8H00, no Parque dos Continuadores (antigo Parque José Cabral), seguindo depois pelas 10H00, para o Cemitério de Lhanguene.
Um Comentário
José Miguel Rodrigues
Bonita e comovente homenagem do Renato Caldeira e das Produções Golo.
Até sempre homem ímpar.