A minha última aula!
Como no fim deste ano lectivo 23/24 decidi terminar a carreira docente, estão todos ”convidados” a participar e comentar esta “minha última aula”.
Porém, tenho de vos confessar:
• Mesmo sabendo que Professor é das profissões mais antigas.
• É de extrema importância! Porque todos os outros profissionais são formados por ele.
• E em muitos países é das profissões mais respeitadas! Como no Japão em que somente os professores estão/estavam dispensados de se curvar diante do Imperador e quando em representações oficiais tinha/tem ao seu lado direito o professor mais distinguido nesse ano.
Mesmo sabendo isto. Esta carreira não estava nos meus horizontes! Dizia aos meus amigos que não tinha paciência para “aturar os filhos dos outros”.
Mas pela confusão sócio/política e crise de emprego que aqui encontrei, quando em 1975 cheguei vindo de Moçambique, fui “empurrado” para ela.
Temporária pensava eu! Porque assim que a situação no país estabilizasse voltava à área que gostava, de motores térmicos!
Só que:
Deus escreve direito em linhas tortas”.
E fez-me ver que estava redondamente enganado. A docência ia para muito além do que eu imaginava!
Desafiou-me a investigar conteúdos que de outro modo teriam ficado esquecidos. E a minha capacidade de transmitir conhecimentos. Por isto estava sempre aprender!
Depois disto passou a ser a minha paixão.
Alguns professores/(as), pela importância que dão á sua carreira, quando resolvem terminá-la convidam colegas, personalidades, alunos e amigos para assistirem à sua “última aula”. Onde fazem um historial da sua vida académica e referem os problemas actuais do ensino.
Como vou terminar a minha, com a certeza do “dever cumprido”, estão “todos convidados” a assistir e participar.
Vou terminá-la não porque as minhas faculdades, de todo, me tenham traído. Ou o meu método de ensino se encontre esgotado.
Mas quando os anos começam a “pesar”, a profissão “de dar e receber saberes do mundo”, torna-se demasiado exigente e cansativa. E muitas vezes traz também à mistura um extenso rosário de incompreensão, tristezas, amarguras e ingratidão.
Agradecimentos
Também como nas outras profissões, a de professor não é excepção! Só é possível com o apoio, colaboração, e dedicação de vários intervenientes.
Por isto, tenho de agradecer a todos que, directa ou indirectamente, contribuíram para que a minha tivesse chegado a “bom porto!”
- Aos meus professores, grandes mestres, a quem muito devo. Por terem sido incansáveis em me transmitirem os seus saberes. E até por dedicarem parte do seu tempo extra para me explicarem em pormenor os conteúdos. Tive a sorte de vos ter como grandes orientadores.
- Aos meus alunos. Porque foram/são a razão de ser da vida de professor e da minha realização profissional.
Dizer-lhes que ensinei o que de melhor sabia! E que com eles também troquei saberes e conhecimentos.
- Aos meus colegas amigos:
Os “mais chegados” sabem que jamais me esquecerei deles, e lhes estou eternamente grato! Não vou referir nomes, para não melindrar outros com quem colaborei durante muitos anos em Almada nas “minhas escolas” – Emídio Navarro, Anselmo de Andrade e Escola Profissional de Almada, que foram as minhas segundas casas.
Agradecimento extensível também ao pessoal discente destas escolas.
Todos foram/têm sido incansáveis, e nunca me desampararam. - Aos encarregados de educação e familiares. Com quem sempre tive as melhores relações.
- E por último, mas que são os primeiros! – À minha família que sempre me apoiou nas difíceis resoluções da minha vida.
A todos: Bem hajam!
Mudanças operadas no sistema de avaliação
Vou recordar que em 1983, com a introdução do 12.º ano, um aluno para se poder candidatar ao ensino superior tinha de ter, tal como hoje, no mínimo 95 pontos (9,5 valores) nas provas de acesso, e o resto do percurso escolar não contava para a média de candidatura!
Este procedimento não teve a aceitação da comunidade escolar.
Um professor responsável, de modo algum, podia concordar que depois do trabalho desenvolvido ao longo do ciclo complementar de 3 anos a entrada de um aluno num curso superior só pudesse estar dependente de uma prova geral de acesso, sem ter em conta outros parâmetros da componente lectiva do seu percurso escolar.
Felizmente que aquele sistema durou pouco tempo e foi alterado, entrando depois em conta com o aproveitamento escolar do aluno.
Mas hoje, desde o 1.º ciclo caiu-se no exagero! Porque no final do ano lectivo o aluno, apesar das aulas de apoio, mesmo não tendo adquirido os conhecimentos mínimos, não fica retido, e passa de nível.
E até algumas vezes os encarregados de educação, pelos poderes que lhes são conferidos pelas associações de pais, questionam e pressionam os professores sobre a avaliação atribuída aos seus educandos!
Os problemas maiores que o ensino hoje enfrenta!
Temos constatado que ao longo dos anos que os sucessivos governos, embora avisados, não apostaram na formação de professores. E hoje o ensino debate-se com a sua falta! Chegando ao fim do ano lectivo e ainda haver turmas sem professor em algumas disciplinas.
Somente agora, com a situação mesmo no limite, para tentar minimizar a sua falta, entre outras medidas, os licenciados e os professores aposentados com menos de 70 anos, foram convidados a voltar ao activo. – Será que resulta?
É também com grande tristeza e desilusão que temos assistido na comunicação social, a títulos como estes:
“Professora brutalmente agredida por mãe de aluno..…A vítima foi assistida no Hospital de Santo António”.
“Professora de uma escola básica foi agredida a soco e pontapé à porta do estabelecimento de ensino.”
Estes não são casos únicos! Os meios de comunicação referem que só em 2017 foram levantados 87 inquéritos de agressões contra professores.
Sem nunca se saber se os agressores foram condenados!
Vejam o dilema que é um professor(a) ter de voltar a enfrentar a turma em que um dos alunos o/a esmurrou! – Ou em que uma mãe o pontapeou.
Qual o impacto dessas agressões no comportamento dos alunos que assistiram?
Umas vezes aterrorizados, outras na “galhofa” com os colegas e outras até, desviando o olhar!
Esta violência é também exercida sobre outros funcionários das escolas!
Mesmo entre alunos, as simples “briguinhas do nosso tempo” com os colegas e amigos a tentarem nos separar, dão hoje origem ao denominado “Bullying” que são uma forma de agressão entre alunos, ou grupos de várias escolas onde os colegas e amigos não os separaram. Simplesmente colaboram!
Para complicar mais a situação, recentemente à “revelia” da comunidade escolar e familiar, está a ser introduzido no sistema de ensino “à socapa” a “ideologia de género”, que visa alterar a ordem natural que fundamenta a família e a sociedade, manipulando a mente das crianças com a confusão de sexos, levando-as a pensar que sempre que quiserem podem mudar! Uma menina pode transformar-se num menino e vice-versa, enganando assim as crianças.
É por tudo isto, que os pais e encarregados de educação, sempre que podem, procuram para os seus educandos o ensino privado.
A minha maior recompensa é que depois de uma vida na formação de alunos e professores, termino a docência com a certeza do “dever cumprido!”
Mas saio triste. Porque esta “nova escola”, com algumas das alterações e transformações programáticas que tem sofrido, não é a que sonhei para as gerações vindouras.
Agora, no pouco tempo que tenho pela frente, vou continuar a aprender com o Mundo…
É nele, e para ele, que vou representar o “último acto da peça da minha vida”!
Mas enquanto puder, para acompanhar o tempo, vou manter a ligação às “minhas” Escolas, como visita, onde tenho muitos e grandes amigos.
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno… Muito pequeno!
João Santos Costa – Setembro de 2024
23 Comentários
Manuel Martins Terra
Caro amigo João:
–Depreendo que não foi fácil porventura reunires a matéria para a tua última aula, e imagino o teu estado emocional na hora de te despedires da tua sala de aulas, no fundo a rotina de muitos anos. Para trás ficou um percurso imaculado como docente dedicado à causa, que levou anos a fio a ensinar gerações e certamente com muitas horas de pé junto a um quadro, numa missão de nobre sacerdócio. Um legado que te levou a cruzares com milhares de alunos, muitos deles hoje já no mercado de trabalho, e que te tiveram como professor. Todos nós tivemos no nosso caminho um professor que nos ajudou a projetar o futuro, preparando-nos para os desafios da vida. Falo de um tempo, em que um professor era respeitado e admirado, que nos mostrava que o conhecimento e a valorização passava pela educação. Foi um ciclo feliz e extraordinário, em que estabelecemos amizades que perduram desses tempos já longínquos. Entretanto, os tempos foram mudando arrastando consigo mexidas no ensino que nem sempre foram as melhores apostas, por más decisões politicas que se repercutiram na qualidade da ação educativa. A verdade é que tudo tem um tempo, e com grande mágoa vamos assistindo à irreverência de uma sociedade parca de valores e formulo votos que no próximo dia 5 de Outubro, Dia Mundial do Professor, seja uma jornada de profunda reflexão. O professor para além de uma profissão de desgaste rápido, tornou-se num desempenho de risco, e desde agressões a insultos vão-se registando quase diariamente ocorrências em vários estabelecimentos escolares deste país. Tenho para mim, que ao docente cabe a missão de instruir, porque a educação na verdadeira aceção da palavra, cabe aos pais. Mas quantas vezes o professor, se torna no confidente, conselheiro e até psicólogo? Caro amigo João, sei que sais do ensino de cabeça erguida e com o sentimento do dever cumprido, e também tenho a certeza que ficarás na memória de muitos alunos e formandos que por ti passaram, testemunhos do teu esforço e dedicação. Agora e parafraseando o poeta Jorge Palma, o teu day after , foi o primeiro dia do resto da tua vida. Cabe agora dar mais vida aos anos que se seguem, sempre com esse teu espirito de boa disposição. Caro João, felicidades e muita saúde.
Um abração, do amigo Manel.
joão santos costa
Sobre este teu comentário, tiraste~me os trunfos todos! Só te posso dizer isto:
OBRIGADÃO AMIGO MANEL.
Um grande abraço deste teu amigo
JOÃO
vicenteabreuvicente@gmail.com
Parabéns João pelo belíssimo trabalho nesta nobre profissão.
Eu trabalhei 10 anos na educação como técnico administrativo. Nunca quis ser professor.
Um forte abraço e felicidades na sua vida presente e futura.
joão santos costa
Olá Vicente
Eu em 1978 ou 79(?) estava a leccionar na Escola Emídio Navarro em Almada e fui convocado para, temporariamente, apoiar o Director de Pessoal (Dr. Manuel Cássio) no Ministério. Quando terminei a tarefa o Director pediu-me para deixar de leccionar e passar para os quadros do Ministério com um subsidio e isenção de horário.
Recusei! E até hoje nunca me arrependi.
Gostei de ler o teu comentário. Obrigado.
Um grande abraço.
JSC
Jorge Esteves
Caro amigo João Costa,
Parabéns pelo trabalho desenvolvido e aproveita a fase final da vida que bem mereces.
Um abraço.
joão santos costa
Olá Jorge
Muito obrigado por este comentário.
Um grande abraço.
JSC
Katali
Olá João!
Felicito por mais uma bela narrativa sobre uma vida cheia e rica de professor.
Pelos vistos foi uma aprendizagem única e de excelência, não obstante o desencanto revelado sobre o estado actual do Ensino Hoje, na parte conclusiva do texto.
De facto muita coisa mudou e nem tudo para o lado negativo, então vejamos: dados reais dizem que apenas tínhamos em 1982, 2% de licenciados no sector privado e actualmente em média entram anualmente 70 mil empregados licenciados no mercado de trabalho, e por outro lado, licenciaram-se na última década mais jovens do que nos 900 anos anteriores.
Quanto a qualificação e competências, Portugal Hoje, está ao nível das potências mundiais mais avançadas e no ranking mundial tem 4 universidades nas 50 melhores do mundo.
Abraço, saúde e aproveita da melhor forma uma reforma pró-activa.
joão santos costa
Olá Katali.
Gostei muito de ler o teu comentário, porque o teu trabalho de pesquisa está actualizado, e os dados que referes estão correctos.
Muito obrigado por mais esta achega ao meu artigo.
Grande abraço Katali.
JSC
Mário
Parabéns João Costa por este texto que um verdadeiro retrato do ensino pôs 25 de Abril.
E também de certa forma uma aula.
A profissão de professor que exerco à 40 anos é a mais nobre de todas e também a de maior importância no futuro de um país.
Por isso toda a comunidade educativa deve participar
Com responsabilidade na mesma.
Os alunos mudaram muito nos últimos 20 anos fruto penso da educação que lhes foi dada.
Sim um professor forma o aluno,não educa,mas hoje tem de fazer as duas coisas.
Acresce a carga burocrática que têm e que lhes retira tempo para pensar,para se inovar,para fazer formação acompanhado os novos tempos.
Apesar de tudo é das profissões mais gratificantes,pois quando sentes que conseguiste atinjir o objetivo de passar a teu saber nesse dia e também muitas,muitas vezes com o que aprendes-
te com os alunos,sentes uma alegria imensa,que não se consegue explicar,só sentindo.
Obrigado João Costa por teres ido para esta profissão e verás que serás sempre lembrado pelos teus alunos,que nunca te esquecerão.
Abraço
Mário
joão santos costa
Olá Mário
Também sabia que tens a mesma profissão, e mais uns tempos também está a dar a tua última aula!
Gostei de ler este teu comentário.
Muito obrigado, Mário.
Um grande abraço.
Fernando Alves
A vida de professor não é um mar de rosas em Portugal.
Alguns vão parar ao psiquiatra…
joão santos costa
Olá Fernando
É mesmo! A vida de professor embora gratificante, nunca foi um mar de rosas.
Obrigado pelo comentário
Um grande abraço.
JSC
Brito Gouveia
Caro João, é sempre gratificante terminar uma importante missão em prol da nossa juventude, com o sentimento e orgulho de dever cumprido. Aquele abraço
João Santos Costa
Olá Brito
Como há pouco tempo me perguntaste se estava tudo bem comigo!
Como vez estava ocupado e escrever este artigo.
Volto a agradecer a tua preocupação e este teu comentário.
Um grande abraço deste teu amigo .
JSC
Carlos Pinto
Parabéns Santos Costa!
Abraço
joão santos costa
Obrigadão pelo teu comentário, Carlos.
Grande abraço.
JSC
Brito Gouveia
abritogouveia@gmail.com
Alfredo da Silva Correia
Também vim de Moçambique, no dia 13 de Setembro de 1974 e também fui professor numa época difícil. Mas a última aula foi passados dois anos, depois de a ter começado, tendo partido para outras aventuras profissionais. Quem quiser conhecer toda uma vida de alguém, que perdeu a sua independência económica em Moçambique, pode ler livros tipo autobiográficos, escritos por Alfredo da Silva Correia. O primeiro, o mais interessante publicado em 2016, tendo 350 páginas, tem o título de “UMA VIDA POR DOIS CONTINENTES E UMA VISÂO DO ESTADO DA NAÇÂO.”. Enfim há quem goste de autobiografias….
joão santos costa
Olá Alfredo
Gostei de ler o teu comentário e notei que tens uma publicação em livro, desde 2016, sobre Moçambique.
Sei que também há outras publicações de autobiografias sobre a nossa vida em Moçambique e Angola.
Obrigado pelo teu comentário.
Um grande abraço.
JSC
Nino ughetto
Tive ocasiào de ser professor enquanto estive no serviço militar no norte de Nampula. Tive uns 20 alunos “pretos”. Eles eram extraordinarios, faziam atençào a 100%, Eu fui muito duro e castigava;os duramente por qualquer falta.. No fim do ano eles foram aos exame e passaram todos.. Eu recebi um éloge na minha cardeneta militar pelo bom sucesso, mas a verdade é que foram esses pobres crianças que respeitando sempre a minha pessoa ,faziam tudo tudo para aprender… Hoje a juventude pensam que a vida é facil e nào querem sacreficios nos estudos… Um abraço a todos professores
joão santos costa
Olá Nino
Sei que houve amigos meus que também durante o serviço militar tinham uma turma de alunos naturais.
Eu e outros colegas não podíamos porque em Vila Cabral estávamos pouco tempo no aquartelamento.
Gostei de ler o teu comentário.
Um grande abraço.
Marilia Manuela Ventura Nunes Marques
Muito bem! Excelente texto!
Vim de Moçambique em 1967. Em Moçambique frequentei o Liceu D. Ana da Costa Portugal. Em Portugal, o Liceu Infanta D. Maria, em Coimbra. Excelentes Escolas, onde aprendi as bases que me deram asas para a vida toda. Aos Professores o devo!
Grata aos Professores que “puxaram” por mim.
Professores como o Senhor, são o orgulho dum país. Deviam ser mais respeitados. E os pais deviam agradecer.
Kanimanbo, Professor!
joão santos costa
Muito obrigado por este teu comentário, Marília.
gostei de ler.
Um bjinho.
JSC