A Dona Aurora do Alto-Maé
Setembro chegou, e o BigSlam voltou!
Com a vossa colaboração e participação vai retomar as publicações.
A todos um bom regresso de férias.
Voltei ao passado com a estória de vida desta Senhora! A Dona Aurora do Alto-Maé.
Esse domingo, do fim de Julho de 2019, estava quente. Pouco faltava para as cinco da tarde, quando a minha esposa me disse que tínhamos de ir às compras ao centro comercial, Almada Fórum.
Pensei: – “Pelo menos ali estou no ar condicionado”!
Como já não tenho paciência para andar nas lojas, marcámos a hora e o local de encontro.
À hora combinada fomos ao snack bar das “Bifanas de Vendas Novas” fazer uma refeição ligeira.
Estávamos a meio da refeição quando, para fazer também a sua, uma senhora um pouco mais nova, nos pediu licença para se sentar à mesa. As outras estavam ocupadas.
Assim que se sentou, notei que ela nos mirava de soslaio – Até que!
“Posso fazer-vos uma pergunta?” E sem esperar pela nossa resposta, perguntou:
Estiveram em África? – Porque não era esse o tema da nossa conversa, nem nada que nos relacionasse com África; olhámos um para outro!
“Porque nos faz essa pergunta?”
“Sabe! É que pela vossa postura, pareceu-me!” Disse.
Informamos que estivemos desde miúdos em Moçambique, e fizemos vida em Lço Marques.
“Eu nunca me engano! Nós que estivemos em África somos diferentes! – Chamo-me Aurora, e morei no Alto-Maé.”
Concordámos com ela… e disse-lhe que ainda hoje, passados tantos anos, os que lá estivemos temos um quê de diferente! E ao contrário do que os políticos, e outros, nos querem fazer crer, não foi só o 25Abr74 que alterou o estilo de vida deste país. Foram também os “Retornados” com o seu espírito de inter-ajuda, a sua dinâmica, querer e formas de estar!
Recordei-lhe as palavras que em 1975 ouvi ao falecido político, Almeida Santos:
“…O país que se preparasse porque os retornados vinham-lhe mudar o modo de vida!”.
E ele sabia do que falava, porque também fez vida em Lço Marques!
A partir daqui comentámos as transformações operadas em Portugal, e as saudades do tempo que vivemos em Moçambique!
Depois de contarmos a nossa estória de vida, e as “peripécias” que passámos com a chegada a Portugal! Ela contou-nos a sua:
A dona Aurora Correia, nasceu em Lourenço Marques, viveu no Alto-Maé
e estudou no Liceu Salazar.
Trabalhou para o Sr. Pronto. Dono do stande de automóveis, Auto-Pronto.
Eu disse-lhe que me lembro bem do Félinho, um dos seus filhos. E de o ver metido nas corridas, com um Renault R8 Gordini.
“O menino Rafael sempre gostou de corridas, e nas suas conversas falava muito de automóveis!” Disse ela.
Entendi que foi por influência do Sr. Pronto que conseguiu entrar para a Direcção Geral de Viação, que ficava mesmo ao lado do seu stande de vendas, na esquina das avenidas Manuel de Arriaga com a Fernão de Magalhães.
Da Direcção Geral foi trabalhar para a Junta Autónoma de Estradas, na rua do Jardim Zoológico ao pé da Universidade. Ali se manteve, sempre na esperança que “ventos novos” soprassem em Moçambique. Mas com a guerra, Frelimo/Renamo, esses “ventos novos” estavam a dar origem a um “temporal”!
E por isso, em 1980, resolveu vir para Portugal. Aqui trabalhou em contabilidade na tesouraria da Assembleia da República. E até teve de se impor! Porque por ser “Colored”, e com o dedo apontou para a cor do braço, (achei-lhe graça ao termo!) queriam fazer dela “pau para toda a obra”! Desde o assinar de cheques em branco para pagamentos, até se esponsabilizar por contas de outros!
Sobre o Moçambique actual, diz que agora é possível uma mudança. Porque ouviu falar em novos candidatos para as eleições presidenciais de 15Out2019, e numa senhora que tem hipótese de conseguir uma boa votação. Porque tem uma visão diferente do país! – Creio que se estava a referir à Alice Mabota, Presidente da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique.
Para não a desiludir, pensei cá para mim!..
– É muito difícil em Moçambique, tal como noutros países africanos, o partido que está no poder, por votos, perder umas eleições presidenciais. Ainda mais, para uma mulher! Em África, por muitos motivos e mais alguns, não é tradição uma mulher chegar à presidência de um país.(1)
Despedimo-nos dizendo-lhe que gostámos muito de falar com ela para recordar as nossas vivências em Xilunguíne, mas que ainda tínhamos de ir ao supermercado Jumbo terminar as compras!
Disse-nos que quando acabasse a refeição também tinha de lá ir.
Já no Jumbo, comecei a “matutar” e disse à minha esposa: “Vou lá cima, (a restauração fica no último piso), tirar uma foto à D. Aurora”.
Quando lá cheguei já não a encontrei! Só me restava procurá-la no Jumbo. Foi aí que a encontrei!
Sei que mora em Almada no bairro do Miratejo, tem netos e nunca mais voltou a Moçambique!
Esta é a estória de uma moçambicana que, tal como nós, por motivos de segurança e estabilidade abandonou um país que já foi seu.
Até sempre “Dona Aurora do Alto-Maé”. Muitas felicidades, e fazemos votos de um novo encontro para “matar saudades” do nosso Xilunguíne!
- – Há poucos dias soube que o Conselho Constitucional de Moçambique tinha rejeitado, entre outras, a candidaturas da activista Alice Mabota. Porque teve 5.611 proponentes invalidados, de um total dos 13.160 submetidos, e a lei moçambicana determina 10.000 como número mínimo de proponentes.
– O próximo post a publicar, das “Figuras moçambicanas do nosso tempo”, é sobre o toureiro Ricardo Chibanga, recentemente falecido.
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno. Muito pequeno!
João Santos Costa – Setembro de 2019
5 Comentários
Aurelio
Lindo! ‘E a Dona Aurora que viveu tb uns anos em Xai-Xai (Joao Belo) e dava aulas de explicacao? Acredito que sim. Muitas saudades daquele tempo.
Jorge Aboim para não jr
Li e recordei os meus tempos do nosso LM, faço parte da famosa esquina da Mobilarte,onde todos os anos juntamos na Expo,para recordarmos da nossa juventude…
Carlos Alberto
Bonito texto João, gostei de rever a D. Aurora pois o meu pai tinha um prédio no Alto Mae e conheci essa Senhora, e é verdade temos um quê de diferentes, temos e vamos ter sempre, pena o texto falar de uma pessoa que tanto mal fez a tantas pessoas que de lá vieram, um grande abraço João, e continua com as tuas publicações
Adalberto Mendes
É preciso saber aproveitar os momentos, bela estória; somos mesmo diferentes para melhor, desculpem… não é presunção é convicção… sem quaisquer laivos de superioridade… forte abraço.
A. Mendes
Inácio Rodrigues
Excelente… Uma da Milhares ” Estórias ” com uma riqueza incalculável dos nossos anos dourados de Moçambique. Obrigado amigo… Aquele abraço