Daniel Roxo: uma lenda de Moçambique
Ou quando os políticos, e outros, se fazem “esquecidos” (?) dos heróis
- Se a guerra colonial já não lhe diz nada, então este texto não é para si.
É a minha homenagem ao Comandante Daniel Roxo! E a todos antigos combatentes na figura deste paramilitar. Para que a memória não os esqueça!
Esclarecimento
Porque no artigo publicado no mês anterior sobre o Guilherme de Melo, referi o Daniel Roxo, recebi pedidos de leitores que queriam saber quem foi. Outros queriam conhecer melhor a sua vida. E ainda outros seus conhecidos, para o recordarem!
Tudo isto porque durante a guerra colonial parte das populações do centro e sul de Moçambique acompanhavam com alguma indiferença o que se estava a passar no Norte, e não sabiam quem era o Daniel Roxo.
Assim como muitas cidades do nosso país erguem monumentos em homenagem aos antigos combatentes, o nome de Daniel Roxo permanece esquecido pelos políticos, pelos munícipes e pela Assembleia Municipal de Mogadouro, sua terra natal. Por isso, decidi resgatar sua memória e prestar homenagem a este ilustre transmontano.
Sabemos que todos os países têm os nomes das figuras notáveis (seus ídolos ou heróis) atribuídos a ruas, avenidas e bairros das suas vilas e/ou cidades, algumas vezes substituindo outros nomes com anos do conhecimento público.
Nem todos! Porque desde o 25Abril74 os sucessivos governos e a comunicação social deste país, embora tenham feito de alguns políticos e comentadores “anti-fascistas” os seus “heróis!”, há outros que, mesmo salvando vidas, por “esquecimento ou malmequerer” têm caído em desgraça!
Porquê Daniel Roxo?
Porque – “Foi o civil mais condecorado pelo exército português, durante a guerra colonial”.
- Porque – Todos que estivemos e fomos militares no norte de Moçambique, sabemos que salvou vidas às partes em conflito. E particularmente às gentes e militares no distrito do Niassa. Onde era conhecido.
- Porque – Recebeu de um jornalista e escritor, este elogio:
[…] Há, em todas as guerras, em todas as lutas e campanhas, aquelas figuras que, irrompendo da vulgaridade, de repente se agigantam e transformam naquele misto de realidade e fantasia com que depois se haverão de perpetuar, de geração em geração, entre as páginas da História e as brumas da Lenda. […] Francisco Daniel Roxo é um desses homens, uma dessas figuras que, sem sombra de dúvida, ficará para os vindouros nesta nossa terra […].”
(Guilherme José de Melo, Jornalista Moçambicano do DN
- Porque em tempos vi no Facebook um post da autoria de Manuel Resende Ferreira sobre o Daniel Roxo, que pela quantidade de visualizações e comentários motivou o meu reparo. Entre estes estava um da Paula Roxo da Silva que me chamou à atenção que dizia: “Rest in peace Daddy miss you” (Descansa em paz Pai sinto saudades).
Quero dizer à Paula, aos irmãos e família, que devem sentir orgulho do seu pai! Porque pelo que os “seus homens” contavam, (ele falava pouco disso!) e os Serviços de Informações Militares confirmavam. O seu pai foi um homem destemido sem medos, e muito estimado pelas populações do Niassa, e não só!
– “Olha aqui um carro da mesma marca e com motor igual ao meu!”
Isto disse eu, muito admirado! Ao Eduardo Serrano, Palma Mira, João Picado e ao Delfim, que naquele fim de tarde estavam comigo junto ao café Planalto da antiga cidade “militar” de Vila Cabral, aonde tínhamos acabado de chegar.
Como era uma cidade com baixa densidade populacional onde todos os residentes se conheciam e com pouco mais de “meia dúzia” de viaturas civis, aquela chamou-me à atenção! O carro que tinha acabado de estacionar era um “Ford Consul” da mesma marca e motor igual ao que eu tinha comprado em 2.ª mão.
“… Roxo guiava um Ford Consul, oferta do Governador Civil….” Revista Observador, nº 14 de 21/5/1971.
De dentro saíram três homens. O condutor, de estatura mediana, e dois moçambicanos com farda militar.
Disse aos que estavam comigo: – “Deve ser um oficial superior com os seguranças! E não usa divisas para não se conhecer a sua patente. Só pode estar mesmo “apanhado do clima”, para trazer um automóvel destes para estas paragens sem estradas!”
Cheio de curiosidade por ver ali aquela viatura dirigi-me ao condutor. E um pouco “embaraçado” por não saber como tratá-lo, disse-lhe que tinha um carro da mesma marca com a mesma série de motor. E como o meu já me tinha dado complicações gostava de saber se naquelas paragens com tantas picadas, o dele também já lhe tinha dado problemas… Disse-me que não, porque andava pouco com ele. Mas precisava de um arranjo de chaparia. A conversa não passou do automóvel! Algumas vezes depois, ainda o vi sair de um Mercedes Benz do Governador do Distrito(?).
Só depois de lhe falar, é que me disseram quem ele era!
Por me verem falar com ele um grupinho de militares próximos, disse que era o Comandante Roxo. De quem eu, na vida civil, já tinha ouvido falar, mas nunca prestei a devida atenção. E nem por fotografias o conhecia!
Foi pelo que contavam dele, os que o conheciam, que me despertou a curiosidade. E só depois soube quem realmente era!
Era muito conhecido e respeitado pela população civil e militares, no distrito Niassa.
– Tinha o apoio das gentes do interior, a quem dava segurança, e às vezes também lhes fornecia parte das suas caçadas, impedindo que a guerrilha massacrasse as populações que não a apoiavam.
– Os militares respeitavam-no porque com o seu conhecimento e estratégia, fez “abortar” ao inimigo emboscadas, golpes de mão e assaltos.
– E os guerrilheiros como sabiam que ele conhecia bem o teatro de operações e era cauteloso nas suas movimentações com medo de serem capturados, evitavam fazer certo tipo de intervenções mais “ousadas”!
Roxo não matava os seus prisioneiros. Entregava-os às nossas tropas para serem interrogados. E por isto salvou vidas às partes em conflito.
Foi talvez por conhecer bem o terreno que pisava, e pela sua colaboração com as nossas tropas, que no Niassa a guerrilha nunca teve grande apoio. E procurou esse apoio nas populações do vizinho distrito de Cabo Delgado.
Os que o conheciam bem disseram-me que falava pouco das operações militares em que participava. Gostava mesmo, era de contar as suas caçadas! E muito do que se ia sabendo sobre o seu modo de actuar contra a guerrilha, era contado em privado, ou por alguns dos “seus homens”.
Como eu andava em escoltas cruzámo-nos e cumprimentámo-nos poucas vezes.
A última vez que o encontrei foi na entrada de Vila Cabral. Ele estava a chegar com alguns dos seus homens, e eu ia ao Catur dar escolta ao transporte de lanchas até Metangula no Lago Niassa. Porque em Meponda (Porto de Arroio) embora mais perto, não havia condições para o seu lançamento à água!
Quem foi Daniel Roxo, um dos maiores nomes da guerra em Moçambique?
Por ter sido o civil mais condecorado pelo exército português, tem para muitos militares o “Estatuto de herói Nacional!” Sem nunca ser reconhecido como tal, pelos sucessivos governos pós 25Abril74!
Francisco Daniel Roxo nasceu em Mogadouro, Trás-os-Montes, a 1 de Fevereiro de 1933. Filho de Francisco Roxo e de Justina Vilares.
Foi para Moçambique em 1952 com 19 anos para a cidade de Nampula trabalhar na via-férrea até ao Catur. Depois mudou-se para Vila Cabral no distrito do Niassa, onde como caçador profissional conhecia bem o terreno, aprendeu o dialeto local e casou com uma moçambicana; sendo pai de seis filhos.
Em 1964 como a luta armada começava a sério no distrito, e ele já não podia exercer a profissão de caçador, pediu ao governador do Niassa, major Carlos Augusto da Costa, autorização para organizar uma formação paramilitar de voluntários exclusivamente moçambicanos, alguns já seus “pisteiros nas caçadas”, com o fim de apoiar as populações do interior e travar a entrada dos guerrilheiros no distrito.
A partir dessa data com os seus voluntários, chegando a ter 30 moçambicanos da sua confiança que não apoiavam a guerrilha. Começou actuar com eles e a colaborar com os militares portugueses no reconhecimento do terreno antes das operações militares.
Com grande eficácia em combate, impondo respeito ao inimigo, o nome de Daniel Roxo começou a fazer história! Contavam que o modo de actuar com os seus homens era hoje comparável a um filme de acção do tipo, Jonh Rambo! Nunca entrava nos aldeamentos pelo mesmo local e antes de entrar pela calada, fazia sempre o reconhecimento do terreno destacando sempre alguns dos seus homens a fazer segurança. Nos aldeamentos o seu interlocutor era sempre o “Régulo”!
Embora muitas operações fossem feitas com o exército português, era ele e os seus homens, porque conheciam bem o teatro de operações, que passavam as informações para que as acções tivessem êxito.
Não sendo militar, recebeu das autoridades portuguesas – 2 cruzes de guerra e uma medalha de Serviços Distintos pelos Serviços Prestados.
A seguir ao 25Abril74 com a previsível independência de Moçambique, sentindo-se abandonado e desamparado pelos nossos militares com quem colaborou, e sabendo que a Frelimo oferecia uma alta recompensa (falavam em até 80.000(?) dólares) pela sua captura, refugiou-se na África do Sul alistando-se no famoso batalhão “Os Búfalos” com a patente de Sargento, para em Angola combater os cubanos que apoiavam o MPLA.
Roxo também recebeu a maior das condecorações Sul-africanas, equivalente à Portuguesa, Torre Espada.
Morreu em Angola a 23 de Agosto de 1976, perto do rio Cubango (Okavango) ao serviço das Forças Especiais Sul Africanas.
Esta foto mostra a colocação, com a presença do Major-General Fritz Loots, Comandante das Forças especiais Sul-Africanas, de uma lápide no cemitério de Thaba Tshwane onde constam o nome dos portugueses que perderam a vida em combate no sul de Angola.
Este acto foi minimizado pelo Embaixador de Portugal em Pretória, alegando que não foi “previamente consultado” para dar o aval oficial à cerimónia. Mas mesmo que fosse, teria de ter sempre a permissão do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa. Porque aqueles portugueses combateram integrados numa unidade militar Sul-africana durante o Apartheid, e alguns tinham pertencido à Pide.
Possivelmente o senhor Embaixador “estava esquecido” que aquele país acolheu e aceitou receber dezenas de milhares de refugiados portugueses de Angola e Moçambique!
Agora, por ironia do destino – As chefias já podem enviar militares em missões de paz para países que nada dizem a Portugal como: O Mali, Congo, Sudão e outros. Mas com armamento moderno para combaterem a tal “paz(?)”- Como os tempos mudam!
É deste paramilitar que os amigos, os militares e conhecidos falamos. Porque, pese embora as vidas que poupou, a história, por “esquecimento(?), falta de memória” ou medo de melindrar terceiros, não lhe reconhece valor e não fala dele!
Termino como comecei.
Todas as cidades e vilas prestam homenagem aos seus heróis, atribuindo seus nomes a ruas e avenidas. Dessa forma, a Câmara Municipal e os habitantes de Mogadouro, da maneira que julgarem mais apropriada, deveriam também honrar o legado deste filho da terra.
Tentei contactar a sua filha Paula, mas até hoje sem sucesso.
- Fontes e fotos retiradas com a devida vénia do Google, comandante Daniel Roxo e Rio dos bons Sinais um blogue de Gabriel Cavaleiro aonde deixei um comentário.
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno… Muito pequeno!
João Santos Costa – Novembro de 2024
2 Comentários
Dolce Gouveia
Óptimo artigo, João!
Quem munca ouviu falar de Daniel Roxo em Moçambique?
Mais um nome a esquecer com a abrilada, que elevou a heróis alguns bandidos…….esquecendo-se de outros verdadeiramente heróis!
É assim a política, feita de interesses pessoais e partidários…….
Carlos Pacheco
Um homem que realmente amava Moçambique!