O ciclone IDAI e a nossa reputação
Por Lázaro Mabunda, jornalista moçambicano
O ciclone IDAI veio descobrir a nossa pobreza, expor a nossa incompetência, despir o nosso orgulho e escangalhar o pouco que restava da nossa reputação. Somos um país que se julga país, quando, na verdade, de país apenas temos nome. Somos uma nação que ainda não passou de um projecto de uma nação. Gritámos e reclamámos que somos patriotas, quando queremos dar golpes corruptos sobre a nossa pátria.
O ciclone reforça a minha reclamação e a reclamação de muitos excluídos de participar na construção de um país de todos e para todos. A partir de hoje, porque atingimos o grau zero de reputação, o Governo deve deixar de olhar para os que pensam diferentes como oposicionistas e como “eles” contra “nós”. Deve olhar “eles” como aqueles que querem construir uma nação e um país no qual todos sonham viver. Devemos construir um país em que os moçambicanos não sonhem abandonar, mas aquele que todo o cidadão que esteja fora não veja a hora de regressar ao seu país. Tínhamos chegado a esse nível, mas alguns que se julgam mais patriotas retrocederam o país para níveis humilhantes. Hoje, o moçambicano no exterior sofre bullying, é visto como aquele país em que o seu governo “escondeu uma dívida”, aquele país com taxas de juros mais altas do mundo, aquele país amaldiçoado, onde acontece todo o tipo de maldade, aquele inferno.
Já houve tempo que em as notícias eram sobre milhares de estrangeiros repatriados semanalmente. Éramos procurados, porque éramos a terra prometida.
O ciclone IDAI despiu-nos. Andámos com uma mão a cobrir os nossos órgãos genitais e outra a cobrir o nosso traseiro. Todos nós. Explico porquê.
1. Em 44 anos de independência andámos em conflitos entre nós. Andámos a investir em forças armadas, forças policiais e em Serviços de Segurança para controlar os Mabundas e compania que criticam a nossa governação. Investimos nessas instituições para assegurarem as nossas vitórias eleitorais.
2. Quando o IDAI nos fustigou, não fomos nós que salvamos os nosso maravilhoso povo. Foram estrangeiros: sul-africanos, europeus, americanos, asiáticos. Foram as organizações das Nações Unidas como PMA que alugaram helicópteros e aviões de carga. Não foram os militares, polícias nem sises altamente equipados. Estes têm mais armas e carros blindados para disparar e espancar os indefesos.
3. Quando o IDAI nos despiu as calças e toda a nossa roupa interior, foram as ONGs que combatemos que foram nos salvaram e continuam a salvar-nos.
4. Os sul-africanos e os ocidentais vieram fazer o que nós não conseguimos fazer: trouxeram seus avião para salvar milhares de pessoas, enquanto nós discutíamos se Daviz Simango foi ou não convidado ao Conselho de Ministro da Beira. Enquanto os ocidentais e sul-africanos salvavam o nosso povo, o nosso Presidente, em vez de disponibilizar o seu helicóptero para a salvamento das pessoas, sobrevoava as zonas afectadas, assistindo às pessoas penduradas nas árvores e nos tectos quão fotojornalista em plena actividade.
5. Enquanto não sabíamos o que fazer e o nosso povo bebia a mesma água turva que o matava, eles abriram furos de água e purificavam a mesma água, tornando-a potável.
6. Quando as doenças nos deixavam desesperados e nus, com as duas mãos nas mesmas posições, eis que eles drenam toneladas de medicamentos e vacinas para cólera. Nós sempre assistindo. Enquanto a fome espreitava e nós, sempre improdutivos, apareceram eles para nos dar de comer.
7. Quando esses donativos vinham em dinheiro e em espécie, emergiu outro problema. Ninguém confia em nós porque somos ladrões, corruptos, imorais e amorais. Os que nos ajudam, em vez de se preocupar em angariar donativos, tinham de se preocupar com a nossa falta de integridade, com a nossa capacidade e competência em roubar mesmo perante um fiscalizador. Tinham de nos pressionar para encontrarmos um auditor que pudesse servir de fiscal, um guarda, um sentinela, porque senão os seus donativos não chegavam aos necessitados. Humilhante. Somos humilhados pela nossa incompetência e pela nossa falta de integridade.
8. Enfim, nós somos incompetentes. Não conseguimos produzir a nossa comida, não conseguimos construir infra-estruturas hidráulicas que amortecesse o impacto das cheias como tem acontecido sempre que os rios enchem, não temos mecanismos de evacuação das pessoas, não temos mecanismos de resgates das pessoas, não conseguimos purificar a água, nem tirar as pessoas sobre os tectos e árvores.
Então, o que nós sabemos? Ahhhh, boa pergunta. O que sabemos é roubar aos pobres, violentar os pobres e indefesos que reclamam, sequestrar e assassinar à luz do dia os que nos querem iluminar com o seu conhecimento. O que nós sabemos perfeitamente fazer é inventar prioridades para roubar. Investir em forças de defesa e segurança para garantir os nossos resultados eleitorais e controlar os que nos criticam. O que nós sabemos bem é ameaçar, deter e acusar jornalistas que nos fiscalizam.
Mais o que nós mais bem sabemos fazer é não fazer nada. O resultado é esse: o IDAI despiu-nos.
- Lázaro Mabunda é jornalista e licenciado em Ciência Política. Em 14 anos de jornalismo ganhou 12 prémios, 7 nacionais e 5 internacionais.
3 Comentários
Inocêncio Machave
Parabéns Dr.Mabunda,acho que tudo isso resume se no facto de o reguime colonial prevalecer no país,apenas saímos o colono branco para o negro
.saudações
José Teixeira
Este artigo e os comentário que li só vem comprovar as imagens que fomos recebendo pelas televisão nos noticiários . Não conheço moçambique mas sei que é um país com muitos recursos e com jornalistas de coragem para denunciar as barbaridades que os politicos cometem.
Haja esperança até que apareçam politicos que comunguem das ideias do Lazaro e invistam na educação da nova geração. Os descolonizadores fizeram a sua parte, o Povo moçambicano fará o resto, assim espero e desejo para bem da humanidade.
Bongola manparra
Parabens ao corajoso jornalista que tem tido coragem para por a nú o desgoverno dos sucessivos governos corruptos daquele pobre país!
Que não lhe aconteça o mesmo que ao colega que foi “suicidado” há uns anos!