A ÚLTIMA VIAGEM
Gulamo Khan foi parceiro de muitas realizações radiofónicas. Nos momentos em que era preciso implantar na nossa Rádio Moçambique uma programação virada para as realidades dum país que acabava de nascer, ali estava o Gulamo. Com ele, com o Leite de Vasconcelos e tantos outros colegas, produzíamos programas que hoje, ninguém sabe bem porquê, já não fazem parte da “grelha” de programas da RM. Ficam as saudades da “poesia e contos de todo o mundo”, do teatro radiofónico que naquele tempo passou a designar-se de “Cena Aberta”, ou do “Sentido das Palavras”.
A minha convivência com Gulamo Khan não começa nos estúdios da Rádio. Começa por convivência familiar, mesmo antes de 1975.
Gulamo, para quem não sabe, era um exímio cozinheiro. As nossas patuscadas faziam-se na nossa “República”. Dela eram membros permanentes o Almeidinha, antigo futebolista da Académica de Lourenço Marques e o José Maia, técnico do Rádio Clube de Moçambique. Por essa “república” passaram outras figuras da radiodifusão como por exemplo o José Manuel Peres, o Jorge Morgado, o Luís Fonseca, o Jaime Ferreira, o Botelho Moniz, o Gulamo Khan e eu.
Mas não era de patuscadas que era feito o nosso dia a dia. Era de conversas sobre rádio. Algumas das ideias sobre novos programas, nasciam ali naquela “república”. Ali se falava de fotografia. Ali se revelavam as fotos que eram a grande paixão do José Maia e do José Manuel Peres. Fotos a preto e branco ou a cores, do pulsar de Lourenço Marques e das suas gentes. Dos monumentos, dos edifícios públicos, das vendedeiras do mercado, do trânsito da cidade. Infelizmente todo esse espólio se esfumou com o vento.
A última vez que vi Gulamo Khan foi no sábado, 18 de Outubro de 1986. Acabava eu de realizar o programa “Música e Desporto” que era transmitido todos os sábados das 17.00 às 18.00 horas no canal nacional da RM, quando, à porta da Rádio encontro Gulamo Khan. Aguardava por uma boleia para ir para casa.
Há muito que tinha deixado de trabalhar na Rádio. Exercia funções de Adido de Imprensa da Presidência da República.
Nesse sábado Gulamo informou-me que “amanhã vou a Mbala, na Zâmbia, integrado na delegação presidencial. Vai ser a minha última viagem”.
Já tinha pedido ao Presidente Samora Machel para deixar de trabalhar como Adido de Imprensa. Queria dar o seu contributo à Associação dos Escritores de Moçambique e voltar a colaborar com a RM, na produção de programas culturais.
Infelizmente foi a sua última viagem. Só me apercebi disso quando na segunda feira chegou a triste notícia do acidente de Mbuzini.
O livro “Mocambicanto” é uma recolha dos seus textos, elaborada após a sua morte, por Albino Magaia, Calane da Silva, José Craveirinha e Júlio Navarro
João de Sousa – 19.10.2016
3 Comentários
Laurinda Levy
Recordo do Khan pela televisão e rádio. Adorava ouvi-lo declamar…foi uma partida triste a dele e dos restantes ocupantes do Tupolev…
João Nogueira da Costa
Uma bonita página, em que se juntam duas pessoas que conheci em períodos diferentes da minha vida: o João de Sousa, com o qual andei no então Liceu Salazar de Lourenço Marques, nos anos 60, e o Gulamo Khan, que conheci durante a tropa, na cidade de Tete, em 1972/73.
E “neste xitimela nosso comboio da vida” aqui nos encontrámos por acaso.
Zuraida Khan
Muito obrigada João de Sousa por partilhar a linda e triste recordação da última viajem do meu quetido irmão.Zuraida Khan