Leite de Vasconcelos … um recuar no tempo.
Há precisamente 16 anos que Leite de Vasconcelos não está connosco físicamente. Deixou-nos em 29 de Janeiro de 1997, exactamente no dia em que a Rádio Moçambique (onde ele foi Director, por nomeação directa do Presidente Samora Machel) iniciava uma reunião do seu Conselho Consultivo. Deixava-nos o menino que nasceu em Arcos de Valdevez (Portugal) em 1944 e que com apenas 4 meses de idade veio para Mocambique. Ele costumava dizer que “fui feito cá, mas por acidente, nasci lá”. Os seus pais viveram na Provincia de Sofala. Primeiro na Manga, depois na Chemba e finalmente no Boé Maria, na Gorongosa. Nessa altura Leite de Vasconcelos tinha 11 anos de idade. Aos 17 anos, terminado o quinto ano do liceu, decide não continuar a estudar. Começa a trabalhar num Posto de Gasolina do Xitengo. Depois foi barman e acabou como recepcionista.
A sua aproximação com a Rádio, tal como ele me disse numa entrevista que me concedeu em Junho de 1996, (8 meses antes da sua morte, vítima de insuficiência renal) “tem a vêr com o facto de eu ter vivido muito tempo longe das cidades”. No mato a Rádio era a ligação que se tinha com o que se passa no mundo. Uma paixão que começa muito longe dos estúdios. Ainda com 17 anos vai para a Beira. Na Emissora do Aero Clube realiza, com um grupo de estudantes, um programa dedicado à juventude.
Conheço o Leite de Vasconcelos no início da década de 70. Éramos “adversários” no campo da publicidade. Ele na Elmo, de parceria com a Ausenda Maria, o Carlos Silva e o Manuel Tomás, ao tempo do “A Noite e o Ouvinte” e eu na Golo, com o “Bondiazinho”, “Extensão 10”, “Domingo Alegre” ou “Guiando e Ouvindo Música” de parceria com figuras gradas da radiodifusão daquele tempo, como foram os casos de Manuela Arraiano, António Luiz Rafael (que chegou a ser comentarista desportivo, especialmente nos relatos de futebol), Fernando Rebelo, Eugénio Corte Real, Maria Ricardina, Álvaro de Lemos, Fernando Ferreira, Francisco Munoz ou Helder Fernando, para lembrar apenas estes. Todos eles locutores do RCM e colaboradores nos diferentes programas que a GOLO realizava.
Neste recuar no tempo faço questão de lembrar dois momentos importantes da minha parceria com o Leite de Vasconcelos. Na realização e apresentação do SABADAR, um programa didáctico e cultural que era transmitido na Emissão Nacional da Rádio Moçambique e que enchia “sábado sim, sábado sim” o estúdio auditório da nossa estação pública, e o VOLTA A MOÇAMBIQUE que era uma réplica do “sabadar” adaptado para televisão e que foi transmitido pela TVM. Dois programas que marcam um tempo importante na história da Rádio e Televisão deste País e ao que tudo indica “não voltam mais”.
De Leite de Vasconcelos guardo as recordações de vários trabalhos de reportagem directa feita em conjunto, com destaque para a cobertura integral das cerimónias da proclamação da independência da República Popular de Angola, em 1975. Eu, ele e o falecido operador técnico Eduardo Pereira, designados por Rafael Maguni, o primeiro Director da RM, estavamos integrados na comitiva de jornalistas moçambicanos que incluía, entre outros, Ricardo Rangel e Albino Magaia.
Dele guardo conversas sobre coisas bem variadas (cinema, literatura, pintura, poesia, etc …) mantidas ao longo de quase duas semanas, na altura em que o Grupo RM fazia uma (a primeira) digressão a nível nacional.
De Leite de Vasconcelos guardo referências obrigatórias. No campo do jornalismo, da radiodifusão, do teatro, da poesia e dos contos. Da Rádio e da Televisão. Dele fica a lembrança da “senha do 25 de Abril de 1974”. E sobre esse memorável momento do início da Revolução dos Cravos, na entrevista que me concedeu em Junho de 1996, ele fez questão de recordar que “o facto de ter sido a minha voz que deu a senha não significa que eu tenha tido o papel mais importante em todo esse processo. E não tive efectivamente. Eu fui, neste caso, apenas a ponta final dum processo que envolveu muito mais pessoas”. Uma frase que é uma lição de humildade.
Dele fica um legado que importa preservar e conhecer. A nova geração de homens e mulheres da comunicação social (e não só) deve considerar Leite de Vasconcelos como sendo uma referência obrigatória do campo das artes e das letras.
PS: Leite de Vasconcelos e Carlos Silva deram corpo à ideia de António Alves de Fonseca, de se transmitir na Emissão Nacional da Rádio Moçambique o programa “O Fio da Memória”. Sob comando dos dois o programa, iniciado em 1983, manteve-se “no ar” durante 7 anos. Em 1990, devido aos seus crónicos problemas de saúde, ele deixou de o realizar. Coube-me a tarefa de o substituir na condução e realização do programa, de parceria com Carlos Silva, o que faço até hoje.
Um Comentário
costa vasconcelos
Eu sempre vi Leito de vasconcelos como alguem que poderia ter contribuido mais se a morte nao lhe tivesse morto. o curioso é que ele morreu no dia em que nasci no mesmo ano”