O SONHO DE MACHEL
SERÁ QUE PASSADOS 45 ANOS O SONHO DE SAMORA MACHEL: “MOÇAMBIQUE DO ROVUMA AO MAPUTO” COMEÇA A DESMORONAR?
Tenho para mim, porque constatei durante a guerra colonial, ou se quiserem de libertação, que os povos do norte: – Macuas (maior etnia de Moçambique), Macondes (um povo guerreiro), Ajáuas e os Nhianjas tinham, para além dos usos e costumes, também motivações políticas e religiosas diferentes, das gentes do sul.
E foi isso que Samora Machel também percebeu!
Verificou que esses povos só tinham em comum com a Frelimo e as gentes do sul, a luta pela independência do país.
O seu projecto político era diferente!
E não tenho dúvidas que era por isto que nos comícios, Machel sentia necessidade de apelar sempre à unidade quando se referia a: “Moçambique do Rovuma ao Maputo”.
Sabia que o perigo maior para a hegemonia do país, estava naquelas populações.
Tanto assim; que após os “democratas(?)” do governo português entregarem Moçambique à Frelimo, os dissidentes e outros líderes, quase todos do norte, foram apresentados ao povo como reacionários e contra-revolucionários, e mandados para campos de reeducação, onde:
“… Segundo revelam os jornalistas José Pinto de Sá e Nélson Saúte no diário português «Público», Joana Simeão, o reverendo Uria Simango, Lázaro Nkavandame, Raul Casal Ribeiro, Arcanjo Kambeu, Júlio Nihia, Paulo Gumane e o padre Mateus Gwengere se encontravam internados no «campo de reeducação» de M’telela, no Niassa (noroeste de Moçambique), quando, a 25 de junho de 1977 (segundo aniversário da independência de Moçambique), lhes foi comunicado que iriam ser transportados para a capital, Maputo, onde o presidente Samora Machel discutiria a sua libertação.
Seguiam numa coluna de jipes que, a dada altura, parou à beira da picada, onde os soldados tinham aberto com uma escavadora mecânica uma grande vala e tinham-na enchido parcialmente de lenha. Amarraram os prisioneiros, atiraram-nos para dentro da vala e regaram-nos com gasolina, ateando-lhes fogo. Os prisioneiros políticos da FRELIMO (quase todos do norte) foram queimados vivos, enquanto os soldados entoavam hinos revolucionários em redor da vala.
Só dezoito anos mais tarde, em 1995, vieram a lume os macabros pormenores deste massacre, perante o silêncio da FRELIMO, cujos sucessivos governos se tinham até então sistematicamente negado a fornecer informações sobre o paradeiro daqueles elementos do chamado «grupo dos reacionários»…..” Wikipédia.
Não tenho memória de nenhum regime político, mesmo os mais bárbaros, utilizarem um procedimento tão macabro para liquidar os opositores.
Alguns destes “democratas (?)” mandantes, mandados e colaboradores estão vivos, e não foram julgados!
Quando em 19Mar2020 aqui publiquei o post “Moçambique do Rovuma ao Maputo (?)”, não referi esta chocante situação porque o objectivo era outro!
Alertar as chefias militares moçambicanas, e não só, para a grave situação de terrorismo e guerrilha nas duas províncias mais ricas do país; Cabo Delgado e Niassa. Que se não fossem tomadas medidas imediatas iriam sofrer a perda de muitas vidas.
É notório que as operações efectuadas não foram/são suficientes. E creio que a situação é cada vez mais difícil! Porque como refere o bispo de Pemba, Dom Luís Fernando Lisboa, os rebeldes já sentem algum apoio das populações.
Em 27Jun2020 segundo notícia da Lusa:
“Novos confrontos em Cabo Delgado provocam fuga da população
Militares moçambicanos estão a combater grupos armados que se supõe serem os mesmos que ocuparam a vila costeira em março.
Confrontos armados na vila de Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, estão desde a madrugada deste sábado (27Junho) a provocar a fuga da população, três meses depois de uma invasão por rebeldes.
Residentes descreveram à Lusa que os militares moçambicanos estão a combater grupos armados que se supõe serem os mesmos que em 23 de março ocuparam a vila costeira durante um dia, numa ação depois reivindicada pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico…..
Este é o maior confronto de que há relato em Cabo Delgado desde a ocupação por insurgentes da vila de Macomia, entre 28 e 30 de maio, e consequente confrontação com as forças de defesa e segurança moçambicanas…..
Dadas as experiências anteriores, logo ao ouvirem os primeiros disparos, começou a debandada dos moradores para o mato e para o porto..….Um morador mostrava estar num barco cheio de gente em fuga, posicionando-se ao largo da vila e aguardando pela evolução da situação para decidir se regressavam, ou se se refugiavam noutra ilha…..
Mocímboa da Praia foi ocupada por um dia, em 23 de março, por rebeldes armados que destruíram várias infraestruturas numa ação reivindicada pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico. Na altura, o grupo disse ter invadido cinco posições do exército e polícia moçambicanos, apreendido armas e provocado dezenas de mortos e feridos….
Depois de Mocímboa da Praia, os confrontos armados levaram nos meses seguintes à ocupação temporária por insurgentes das vilas de Quissanga, Muidumbe e Macomia esta no final de maio. Altura em que as forças moçambicanas anunciaram ter abatido 78 terroristas, entre os quais, dois cabecilhas….
A violência armada dos últimos dois anos e meio já terá provocado a morte de, pelo menos, 700 pessoas e uma crise humanitária que afeta cerca de 211.000 residentes.
As Nações Unidas lançaram, no início de junho, um apelo de 35 milhões de dólares (30 milhões de euros) à comunidade internacional para um Plano de Resposta Rápida para Cabo Delgado para ser aplicado de maio a dezembro….”
Uma ajuda necessária, mas que as Nações Unidas têm de orientar e controlar.
No 45.º aniversário da independência de Moçambique ouvimos o presidente Filipe Nyusi referindo-se à situação no norte, dizer:
O terrorismo trava a marcha rumo ao desenvolvimento”
É que esta frase todos a ouvíamos com muita frequência aos políticos, durante a guerra colonial!
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno!… Muito pequeno.
João Santos Costa, Julho de 2020
9 Comentários
Mário Rui Melo Alves
Excelente trabalho João.
Arnaldo Pereira
Desconhecia o episódio da vala comum e dos dissidentes aí torturados.
Desconhecia, mas não fiquei surpreendido, já que é o “modus operandi” de ditadores, sejam de esquerda ou de direita.
Depois, há a “ganância” pelo poder … e o “capital” que ele promove, através da corrupção, nas contas bancárias dos líderes e dos seus acólitos.
Ser divulgado este “incidente”, já representa um certo avanço na informação livre. Vamos, só, ver até quando!!!
Joaquim Navarro
Excelente,gostei de ler.
Zé Carlos
Nunca o velho ditado “Tu irás colher o que andaste a semear” foi tão apropriado…
Abdul
Está está publicação é excelente tem informação por mim desconhecida realmente é muito triste o sonho de muitos de vermos livre este Moçambique grande e rico sendo esmagado por corruptos
O povo necessita de paz e desenvolvimento eliminação da pobreza e muitas coisas mais
Obrigado João pelo excelente trabalho
ABM
E antes disso tudo, fizeram-nos o favor de nos pôr quase todos fora, praticamente sem qualquer ajuda dos “compatriotas da Metrópole”. Retrospectivamente, quiçá, felizmente.
Manuel da Silva
[…] O Camboja (que os ditadores moçambicanos tanto gostavam de chamar Kampuchea) tem a sua história marcada por um dos piores genocídios da humanidade. Estima-se que entre 1.6 a 2 milhões de cambojanos foram executados a mando de Pol Pot, um ditador cambojano que mandou matar o seu próprio povo.
Toda essa matança aconteceu entre os anos de 1975 a 1979 (correspondente ao período pós-independência e ditatorial em Moçambique).
O regime Khmer Vermelho tomou o controle do governo cambojano em 1975. O seu objectivo era transformar o país em uma utopia agrária comunista. Na realidade eles esvaziaram as cidades e evacuaram milhões de pessoas para os campos de trabalho onde elas passavam fome e eram exploradas e espancadas.
Doutores, professores, pessoas ricas e influentes, monges budistas, pessoas ligadas ao anterior governo cambojano ou governos estrangeiros, assim como qualquer outra pessoa que se opusesse ao regime de Pol Pot eram torturadas e executadas da forma mais fria e cruel possível. O filme “First they killed my father” dirigido por Angelina Jolie retrata bem o que aconteceu nessa época […]
Manuel da Silva
Moral da história: Está em curso em Cabo Delgado uma luta de libertação copiada da frelimo, mas agora apoiada naqueles que gostam de cobrir a cara (cobardes), que defendem a instalação de um regime sanguinário das arábias e que todos os cristãos já viram trabalhar no terreno com enormes facalhões e a cortar cabeças mostradas a jorrar sangue na televisão e que causam horror e profunda tristeza.
O regime actual de Moçambique (com Nyusi) não merecia tal afronta! Mas sozinhos jamais sairão vitoriosos e o seu orgulho extremo (que em tempos se juntou ao(s) ditador(es) e perseguiu os colonos brancos de um dia para o outro) continua extremo e até preferem não pedir ajuda ao país que apesar de tudo sempre os amou e os promoveu durante séculos (claro, nem sempre da melhor forma) que os podia ajudar com os meios adequados à situação (especialmente meios aéreos). Não acredito na divisão do país, mas há um cancro instalado que vai empobrecer, descontrolar, fazer ruir as esperanças daquele povo …
José Luciano André
Triste relato com que se inicia a semana pensando com mágoa na hipótese do “desmoronamento”. Após tantos anos de independência é triste admitir esta situação agravado decerto com interesses que diversos países “cobiçam”. Já é tempo de Moçambique entrar numa situação de “acalmia” mas, infelizmente a “luta continua”. Na fase que atravessamos admitamos pensar seriamente no futuro pelas necessidades naturais que infelizmente se aproximam.Procuremos ajudar o Norte de Moçambique – Cabo Delgado – e coloquemos de lado o interesse “capital” dando prioridade ao “humano”. Mais fica por dizer, principalmente por quem viveu em Moçambique. Restará apenas rezar? Não e é necessário fazer mais alguma coisa, ajudando aquele lindo país.