FIGURAS MOÇAMBICANAS DO NOSSO TEMPO – Malangatana Valente Ngwenya (crocodilo)
Malangatana, o artista plástico moçambicano de maior projeção internacional
Só falei para ele duas vezes:
A primeira foi na antiga cidade de Lourenço Marques, nas oficinas da Auto Industrial, nos princípios da década de setenta do século passado.
Estava com a minha viatura, Mitsubishi Colt, à espera de ser atendido pelo chefe da oficina, quando atrás de mim parou outra igual. De dentro saiu o Malangatana.
Por serem do mesmo modelo, e julgo que até do mesmo ano de fabrico, perguntei-lhe se a dele já lhe tinha dado problemas! Disse-me que ainda era nova, e estava ali, tal como eu, para lhe fazer a revisão. A conversa pouco passou de automóveis!
Pediu-me para o deixar ser atendido à frente, porque tinha um compromisso, com hora marcada, com um “Manda Chuva” de um Banco.
A segunda foi em Almada, no mini-centro comercial do prédio contíguo ao que moro.
Esse mini-centro tem, entre outras, as seguintes lojas:
– Uma tabacaria onde, com o anterior proprietário, trocava ideias sobre as notícias da actualidade. E nas manhãs de segunda-feira, era costume comentarmos a jornada futebolística do fim-de-semana.
– Um cabeleireiro de senhoras. Que também, às segundas-feiras, era frequentado pela anterior presidente da Câmara, Sr.ª Maria Emília Neto de Sousa.
– E o escritório de contabilidade do meu amigo Gonçalves e esposa. Também eles regressados de Lourenço Marques aquando da descolonização.
Numa segunda-feira da década de noventa do século passado estava a comentar, com o dono da tabacaria, a jornada futebolística do fim-de-semana. Quando o meu amigo Gonçalves apareceu com o Malangatana Valente.
O tema da conversa deixou de ser o futebol, e passou a ser Moçambique. O seu meio artístico e cultural e a situação sócio-política.
Entretanto, como habitual às segundas-feiras, apareceu para ir ao cabeleireiro, a Presidente da Câmara.
Pela coincidência, tenho para mim que este encontro não foi “casual”. Acho que foi combinado entre os dois! Para que com apoio da Presidente, o Malangatana fizesse (?) uma exposição dos seus trabalhos, em Almada.
E foi possivelmente para a sensibilizar (?) que lhe ofereceu um lindo desenho de motivos africanos feito ali numa folha de papel branco, que a esposa do Gonçalves lhe arranjou.
Estou arrependidíssimo por, na altura, não lhe ter pedido para me fazer também um! E tenho manifestado este arrependimento ao meu amigo Gonçalves. Que teve a sorte de ser presenteado com um livro de fotografias, de parte das obras do Malangatana.
Nas duas vezes que falei para ele fiquei surpreendido com a sua formação no domínio da língua portuguesa. Soube depois que essa formação adquiriu-a numa escola da Missão Suíça, e na vivência durante a adolescência junto dos “colonos portugueses”.
Uma carreira começada do zero e conquistada a pulso!
“ […] Malangatana Valente Ngwenya nasceu a 6 de junho de 1936 em Matalana, uma povoação do distrito de Marracuene, às portas da então Lourenço Marques, hoje Maputo. Foi pastor, aprendiz de curandeiro e mainato (empregado doméstico)… Iniciou-se na pintura pela mão do artista plástico e biólogo Augusto Cabral, falecido em 2006. E depois pelo arquitecto Pancho Guedes….
Augusto Cabral era sócio do Clube de Ténis, onde o Malangatana era o apanha-bolas. No fim de uma tarde de desporto, disse-lhe se, por acaso, eu não teria em casa um par de sapatilhas velhas que lhe desse”… Quando Malangatana foi a casa de Augusto Cabral e o viu a pintar um painel. “Ensine-me a pintar”, pediu. E Augusto Cabral deu-lhe tintas, pincéis e placas de contraplacado. “Agora pinta”, disse-lhe. “Pinto o quê?”. “O que está dentro da tua cabeça”, respondeu Augusto Cabral…
O jovem viria a ter também o apoio de outro português, o arquiteto Pancho Guedes, que lhe disponibilizou um espaço na garagem de sua casa de Maputo e lhe comprava dois quadros por mês, a preços inflacionados.
Mais do que um pintor
Nos últimos 50 anos foi também muito mais do que pintor. Fez cerâmica, tapeçaria, gravura e escultura. Fez experiências com areia, conchas, pedras e raízes. Foi poeta, actor, dançarino, músico, dinamizador cultural, organizador de festivais, filantropo e até deputado, da FRELIMO, partido no poder em Moçambique desde a independência.
O legado de Malangatana
Foi um dos criadores do Museu Nacional de Arte de Moçambique, dinamizador do Núcleo de Arte, colaborador da Unicef e arquiteto de um sonho antigo, que levou para a frente, a criação de um Centro Cultural na “sua” Matalana.
E exposições, muitas, em Moçambique e em Portugal mas também mundo fora, na Alemanha, Áustria e Bulgária, Chile, Brasil, Angola e Cuba, Estados Unidos, Índia. Tem murais em Maputo e na Beira, na África do Sul e na Suazilândia, mas também em países como a Suécia ou a Colômbia. […]” Excertos do artigo publicado no Jornal público de 5 de janeiro de 2011.
Malangatana faleceu no dia 5 de Janeiro de 2011 com 74 anos no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, vítima de doença prolongada.
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno. Muito pequeno!
Aproveito a oportunidade para desejar a todos que viajam pelo nosso “Ponto de Encontro!” – www.bigslam.pt um santo Natal e que o ano de 2020 seja repleto de saúde e felicidade!!!
João Santos Costa – Dezembro de 2019
6 Comentários
Luisa Monteiro Paixão
Concordo em tudo com o Augusto Martins. É com grande prazer e saudade que leio as vossas notícias. Muito obrigada.
Manuel Martins Terra
O outro artista de grande reputação a que se refere o Ilídio Vernan e que morava efetivamente perto de Malagantana, tratava-se creio eu do escultor Chissano,
Manuel Martins Terra
Aqui está um exemplo de um homem simples, que subiu a corda a pulso e que se veio a revelar um artista requintado, dando a conhecer a Moçambique e ao mundo o seu extraordinário talento , Era no mítico Bairro da Mafalala que tinha o seu atelier onde esculpia, de maço e formão,lindas estatuetas em madeira. O painel interior do Banco Nacional Ultramarino, no Alto Maé, foi pintado por si. Para além da sua arte, Malangatana Valente, deu muito de si á cultura moçambicana nas mais diversa áreas. Paz à sua alma.
Ilidio Freire
Conheço mal a obra do artista Malangatana Valente. Pessoalmente conheci-o muito bem muito antes de se tornar famoso . Foi meu colega na Escola Industrial em Lourenço Marques. Ali o Malangatana não passava despercebido. Toda a escola o conhecia pela sua vivacidade e desenvoltura.
Augusto Martins
Agradeço a toda a equipa do “BIGSLAM”, ao João Santos Costa e a todos os outros que nos vão mantendo ligados, os votos natalícios apresentados e que retribuo, com um grande e especial”OBRIGADO” pelo excelente e muito trabalho que nos vão oferecendo e desejando que continuem a ter as forças, a saúde e a perseverança necessárias para continuarem a fazê-lo com a a mesma qualidade.
Augusto Martins
É muito pouco, tudo o que se possa dizer sobre MALANGATANA.
Só a sua obra nos pode dar uma ideia da real dimensão do artista, cujo qualidade , hoje em dia, já é reconhecida em muitos países.
Mas, MALANGATANA tem um valor humano que vai muito para além do valor artístico e que tem passado despercebido para o grande público dos seus admiradores.
Sinto-me com o dever de o revelar.
Conheci o menino Malangatana nos anos 40 do século passado, quando ainda ambos éramos meninos (ele era 3 anos mais velho), eu aluno da escola primária e ele, já com necessidade de ser artesão de cestos de palha e amuletos de madeira que procurava vender, expondo-os sobre uma esteira colocada no chão, à sombra de uma enorme figueira brava que existia no meio do velho “bazar” de Marracuene e ao lado da antiga padaria daquela época, a Padaria Bourlotos.
Esse “mufana” pela sua força anímica, pelo seu esforço, pela sua arte e pela sua capacidade de trabalho, conseguiu escalar a longa e penosa estrada do sucesso, que acabou por conduzi-lo ao merecido sucesso que hoje lhe é reconhecido.
É de gente desta força, que hoje a humanidade necessita, de ter como exemplo a seguir.