“A ponte é uma passagem… para a outra margem”!
“Do Gasolina ao Catembeiro”
Na cidade de Lourenço Marques dos anos cinquenta, do século passado, ao fundo da praça 7 de Março, atravessando a rua 18 de Maio entrava-se dentro do perímetro do cais Gorjão. À nossa esquerda ficava/fica a doca. Descíamos uns degraus em cimento, e lá estava ele, atracado, à nossa espera! – “O Gasolina”.
Era assim conhecido pelos habitantes locais.
Era um barco ronceiro, que fazia o transporte de passageiros entre as duas margens da baía do Espírito Santo. – Da Catembe para a cidade, e vice-versa.
Nas viagens o cheiro a combustível tornava-se incomodativo. Mas com o desejo de chegar, suportava-se!
Tenho em ideia que o preço de cada viagem era “zuca” (dois escudos e cinquenta centavos). – Se estiver enganado, por favor corrijam-me!
O Valter(?), creio que era assim que se chamava. – Não consegui confirmar o nome junto dos meus amigos de L. Marques – Foi meu colega na Escola Industrial, e era familiar (filho??) do proprietário dos “Gasolina”.
Lembro-me quando, com o seu grupo da Catembe, chegava atrasado à primeira aula, o professor “Mandraque”, de físco-química, lhes perguntar se tinham atravessado a baía a nado!
Nós, porque já conhecíamos a pergunta, quando os víamos entrar na sala de aula, e o professor olhava para eles, começávamos a rir.
Recordo-me que num domingo quando me deslocava, com a família, para a Catembe, ver o meu colega Valter(?), motivado, a colaborar com o mestre do “Gasolina”.
Hoje essa colaboração não era possível. Porque o seu familiar era acusado de fomentar o trabalho infantil! Mas naquela época (d´ouro) cada um de nós, orientados pela família, escola e sociedade, tinha liberdade de escolha e espírito de inter-ajuda.
Mas que difícil era o acesso às praias da Ponta do Ouro e Malongane!.. Só mesmo aventura de jovens.
De automóvel; ou preferível jeep, tinha de se ir a Boane. Daí por estrada de areia para a Bela Vista. Em Salamanga passar o batelão sobre o rio Maputo.
Seguir por uma picada para o Zitundo. E finalmente, a cerca de 17 quilómetros; – a Ponta do Ouro!
Um pouco antes, não muito distante, a Malongane.
Uma viagem de pouco menos de duzentos quilómetros que, na época das chuvas, parecia que nunca mais tinha fim!
Desde a década seguinte (de sessenta), começaram a operar próximo do edifício da antiga Fazenda, no terminal das Balsas, – os Ferrys Boat´s, conhecidos por “Catembeiros”. Uns barcos mais modernos, que são uma mais valia. Como transportam automóveis, quem quiser ir para sul não necessita de dar a volta por Boane. E também já tem os acessos melhorados!
Nos princípios da década de setenta era “tema de conversa em café” que uma empresa, – creio ser a mesma que depois em 1972 construiu a ponte sobre o rio Save! – Estava a fazer estudos na zona da Ponta Vermelha, por a geografia do terreno nesse local ter cota alta, minimizando assim os custos, para a partir dali construir até à Catembe, uma ponte.
ELA Aí ESTÁ! ….. IMPONENTE!
Não local inicialmente estudado. Mas isso pouco importa!
É a maior ponte suspensa de África. Os estudos e a primeira pedra começaram em setembro de 2012, no local que os técnicos acharam que oferecia melhores condições de estabilidade, e não só. Na descida da 24 de Julho em direcção à rotunda da antiga Codauto. A saída/entrada na Catembe é, creio, lá para os lados do restaurante Diogo. Tem uma extensão de cerca de três quilómetros. A parte de betão armado corresponde a 1,1 quilómetros na margem norte, e a 1,2 na margem sul. O vão central tem 680 metros e o tabuleiro 60 de altura. A sua construção começou em 2014, e o investimento global, incluindo os acessos, é de cerca de 667 milhões de euro. Para o financiamento desta grande obra, o governo moçambicano recorreu a um empréstimo da China.
Esta obra é, julgo, a mais importante depois da independência. Faz de Maputo uma cidade que rivaliza com as grandes capitais. Não tenho dúvidas que a margem sul de Maputo vai receber um grande incremento turístico e económico. Porque além da ponte, o projecto também contempla os cerca de 200 quilómetros de estrada alcatroada, e outras pequenas pontes, até à praia da Ponta do Ouro.
Estão por isso de parabéns todos os moçambicanos que, com o seu querer e esforço, conseguiram concretizar o que desde o tempo colonial sempre foi um sonho.
Musica: “Pontes entre nós” de Pedro Abrunhosa
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno!
João Santos Costa – 25.06.2018
6 Comentários
Pedro Capella
Os meus parabéns pela forma como descreve a Lourenço Marques em que nasci. Foi uma viagem no tempo. Obrigado..
Diabo do Lago
Abstraindo os saudosismos, analisem bem o assunto!
Tem alguma lógica fazer uma ponte com os custos que esta deve certamente acarretar, para levar os “turistas” (pergunto que turistas) à Ponta do Ouro?
Um país super endividado (a ponte como muitas outras infra-estruturas é financiada pelo Chinos), e a dívida tem de ser paga (com gás, carvão, petróleo ou esmeraldas de Cabo Delgado) ou de outra maneira, mas tem!
Não teria muito mais lógica e moralidade, aqueles milhões serem empregues em melhoramentos? Em Hospitais públicos (que metem nojo logo à porta), em escolas no interior, em estradas do interior, em pequenas pontes no interior, na reabilitação das plantações de chá no Gurué, na substituição das abandonadas linhas férreas,na alimentação das populações que estão abandonadas (daí a implantação fácil do islamismo), na recolha do lixo, na repavimentação das esburacadas ruas de Maputo, etc.
Mas, tal como cá, imperou a mentalidade Socratiana – Construir aeroportos-super sem aviões nem passageiros (Nacala e em breve Vilanculos), Pontes para armar ao rico, frotas pesqueiras que afinal não o são, e outras obras de fachada sem interesse real para o país.
Perguntam porquê?
Vaidades africanas (a minha ponte é maior do que a tua), negociatas e comissões (“à Santos Silva- Sócrates”), facilidades para os oligarcas do partido que têm casa na Catembe ficarem mais bem servidos, enriquecimento ilícito escravizando e explorando as populações em C. Delgado (depois há as guerrilhas fomentadas pelos traficantes da heroína islâmicos), etc.
Pensem bem e pelas vossas cabeças!
Nota: Não tenho qualquer interesse em Moçambique, a não ser a melhoria REAL das sua populações. O resto é fachada.
Maria Jose
Concordo plenmente consigo em sou Mocambicana nunca mais la voltei de3sde 1974 mas Mocambique continua no meu curacao – e penso sempre a China nada faz de graca o Povo como sempre vai ter que pagar e bem
Pierre Vilbro
Muito bom trabalho. Parabéns ao João pelo texto e ao Samuel pela composição fotográfica. Haja sempre pontes para todas as margens, quer sejam em betão armado/ pré-esforçado ou metálicas, ou em palavras (escritas ou ditas), fotografias, intenções e acções.
Eduardo
Parabéns João por este teu artigo.Pena esta ponte nan ter existido no nosso tempo.Eu só conheci a Cstembe.Nunca fui à Ponta do Ouro.
Um abraço
Rui Osório Gouvêa
Quantas vezes utilizei os “Catembeiros” não só para praticar remo (fomos campeões provinciais, destronamos a equipe da PSP. Nós, alunos do Liceu Salazar) como para saborear as famosas mariscadas que lá se faziam.Ainda este ano penso retornar à minha terra que me mata de saudades.