Querida, vou ali à Lituânia comprar um clube e volto já.”
Deve ter sido mais ou menos isto que Mariano Barreto disse à esposa. Ela, uma companheira de vida e uma parceira inseparável e habituada às aventuras do marido, deve ter dito qualquer coisa como isto: “Ok. Vai lá. Mas não te demores.”
Aconteceu em 2015. Depois de muita experiência adquirida a vários níveis do edifício futebolístico, Mariano Barreto decidiu dar mais um passo naquela que tem sido uma carreira cheia de desafios, cada um diferente do anterior, e foi até à Lituânia comprar o FC Stumbras, clube da cidade de Kaunas. É óbvio que as coisas não correram com a simplicidade que aqui estão a ser descritas, mas já vamos às explicações, até porque, Mariano Barreto, o treinador que teve papel fundamental na formação e no desenvolvimento de jogadores como Luís Figo, Daniel Carriço, Ricardo Carvalho, Sulley Muntari e Michael Essien, explicou tudo ao “Bancada”. E explicou também o porquê de não ter vindo para Portugal.
Mariano Barreto é um verdadeiro “globetrotter” do futebol mundial e o próprio não se considera um “treinador tradicional”. Para perceber isso basta dar uma olhada pela folha de trabalhos já realizados pelo Licenciado em Educação Física e antigo professor. A carreira de Mariano Barreto tem sido pautada por projetos que o obrigam a ter uma visão mais abrangente do futebol. A mesma visão que lhe foi permitindo adquirir ferramentas e capacidades, assim como contactos, que lhe abrissem o caminho desta aventura como co-proprietário de um clube de futebol, agora, aos 61 anos de idade. Digamos que chegou ao topo da pirâmide.
O negócio foi-lhe proposto de forma natural, como o próprio Mariano Barreto explicou ao “Bancada”. A ideia era “pegar num clube, criar um centro de formação, valorizar os jogadores e ao mesmo tempo estabelecer o clube”, ora bem. E quem melhor para liderar um projeto destes senão alguém com uma vasta experiência nas diferentes áreas do edifício futebolístico. Alguém que tenha no currículo jogadores como Luís Figo e Emílio Peixe, do tempo em que treinava e orientava, nas camadas de formação do Sporting, aqueles que se vieram a sagrar campeões do Mundo sub-20 em 1991 e no caso de Figo, Melhor Jogador do Mundo FIFA.
Alguém que lançou jogadores como Michael Essien, Sulley Muntari e outros,
quando passou pela seleção do Gana, onde, ao mesmo tempo que guiava os africanos aos Jogos Olímpicos de 2004 e qualificava a seleção principal para o Mundial’2006 era ainda o “responsável por toda a pirâmide do futebol ganês”. Ou até mesmo, alguém com experiência em recuperar jogadores dados como acabados para a prática do futebol devido a problemas físicos, como foi o caso de Paulo Sousa, em 1996. Aliás, foi em Dortmund, quando seguiu o médio para o Borrusia, que Mariano Barreto experimentou pela primeira vez a vida de emigrante. Daí para cá, estranho é trabalhar em Portugal. Mas nada que apoquente o espírito aventureiro de Mariano Barreto, que contou sempre com o apoio da esposa. “Andou sempre comigo e facilitou sempre as coisas ter a família por perto”, explicou.
Muito bem. Já percebemos então como surgiu esta oportunidade de se tornar co-proprietário de um clube. Mariano Barreto sabe muito de futebol, tem experiência em várias áreas, tem olho para encontrar potenciais estrelas, sabe desenvolvê-las e conhece muita gente. Tem contactos nos quatro cantos do Mundo. Trabalhou na Alemanha, na Rússia, em África, no Médio Oriente, enfim, you name it. Passemos aos detalhes práticos, revelados, ao “Bancada”, pelo próprio Mariano Barreto que até nos contou que a ideia inicial era comprar um clube em Portugal. As negociações conheceram grandes avanços, mas as questões burocráticas, sempre intermináveis cá no burgo, fizeram com que o negócio caísse por terra.
“Este projeto começou a ser desenhado em 2015 e na altura estávamos à procura de um clube em Portugal e falámos com vários clubes, vimos várias possibilidades, mas os processos de transferência de titularidade dos clubes iam demorar muito tempo. Outros casos houve em que os clubes tinham enormes passivos. Também alguns clubes da Segunda Liga que ainda não tinham constituído as SAD´s, funcionavam com SDUQ´s, portanto, não se tornou viável para nós. E acabámos por virar o foco para o estrangeiro”, explicou Mariano Barreto, ao “Bancada”, depois de ter administrado mais um treino à sua equipa. Sim, é dono, mas também é o treinador e já conta com um troféu importante. Mas já lá vamos.
“Depois surgiu a hipótese Áustria, de um clube da segunda divisão, na altura pareceu-nos um projeto interessante, mas depois apareceu esta hipótese na Lituânia. Conseguimos a aquisição de 100 por cento do clube e finalizámos o negócio em duas semanas, o que seria algo impensável em Portugal. Circunstancialmente, os antigos donos não estavam mais disponíveis para continuar à frente do clube, coincidiu com o nosso interesse em encontrar o clube e estabeleceram-se as pontes. O processo só demorou mais tempo porque teve de ser aprovado pela UEFA. Fizemos a escritura e depois tivemos de esperar que as coisas seguissem o seu rumo natural, relatórios da Interpol etc, etc… afinal de contas comprar um clube não é uma coisa que se faça todos os dias.”
Tudo tratado. Aquele que um dia se apresentou ao futebol como treinador das camadas jovens do Sporting – falamos do final dos anos 80 do século passado – é agora co-proprietário do FC Stumbras. Um clube fundado em 2013 e com pouca história, é verdade, mas que conta já com um troféu muito importante. É que o FC Stumbras, já sob o comando técnico de Mariano Barreto, conquistou a Taça da Lituânia e vai disputar as pré-eliminatórias da Liga Europa da próxima temporada. É obra para um clube tão jovem. Mas será que é isso que conta para o projeto que Mariano Barreto tem para o clube. Não. É óbvio que os títulos são saborosos, mas não são o fim que este projeto procura.
“Para nós, a classificação é uma coisa secundária, desde que a equipa permaneça na Primeira Liga. O nosso grande trabalho aqui é pegar em jogadores jovens, valorizá-los e coloca-los no mercado”, explicou Mariano Barreto. “A nossa equipa, o ano passado, foi a mais nova da Primeira Liga. Temos uma média de idades a rondar os 22 anos. Temos miúdos com 16 anos até aos 22, depois há dois ou três com 25 e um com 31. Porque o nosso objetivo, no fundo, é trazer jogadores novos, com talento, tentar colmatar algumas dificuldades que possam ter e prepará-los para equipas de topo. Esperamos que pelo menos um ou dois jogadores possam atrair esse mercado no final de cada época. Até agora temos conseguido”, referiu.
O plantel liderado por uma equipa técnica inteiramente portuguesa – Mariano Barreto, Luís Guilherme, Sérgio Louro e João Luís – é uma verdadeira sociedade das nações.
Portugueses são uns quantos, entre eles, Agostinho Cá que passou por Sporting e FC Barcelona, depois há os brasileiros, os costa-marfinenses, os sul-africanos, os franceses, os ucranianos, os ganeses e também os da casa, os lituanos, como não poderia deixar de ser. Entre esta malta há um nome a dar nas vistas (sabemos que não é fácil, mas memorize): Kgaogelo Sekgota. É sul-africano, tem apenas 20 anos e deixou um par de clubes de cabeça perdida quando o FC Stumbras realizou o estágio de pré-temporada na Turquia. Entre os clubes que defrontaram a equipa de Mariano Barreto contam-se Zenit, Dínamo Moscovo e Estrela Vermelha.
É desta forma que Mariano Barreto vê o seu projeto.
Receber jovens jogadores e trabalhá-los. Valorizá-los e colocá-los no mercado. E é aqui que regressamos às valências adquiridas por Mariano Barreto ao longo da sua carreira. Os contactos que foi angariando e a imagem que construiu por onde passou. E explica-se de forma simples:
“Quando vêm ter comigo é porque sabem do meu interesse em valorizar estes jovens jogadores. Sabem do que sou capaz de fazer. Nós temos jogadores da África do Sul, do Mali, da Nigéria, da Costa do Marfim. E têm, todos, uma coisa em comum. Querem ser jogadores de futebol. Têm muita vontade e querem cumprir um sonho. E quando vêm para aqui sabem que há aqui gente que os vai ajudar a tentar materializar esse sonho”, explicou Mariano Barreto.
Resta-nos ficar atentos aos nomes lançados pela nova fábrica de talentos, liderada por um português, no frio da Lituânia.
Fonte: Bancada – Sérgio Cavaleiro
2 Comentários
Pierre Vilbro
Ao longo dos vários artigos que o Bigslam tem publicado sobre variadíssimas personalidades moçambicanas – uns, moçambicanos originários, outros, de coração, suor e lágrimas -, eu tenho matutado sobre a enorme riqueza que Moçambique desperdiçou – o capital humano também é uma enorme riqueza de qualquer país -, e, mesmo que o não quisesse, tenho que concluir que a culpa não foi só do colonialismo. Quanto eu o lamento.
A. Braga Borges
Foi um prazer partilhar bons momentos com o Mariano, no último almoço dos futebolistas de Moçambique, que se realizou no Parque das Nações. Grande contador de estórias.