Mudaram-te os nomes… já não me importo!
Deste-me a juventude que precisei. Até sempre Xilunguine (L. Marques)
(1ª parte)
Não foi fácil! Mas já ultrapassei o trauma da descolonização. Por isso já não me importo, e até concordo, que o governo moçambicano tenha alterado os nomes das cidades, avenidas, ruas e tudo que achou por bem mudar. Provando-me assim que manda! E que o País só foi meu enquanto lá estive.
Mas Lourenço Marques foi sempre “a minha cidade”.… E isso, para mim, é que conta!
O sr. “…Lourenço Marques foi um explorador e comerciante português que viveu na África Oriental do século XVI. E por desígnios comerciais dedicou-se ao negócio de cobre e marfim.
Em 1546, a pouco e pouco a baía e os territórios adjacentes começaram a ser ditos “de Lourenço Marques”. Esta toponímia perdurou até o rei de Portugal, D. João III, ordenar que a povoação ali criada e a baía, recebessem o nome de Lourenço Marques, em sua honra. E em 1871, esta povoação era descrita como um lugar pobre, e com ruas estreitas. Mas a crescente importância do Transvaal levou a que Lourenço Marques passasse a cidade em 1895, que com a construção da ferrovia para Pretória, na África do Sul, teve um grande aumento comercial e populacional. E em 1898 passou a substituir a Ilha de Moçambique como capital do país.….”
Wikipédia
Pela aceitação e comentários que este edifício tem tido no Facebook, achei por bem começar este artigo por mais um “Ícone” da antiga cidade de Lourenço Marques! Um edifício que, entre tantos outros, também tem estórias para contar.
O Pavilhão de Chá da Polana e o restaurante “Oceânia”.
Foi construído no início dos anos 20 do século passado. E porque “afunilava” a estrada marginal causando problemas ao trânsito, foi demolido nos anos 60 do mesmo século.
Até à sua demolição era frequentado pelos residentes da cidade e muitos turistas.
Era frequente, ao fim da tarde, algumas “Ladies sul-africanas e rodesianas” virem aqui apanhar a maresia e tomar o seu “chá gelado”: – Uma chávena de chá com uísque e gelo. O Ginger-ale ou a soda eram servidos no bule! Tudo isto, para estas senhoras não perderem o estatuto de “Ladies”.
A sua praia tinha uma rede de proteção para a manter limpa de algas e evitar a entrada de tubarões. Tinha também uma prancha para saltos que, para os menos afoitos também lá poderem chegar, era servida por uma corda desde a praia.
Nunca cheguei a saber se foi por aposta, ou por desejo, que o fotógrafo Armindo Afonso da casa de fotografia (Foto Portuguesa), resolveu saltar do cimo desta prancha!
Como depois do salto ficou demasiado tempo debaixo de água, os amigos que estavam com ele, entraram em cuidados e foram ver o que se passava. – Nada de grave. Tudo não passou de uma brincadeira!
Só que a partir daí, passou a ser conhecido pelo “Submarino”. Alcunha que se sobrepôs ao seu nome, e nunca mais a perdeu!
Lembram-se desta avenida?
Quem a pode esquecer! Era o “cartão-de-visita da alta da cidade”.
Ontem “a minha cidade” era assim. Tinha uma avenida que, pelo seu traçado, era a mais bonita! E funcionava como a “espinha dorsal”. Por isso a Pinheiro Chagas será sempre recordada com saudade.
Era muito movimentada! Possivelmente foi por tudo isto, que tantas recordações nos deixou!
Começava avenida António Enes na Polana, e terminava no bairro do Alto Maé. Pela sua importância, era também considerada o “cartão-de-visita da alta da cidade”.
Não! Todo este movimento não é na Times Square de Nova Iorque, nem nos Campos Elísios em Paris.
Era a baixa da “minha cidade”, e para mim tinha o mesmo valor!
Por ser a mais movimentada, era a esquina do nosso “contentamento. O nosso ponto de encontro”. Onde assistíamos à “passagem de modelos” para ver qual o “modelo” que usava a mini-saia mais curta!
Por isto nenhum de nós pode esquecer a esquina do “Café Continental e Scala”!
Mas naquele Janeiro de 1966 Deus castigou-nos com o ciclone “Claude”.
A baixa ficou completamente alagada. As pessoas para não se molharem e não estragarem as roupas, eram levadas às “cavalitas”. O que para a pequenada que assistia era um “fartote” de rir!
A minha cidade hoje chama-se Maputo!
…Em 25 de junho de 1975, em conformidade com o Acordo de Lusaka, assinado em 7 de Setembro de 1974, foi proclamada a República Popular de Moçambique.
Um desfile e um banquete de Estado concluiu as festividades da independência na capital, que era esperado ser renomeada de “Can Phumo”, ou “Lugar de Phumo “. Nome de um chefe tsonga que morou na região….“Mas no dia 3 de Fevereiro de 1976, o nome da capital foi alterado para Maputo. Nome de um rio que desagua na baía de Lourenço Marques…”
… Em 1975, o governo de transição de Samora Machel removeu as estátuas de heróis portugueses (brancos e negros) e a maior parte foi armazenada na fortaleza Nossa Senhora da Conceição…. As ruas de Maputo, originalmente nomeadas em homenagem a heróis portugueses, ou a datas importantes da história de Portugal, tiveram seus nomes mudados para africanos e passaram a homenagear figuras revolucionárias e nomes históricos pré-coloniais….”
Wikipédia
É frequente as pessoas usarem como sobrenome ou apelido, o nome de cidades.
Mas não concordo com a inversa! Que os países ou cidades sejam baptizadas com nomes de personalidades! Mesmo tendo sido/sendo pessoas importantes na constituição dos Estados.
Por isto, e porque alguns nomes já não faziam sentido depois da independência, não censuro o “Reverendo” Samora Machel quando legitimamente, naquela terça-feira, 3 de fevereiro de 1976, numa “homilia” na “Basílica da Ponta Vermelha” re-baptizou “a minha cidade”, de Maputo.
Hoje Maputo está diferente da antiga Lourenço Marques!
Muitas construções novas e bonitos edifícios para habitação. Mas a grande maioria dos moçambicanos, porque vivem em extrema pobreza, nunca os vão habitar!
Ao fim destes 47anos, “o Moçambique moderno” é a província de Maputo, e pouco mais! O resto é “miséria e paisagem”.
E para cúmulo do desleixo, muitas heranças do tempo colonial, algumas tomadas de assalto, estão degradadas sem manutenção e votadas ao abandono!
Como “quem o seu não cuida o Diabo o leva!” Até a cidade de Pemba no distrito de Cabo Delgado, pela sua riqueza, está a ser alvo constante de ataques terroristas.
Pemba, antiga Porto Amélia, tem a 5.ª maior baía de águas profundas do mundo.
Mas “cometeu o pecado de nascer” no distrito mais rico de Moçambique! E por desleixo do governo moçambicano está hoje a braços com o terrorismo no distrito.
Nota: Não percam a 2.ª parte deste artigo/post, a publicar brevemente. Aonde algumas fotos nos contam estórias…
Para nós com o BigSlam, o mundo já é pequeno…..Muito pequeno!
João Santos Costa – Setembro de 2022
22 Comentários
Vitor Balbino Neves
Maravilhosos pontosi descritos! Para todos que por lá nasceram e viveram, a tua descrição de SAUDADE, e real para e todos os que passaram, pela beia Lourenço Marques (não menosprosando o actual Maputo). João, adorei as tuas palavras e mais, vivemos no passado os dois,momentos únicos. Kanimanbo João.
Virgilio Horta
Amigo João, mais uma vez nos levas à nossa terra, desta vez à nossa cidade Lourenço Marques, foi com emoção que li a tua crónica e realmente revejo-me totalmente nela. São tempos que não voltam, mas ninguém consegue apagar o que nos vai na alma, sobre tempos que vivemos muito felizes. Parabéns por mais este teu artigo, aguardo a segunda parte. Abraço
Manuel Martins Terra
Caro amigo João, é perfeitamente compreensível a tua abordagem sobre a alteração da toponímia que se operou no pós-independência de Moçambique. No recanto das nossas memórias e o tempo já vai longo, perduram os nomes das artérias que tantas vezes calcorreamos, das praças que circundávamos, das casas de espetáculos que frequentávamos, dos estabelecimentos escolares onde estudamos, dos recintos desportivos onde vivíamos grandes emoções, dos transportes públicos que nos transportavam e dos muitos espaços de convívio e diversão. Ainda hoje não nos sabemos referir a tudo isso, sem pronunciar os nomes que nos são tão queridos. Assim é a saudade, que reflete ao que há de mais intenso e marcante do nosso passado pelas paragens daquela terra encantadora. Acabamos por nos deixarmos envolver demais por esse sentimento, sempre que os nossos olhos vislumbram o presente. A transitoriedade para um novo ciclo, trouxe ao país uma panóplia de novos nomes que brotaram da cartilha moscovita ,e que se espalharam por quase todo o continente africano. Uma coisa é certa, João se os nomes das artérias foram erradicados, fica-nos porém o contentamento da cidade guardar a sua bela traça e toda a sua história, que a todos nos honra. Um grande abraço, do amigo Manel.
João Costa
Pois é amigo Manel! Compreendo as alterações toponímicas feitas depois da independência. Mas “No recanto das nossas memórias perduram os nomes das ruas, praças, casas de espectáculos, recintos desportivos, escolas ….” e tudo o resto que o tempo dificilmente vai conseguir apagar. Resta-nos a saudade com que vamos vivendo!
Um abração deste teu amigo.
josé carlos alves da silva
Amigo João, não comento, a minha LM com a Maputo de hoje. A minha LM é a Mãe e Maputo o puto. Desculpem mas sou assim. A minha LM era uma cidade moderna com lindas avenidas, ruas, prédios, pavilhões desporto, aeroporto, uma das capitais mais modernas e lindas de África, HOJE, Maputo é uma cidade desagradado, sem nexo, perdida no tempo. Não brinquemos. Um abraço
João Costa
Pois é caro amigo Zé Carlos. Maputo aproveitou o crescimento pujante com que LMarques estava! Mas a grande maioria dos moçambicanos, porque não tem poder de compra, não pode aproveitar as condições que Maputo oferece.
Rogério Gens
Caro João: No que respeita à questão mais “filosófica” que coloca parece-me que ela é semelhante â do fim do amor contra a nossa vontade. Essa terá sido tratada em milhões de livros e estudos e por isso não deve haver muito por explorar, embora cada caso seja único pelas suas variantes..
Básicamente se a nossa amada se afasta de nós o que podemos nós fazer psicológicamente, (i) ficar a carpir as mágoas ou (ii) partir para outra?
Para mais se ela resolve mudar radicalmente para cortar com o passado conjunto e de facto nos concluímos que já não a amamos como ela é agora (ou sempre foi mas nós estavamos a ver mal) mas só à nossa recordação dela, está visto que tanto você, como o Carlos Guilherme e como eu optamos pelo (ii). Podemos é ter demorado mais ou menos tempo a chegar a essa decisão.
Mas há ainda outra questão que você não levanta que é a dúvida que temos se a nossa amada deixou menos de nos amar por ela mesma, ou se foram outros que a infuenciaram ou mesmo que a forçaram a isso. Essa pode ficar para outro post mais político …
Rogério Gens
Um acrescento ao que escrevi. A nossa amada também nos pode ter deixado de amar “só” por nossa culpa, mas é óbvio que isso é-nos mais difícil de admitir.
João Costa
Rogério, tenho para mim que “a nossa cidade amada não deixou de nos amar por ela mesmo”! Creio que foram outros, os políticos, que a influenciaram e a forçaram a isso.
Muito obrigado pelo teu comentário.
Aparece sempre aqui no “nosso ponto de encontro”.
Luis Pedro Sá e Mello.
LOURENÇO MARQUES…. ,a Linda cidade que me viu nascer em 1940 . Meu Amor meu derriço… Amor que me enleva, até ao fim dos meus dias…. ” Guardarei apaixonadamente o TEU FEITIÇO “.
António José Correia de Almeida
Que saudades desta linda terra onde nasci e vivi até 66 quando fui obrigado a fugir da minha própria terra.Podia ser de outra maneira se as ideologias políticas fossem outras,dava para vivermos todos independentemente da raça ou cor da pele .Mas o destino assim o quis.
Na segunda foto da Pinheiro Chagas aparece o prédio onde vivi “Prédio Fonseca” vê-se ainda o reclamo da Suzuki. Que saudades.
Milu Gouveia
Afinal a Av. 25 de Setembro ja era assim quando chovia ? Nao mudou nada
agostgomes.1950@gmail.com
Obrigado, muito obrigado, com alegria e tristeza por ver LM e já lá não poder estar.
Fernando Teixeira Xavier Martins
Também gosto de Lço.Marques.
Grato pela reportagem Saudades
Abc/
Carlos Guilherme
A mudança de nomes até me ajudou a “resolver” a saudade. Sou adepto dos nomes originais desde que genuinamente moçambicanos. Não tolero é Vladimir Lenine e quejandas aberrações para uma terra como a minha
João Costa
Carlos eu também não acho mal a mudança dos nomes! Mas como refiro na 2.ª parte do artigo, que vou publicar, o que também não tolero são os nomes como aquele que referes, e outros que têm as mãos manchadas de sangue pelas mortandades que causaram.
Muito obrigado pelo teu comentário.
Henrique Menezes
Tudo atrás descrito,fez-me transportar para a cidade que amei é que continuo a amar!
Embora não tenha nascido nesta parcela do Mundo,é aqui que gostava de findar os meus dias!
Obrigado!
Emanuel Alves Pereira
Este postman é riquíssimo em história da cidade de Lourenço Marques onde vivi ,cresci e firmei-me, e que me fazem agora lembrar fatos adormecidos pelo tempo . Obrigado
João Costa
Emanuel, tudo que está adormecido pelo tempo, quando menos se espera o tempo também os acorda. Como aconteceu agora.
Obrigado pelo comentário
Um grande abraço e até à 2.ª parte deste artigo.
Nino Ughetto
Sou de Lourenço Marques ,estudei em pequeno na Namaacha “Don Bosco” depois na Correia da Silva e nos Maristas e no liceu Salazar etc…e fiz o meu serviço militar (4 anos) dos quais 2 anos em frente de guerra Norte de Moç…Quase 50 anos passaram… e choro ainda o paraiso que perdemos (eu penso assim) Nào ,nunca poderei esquecer onde nascei e onde vivi uma vida d’amor com toda populaçào
António Paulo Almeida
Recordar é viver. Parabéns e obrigado.
ruiaosorio@gmail.com
Nem sei o que dizer. As saudades aumentaram , transbordaram.
Hambanini