UMA DATA NA HISTÓRIA – 6 de Abril de 1930… José Cardoso
A minha relação com José Cardoso começa quando um dia o Sol de Carvalho, que era meu Chefe no Sector de Reportagem e Programas Informativos da RM, me destaca para o entrevistar. Era preciso preencher alguns minutos do “Jornal Sonoro” da Rádio, com referências sobre o “Dia Mundial do Cinema”, que se assinala a 5 de Novembro de cada ano. Nada melhor do que Zé Cardoso para falar da “sétima arte”.
O meu encontro com o decano dos cineastas foi no Instituto Nacional de Cinema, instituição para onde foi trabalhar, quando da Beira veio para Maputo. Três pormenores chamaram a minha atenção. O seu cabelo grisalho, dois dedos da mão direita amarelecidos pela nicotina dos muitos cigarros que fumava e a forma apaixonada como falava da “sétima arte”. Eu estava perante uma fonte de conhecimento sobre cinema.
O aprofundamento da nossa relação profissional e de amizade dá-se quando nasce o projecto “Volta a Moçambique”, na década de 80. Os múltiplos contactos estabelecidos com a Direcção da Televisão de Moçambique e com a Manuela Soeiro, permitiram criar a equipa que se responsabilizaria por colocar no principal e único canal televisivo da época, um programa de natureza cultural, recreativa e educativa, que seria transmitido mensalmente, aos sábados.
Dessa equipa, que integrava vários profissionais da Televisão de Moçambique, fez parte José Cardoso, na sua qualidade de realizador e que tinha como apresentadores o Leite de Vasconcelos e eu, o Eduardo Fernando na produção, coadjuvado pelo Machado da Graça e pelo Jorge Amade, e a Manuela Soeiro que coordenava, conjuntamente com os artistas do “Mutumbela Go Go” toda a actividade a desenvolver no Teatro Avenida, local escolhido para a gravação do programa.
O que retive de José Cardoso como elemento integrante da equipa do “Volta a Moçambique” não foi só o facto de ele surgir como realizador e responsável pela pós produção do programa, mas também pela sua capacidade de interferir (no melhor sentido da palavra) na idealização do programa, com excelentes sugestões sobre os diferentes concursos que corporizavam aquela realização mensal da TVM.
O terceiro momento de aproximação profissional com José Cardoso foi quando ele, juntamente com os seus filhos, funda uma Agência de Publicidade denominada “Publicita”, para quem prestei a minha colaboração na gravação da vários “spots” publicitários.
DA FARMÁCIA PARA O CINEMA
José Cardoso veio para Moçambique em 1939. Até 1946, dividiu a sua adolescência pelos anos de estudo primário, no Instituto Mouzinho de Albuquerque na Namaacha, pelo secundário na Escola Comercial e Industrial Sá da Bandeira, em Lourenço Marques, e pelo trabalho que começou aos 14 anos, como praticante na farmácia Central. Em 1946 decidiu tornar-se independente e foi para a cidade da Beira, onde completou a adolescência e tornou-se homem, trabalhando na farmácia Graça. Foi nessa cidade que conheceu Laura, com quem casou em 1957 e de quem viria a ter três filhos: João, Luís e Alexandre.
A paixão pelo cinema ocupava os seus tempos livres em favor de uma arte que o atraía. Foi fundador do Cine-Clube da Beira, onde se iniciou no estudo da arte e da técnica cinematográficas e na produção de filmes, numa altura de inúmeras dificuldades, quer políticas, quer pela escassez de meios.
Em 1976 aceitou o convite que lhe foi feito pelo Instituto Nacional de Cinema (INC) para ingressar nos seus quadros técnicos como profissional e rumou para Maputo onde trabalhou, primeiro, como director de produção e depois como realizador, deixando para trás, na Beira, a delegação do INC, que organizou, e o embrião do projecto de Cinema Móvel, que se pensava estender a todo o país. Foi mentor e co-realizador do “Kuxakanema” um projecto de filmes de curta metragem, que era exibido nas diferentes salas de cinema de Moçambique.
Por razões alheias à sua vontade, viu-se na contingência de abandonar o INC, instituição que ele considerou como sendo uma verdadeira escola de formação de cineastas moçambicanos. Depois de deixar o Instituto Nacional de Cinema, José Cardoso constituiu uma empresa de produção de filmes, em parceria com outros profissionais e amigos e os dois filhos mais velhos.
De entre os inúmeros filmes por si realizados destacam-se:
1966 – “O Anúncio”
1968 – “Raízes”
1969 – “Pesadelo”
1982 – “Canta Meu Irmão, Ajuda-me a Cantar”
1984 – “Frutos da Nossa Colheita”
1986 – “O Vento Sopra do Norte”.
José Cardoso era um lutador pela causa do cinema moçambicano. Através da sua lente ele retratou a vida política, económica e sócio cultural do País.
Não deixa de ser importante o seu envolvimento com a escrita, através da prosa e poesia, tendo publicado em 2007 o livro de crónicas “O Curandeiro Branco” deixando no prelo 3 volumes de “Memórias” e o livro de contos “Mangachana, a feiticeira e outras histórias”.
ZÉ CARDOSO e ZECA AFONSO
Um dado importante e pouco conhecido: a canção “Vejam Bem”, incluída no álbum “Cantares de Andarilho” de 1968, de autoria de Zeca Afonso, foi o tema musical do primeiro filme de ficção de José Cardoso, denominado “O Anúncio”. Esta curta metragem retrata a história de um homem à procura de emprego, e na qual o realizador faz também o papel do protagonista, um tipo com ar esfomeado e com uma vida difícil – “dorme à noite ao relento na areia, e não há quem lhe queira valer”.
José Cardoso nasceu no dia 6 de Abril de 1930. Se fosse vivo completaria hoje os seus 89 anos de idade.
João de Sousa – 06.04.2019
2 Comentários
Manuel Atalaia
Falta, no artigo, mencionar uma outra das suas grandes paixões: o jogo de xadrez. Foi através de um torneio realizado no Centro de Arte Africana na Beira que conheci o José Cardoso e família de quem fiquei amigo. Muito boa pessoa.
alrodri@netcabo.pt
João, só tu com o teu talento continuas a divulgar as figuras relevantes da nossa terra. Um abraço, Augusto Rodrigues