Nos anos 50 na antiga Lourenço Marques, eu “conduzi um Fórmula 1”
E tal, como agora, as nossas provas também não tinham público assistir !!!
“…O Governo garantiu Fórmula 1 e o campeonato de Futebol sem público.
Ao contrário do que disse o Secretário de Estado do Desporto, o governo garantiu que as bancadas dos eventos desportivos vão continuar vazias…”
“…As bancadas dos recintos desportivos vão continuar sem vida. A 1ª Liga vai continuar sem público nos estádios até meio de maio. O mesmo se aplica ao Grande Prémio de Fórmula 1, que se realiza em Portimão a 2 de maio… Notícias”
Eu “conduzi e fui mecânico” deste Ferrari de F1… E as nossas provas também não tinham público!
Desde os meus 9 anitos que gosto de corridas de automóveis. Com essa idade também já fui campeão de Fórmula 1. Os meus adversários eram todos dignos de respeito! A saber:
O Bilito, o Zé Carlos, o Vitinho, o meu irmão, o Talinho, o Nélito, o Carlitos, o Gina e outros das redondezas que aparecessem, lá na rua!
Os nossos “bólides” eram todos produzidos nas mesmas fábricas: A “Dinky e Corgi Toys”.
O seu preço para as nossas posses era uma fortuna! – 20 escudos cada um.
As marcas preferidas eram: – Alfa Romeo, BRM, Bugatti, Cooper, Maserati, Talbot, Lótus, e como não podia deixar de ser, o meu Ferrari!
Eram adquiridos na baixa da cidade de Lourenço Marques, nos “stand´s de brinquedos” da Casa Vilaça ou Modelândia, onde as montras com as diversas miniaturas, faziam o nosso encanto! A “mecânica” era preparada por nós, com todo o carinho! – Chumbo para o tornar mais pesado e aderir melhor à “pista”. E o “turbo” consistia em olear os eixos das rodas com óleo da máquina de costura.
O nosso circuito não tinha bancadas, nem fama internacional! Era o passeio para peões, com piso em cimento quadriculado, no fim da Avª Anchieta junto à Avª Caldas Xavier, por detrás da escola João Belo. Tinha cerca de uma dúzia de metros de comprimento, talvez 3 de largura, com frondosas acácias vermelhas e muitas vezes também era utilizado para outros “eventos” desportivos.
A nossa técnica consistia no jeito de colocar os dedos das mãos em cima do “bólide”, para depois o empurrar. A corrida, “não tinha público a assistir”! E era feita por eliminatórias de 2 ou 3 concorrentes em simultâneo. Ganhava quem percorresse a pista em ida e volta, e chegasse em primeiro ao ponto de partida. Para a seguir disputar com os concorrentes seguintes outra eliminatória.
E também aconteciam acidentes! – Ou carro saía da pista para a estrada; ou caía no buraco das acácias. E aí tinha de voltar ao ponto de partida para reiniciar a prova.
Foi a partir destas “exigentes” provas, que me ficou o gosto pelo automobilismo. E por isso não havia corrida a que eu, como espectador, faltasse.
Primeiro: – No circuito urbano na baixa de Lourenço Marques.
Na Avª da República. Onde para se fugir ao pagamento de 10 escudos das entradas, descíamos as barreiras em frente do Liceu Salazar, escondendo-nos depois no eucaliptal. Tentando assim iludir a polícia a cavalo. Tenho a certeza que de uma das vezes fui visto. Mas o polícia virou-se de costas e facilitou-me a entrada!
Circuito de 1961 – No sentido dos ponteiros do relógio
A verde rotunda que existia em frente ao Luna Parque.
A laranja Rua da Enprensa e Av.ª da República.
A vermelho a rotunda da fonte luminosa.
A amarelo a marginal do Zambi.
A castanho o edifício das Finanças. Foi na curva em frente a este edifício que se deu o trágico acidente que vitimou o piloto sul africano Joe Eckof (não sei se o nome está bem escrito).
A branco o edifício da Capitania.
Algumas fotos dessa época:
Depois as provas passaram a ser realizadas no novo autódromo.
Depois de pronto as provas, sendo a mais importante a do dia 24 de Julho por ser o dia da cidade, passaram a ser realizadas neste autódromo. Que na 1.ª fase o seu traçado utilizava parte da recta da marginal para a “Costa do Sol”.
Aqui também, em 1971 ou 72, (a memória às vezes também falha) houve um grave acidente provocado por uma roda que se soltou, do automóvel de um corredor sul africano e atingiu alguns espectadores. Outro também, junto ao cotovelo, provocado por um despiste que colheu um fotógrafo.
Mesmo assim, não falhava uma!
Algumas fotos deste circuito
actualmente creio que também não tem a presença de público doutros tempos! Hoje nos seus terrenos realizam-se provas de motocross, e parte do circuito está transformado em pista de karting. Muito raramente são realizadas provas de automobilismo com carros de turismo.
Ao olhar para este lindo Ferrari, que entre outros tenho na estante, todas estas recordações da mocidade e juventude me vêm à memória.
Pela tecnologia envolvida na preparação dos motores, aerodinâmica dos carros e mestria dos pilotos, sinto prazer em acompanhar, através da televisão, os grandes prémios. Tenho verificado o grande domínio dos Mercedes. E com alguma tristeza, a “travessia no deserto” que as outras marcas, estão a fazer!
Mas o desporto é assim! Só há vencedores se houver vencidos.
As provas da nova temporada já se iniciaram no dia 28 Março, com novamente a vitória da Mercedes, conduzido pelo Hamilton.
Para nós com o BigSlam, o mundo já é pequeno….Muito pequeno!
João Santos Costa – Abril de 2021
13 Comentários
Emanuel Perez
Sou Emanuel Perez, atualmente com 60 anos. Nasci e vivi em Lourenço Marques, de 03 03 1962 até ao último dia de Novembro de 1975. Lembro-me de quase tudo o que li nos vossos textos.
Sou o mais velho dos 5 filhos do Manolo, da Casa Manolo, loja que se situava na Av. Augusto Castilho, um pouco acima do Jardim Berta Craveiro Lopes.
Do autódromo de Lourenço Marques, recordo experiências inesquecíveis, porque eu tinha cerca de 10 anos e os nossos vizinhos irmãos Teixeira, que tinham importado do Japão, uma mota Yamaha TZ 250, levavam-me com eles ao Autódromo, tendo tido o previlégio de ficar nas boxes. O meu entusiasmo era tanto, que cheguei a convencer os meus pais, que fossemos ver provas no Autódromo de Lourenço Marques.
Às memórias estão tão vivas, especialmente, com as vossas partilhas.
Muita saúde e felicidades a todos.
Paulo Oliveira
Bom dia Emanuel, tão bem me lembro do seu pai!
Nasci em Lisboa em 1959 e fui para LM em 1960.
Quantas vezes fui com os meus pais à loja do ‘Senhor Peres’ – como ouvia os meus pais dizer.
E que conheci depois já como Casa Manolo na Augusto Castilho.
Os meus pais frequentavam uma igreja evangélica na J Serrão, creio, perpendicular à Augusto Castilho. Morámos primeiro na Rua de Faro e depois na Rua de Coimbra. Boas recordações… um abraço grande!
jfroisf@hotmail.com
Só tive um… “Talbot Lago”… azul… “Dinky Toys”, porque lá em casa só havia dinheiro para comer e pouco mais. Na “Casa Vilaça”, cada um custava 22$50. Muito dinheirinho, naquela altura… fins de 50, princípios de 60 e ainda durou uns anitos. Acabou sem as rodas da frente, com um chumbo de pesca na parte de baixo para percorrer quase 500 metros a cerca de 140 kms/hora, sempre a direito. Ficava sempre em segundo, porque tinha um adversário que só usava um “Ferrari” todo quitado. O pai do gajo era rico e após cada corrida substitua os pneus de trás e o chumbo de pesca. Mas era muito fixe e é das coisas que mais saudades tenho daqueles tempos e dos carrinhos de rolamentos e do futebol na rua e das corridas a sério no “Circuito de Lourenço Marques”… bem hajas, João Costa e o BigSlam por esta recordação! Abraços.
Zé Carlos
Olá João Santos e obrigado.
Este artigo traz à memória momentos alegres e também muito efusivamente disputados no “meu” passeio da Av. J. Serrão entre a A. Castillo e a Anchieta.
O primeiro bólide comprado com as minhas poupanças, resultado de gorjetas dos muitos recados e serviços prestados na vizinhança, foi o Corgy Lotus 33 do Jim Clark.
Sempre que ia a caminho do Malhanga ou prós escuteiros pla A. Castillo fora, fazia pausa obrigatória há frente da vitrina da loja ao lado da Ciclomotores. Quando juntei a massa foi com o Zé Mário Miranda que eventualmente entrei nessa loja para comprar o bólide.
A primeira modificação foi encafuar ao mássimo todos os ocos com plasticina e colar com chuinga bem mastigada, um pau de QuiBom com um botão na ponta para aumentar o comprimento do carro e com isso conseguir melhor estabilidade na direção do lançamento.
As nossas regras eram como já descritas e a adição do pau QuiBom pouco comum.
As pistas preferidas eram a bordas do passeio por serem lisas e aproveitavam-se os ‘cotovelos’ das entradas para garagens e curvas das esquinas.
A Casa Vilaça e a Modelândia eram casas de brinquedos de referência em LM. Esquece me o nome, mas havia outra casa na baixa que se especializava em pistas e carros eléctricos da Scaletrix e Cox.
Dos binquedos ao real, recordo estar com a família nas dunas da praia ao meio da reta da pista da Costa do Sol que ainda usava parte da Av. Marginal, onde testemunhei o alvoroço após a grande tragédia.
Esse acidente levou ao fecho da pista da Costa do Sol conforme era originalmente utilizando parte da Av. Marginal e a re-inauguração na época seguinte do circuito interno, no qual foi construida a nova reta com área de pit stop, boxes, torre de control e grand stand em frente da linha do Start/Finish.
Com esse melhoramento, ficou permanente a livre circulação pla Av. Marginal em dias de provas. Quando havia corridas era uma seca para quem queria circular de um lado para o outro, porque se tinha de esperar até as provas terminarem.
No tempo do novo Autódromo do ATCM, o primeiro construido para esse efeito em todo o território Português, vieram as 3hrs de L. Marques como parte da Springbok Series de resistência que englobava vários circuitos na A. do Sul e em Bulawayo na antiga Rhodésia. Assim se atingiu o apogeu do desporto motorizado em Moçambique onde concorreram alguns dos melhores pilotos mundiais entre eles o futuro campeão de F1, o Sul Africano Jody Sheckter, Andretti, Regazanoni, Stuck, etc e participaram bólides da Lotus, Lola, Chevron, Ferrari, Alfa, Porsche, Ford etc.
Ao nivél local, aproveito para destacar o consagrado mas raramente mencionado motociclista, João Pascoal, um piloto sempre profissional na sua abordagem. Evidenciou-se com uma Kreidler 50cc GP e mais tarde numa Yamaha TZ250 ou 350. Lembro também o Toy e o Cardiga com as Honda 750.
Em quatro rodas, aproveito para recordar nomes como J. Leite, C. Paixão, A. Guimarães, pai e filho Leitão, P. Antunes, F. Capela entre muitos outros que peço desculpa não mencionar por esquecimento.
Emfim, por aqui fico.
João Costa
Olá Zé Carlos,
Tal como todos os comentários, gostei de ler este complemento ao meu artigo.
Recordo-me de tudo que dizes! Inclusivamente dos nomes que referes. Ainda bem que os não mencionei porque me recordaste outros que já estavam esquecidos.
Muito obrigado, Zé Carlos. Aparece sempre aqui no nosso ponto de encontro.
Um grande abraço.
Samuel Carvalho
Parabéns Zé Carlos pelo teu excelente comentário, recordando momentos marcantes da nossa infância e de acontecimentos do automobilismo em Moçambique, muitos deles já esquecidos nas nossas memórias…
A J. Serrão deixou-nos “marcas” para o resto da vida…
Aquele abraço e aparece sempre neste nosso “Ponto de Encontro!” – http://www.bigslam.pt
Célia Stichini Quartin
Bem me lembro destas corridas em LM, mas só muito mais tarde me entusiasmei pelo karting, e fui ver umas provas. O meu primo Artur Stichini era o director da Moçacor, e a empresa tinha 2 karts, por isso foi obrigatório estar presente, não foi frete não, mas havia poucos karts em prova nessa altura. Ia, com um grupo de amigos todos os anos a Kyalami, ver as corridas de Formula 1. Adorava, e aproveitávamos para umas comprinhas ou em Joburg, ou em Nelspruit, dependendo da hora para apanharmos a fronteira aberta no regresso. Fizeste-me lembrar esses tempos, já quase esquecidos na minha memória. Obrigada por partilhares a tua paixão pelos bólides “Dinky Toys”, há coisas da juventude que não se esquecem!
Ernesto Silva
Grande João, como me lembro bem de tudo o que aqui descreves, desde as brincadeiras das nossas corridas de mufanas nos passeios, das corridas na baixa, Av. da República passando pelo Zambi e mais tarde já no Autódromo da Costa do Sol. Vivi tudo isso e com este teu trabalho voei no tempo em várias épocas da minha infância e adolescência. Parabéns pelo Trabalho que postarei na página da Comunidade “MOÇAMBIQUE NO OUTRO LADO DO TEMPO”.
Manuel Martins Terra
De que tu te foste lembrar, caro amigo João. Foste buscar uma preciosa recordação ao fundo do baú. Recordo no meu bairro, aquelas famosas corridas, com as ” máquinas” da DinkiToys e também da Matcbox, que nos eram oferecidas no Natal e em prendas de aniversário . Aproveitávamos a orla do passeio, que tinha uma faixa com cerca de 25 cm de cimento liso, como pista de competição e que tinha mais de 100 metros. Por norma, aceitavam-se 3 a 4 concorrentes, com os seus “charutos” prontos a competir. Para ganhar mais peso e alinhar melhor a “direção” colocávamos uma pequena chapa ou até um botão, colado com a velha chuinga já sem açúcar , e a prova começava a rolar. Lembro-me de algumas regras; em que ao lançar o bólide, se este se despistasse, voltava ao lugar do arranque, se embatesse no adversário, parava e era penalizado com uma paragem e se efetivamente o “piloto” que conseguisse ultrapassar o que ia na dianteira, tinha como bónus, voltar a dar mais um “arranque” de forma a ganhar distanciamento e aproximar-se da meta. For vezes, as regras não eram pacíficas. Contudo, os pilotos de ocasião, lá iam vivendo as emoções do momento. Também me lembro, que todos nós tínhamos os nosso fãs. Tempos de felicidade, própria de uma geração que soube brincar. Quantos ao acidentes nas provas automobilísticas, recordo a tragédia na reta da Costa do Sol e o acidente que vitimou o grande João Terramoto, que fazia toda a cobertura das provas e que depois eram visualizadas nos jornais e também nas salas de cinema, no documentário Atualidades, que antecedia a projeção dos filmes. João, obrigado pela partilha deste teu post, que nos trouxe até nós, momentos da nossa infância. Um grande abraço para ti, e parabéns pela tua objetividade.
João Costa
As nossas corridas a princípio também eram na orla do passeio, mas depois porque o passeio estava em bom estado e porque às vezes éramos 3 concorrentes em simultâneo passamos a utiliz’a-lo na largura. Quanto às penalizações eram idênticas às vossas. Um grande abraço Manel.
Victor Carvalho
Costa, obrigado por mais uma narrativa que nos fez transportar à nossa meninice. As minhas corridas eram na Paiva Manso perto da Afonso de Albuquerque no lancil do passeio e aproveitávamos a curva que se fazia no cruzamento entre elas. O meu preferido o “Lotus” verde da “Dinky Toys”. Entretanto no quintal de um amigo na Manuel Arriaga logo a seguir à 24 de julho, construímos uma pista em cimento e gravilha , onde se realizaram vários campeonatos,
Quanto ao gravíssimo acidente nas dunas da reta da Costa do Sol, que vitimou várias crianças, estava eu nas bancadas e não assiste. Nesse dia morreu também um palhaço muito conhecido em LM , que foi enterrado no mesmo dia que os miúdos e entre estes.
Mais uma vez obrigado por nos teres transportado aos nossos tempos de infância.
Abraço
Nelson Barata
O acidente que vitimou mais de uma dezena de miúdos da Malhangalene que assistiam na duna para onde voou o bolide , por ironia, pilotado pelo ” Lucky Botha”, e não pelo John Love, como informam, foi até hoje, salvo erro, a maior tragédia do Automobilismo Nacional.
O fotógrafo que morreu no outro acidente de seu nome João Terramoto, era um dos mais cotados fotógrafos Moçambicanos.
Penso ter ajudado a esclarecer o post que também me fez reviver o meu tempo de “murano”…
Augusto Martins
Obrigado , JOÃO COSTA!
Eu também que tive essa enorme felicidade, que hoje é negada aos meus netos e a todas as crianças, com grande mágoa minha e, espero que não venha deixar profundas marcas negativas nas suas personalidades.
Um grande abraço, com pena de não conseguir deixar aqui uma foto de um desses meus “bólides”, que ainda hoje conservo religiosamente.