AZAGAIA – O adeus de uma voz critica
Moçambique, vestiu-se de luto com a morte ocorrida no dia 9 de Março, de Edson da Luz, conhecido no meio artístico como Azagaia. Com apenas 38 anos, partiu com o título de “rapper do povo” autor de letras de intervenção consideradas críticas, dirigidas ao regime governamental de tal forma contundentes, levando-o em 2008 a ser detido pela polícia de intervenção e sujeito a um intenso interrogatório, por determinação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Pesou sobre ele a acusação de incitamento à rebelião, depois de três dias de violentas manifestações em Maputo, decorrentes do aumento de preços dos combustíveis, que inflacionaram os transportes públicos ”chapa” e nesse período lançou o tema “o povo no poder”.
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As rimas, “Já não caímos na velha história/saímos p’ra combater a escória/Ladrões/Corruptos/Gritem comigo p’ra essa gente ir embora/Gritem comigo pois o povo já não chora”, ecoaram até ao Palácio do Governo. Tal como era previsível, as rimas foram censuradas e proibidas de ser transmitidas pela Rádio e Televisão pertencentes ao Estado, por ordem dos deputados da Frelimo no poder desde a Independência, conotando o jovem “rapper” como um intérprete da oposição.
Azagaia, nasceu na Vila da Namaacha, e desde muito cedo se começou a destacar na defesa dos direitos humanos, tornando-se militante do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e olhando para o retrato quotidiano do povo moçambicano, usou como “arma” de arremesso o rap, uma expressão cultural-musical para atingir o ego da elite governamental. A sua voz crítica incomodava e de que maneira os senhores do poder, que fechavam os olhos à corrupção, pobreza, criminalidade, droga, violência, descriminação social e a fome.
As suas rimas eram inspiradas na vida real de um país onde certas classes se governam, e Azagaia tornava-se num fenómeno social, como a voz dos que não têm direito à indignação. Entre atuações e detenções, Azagaia continuou a sua marcha inspirando-se no jornalista Carlos Cardoso, que foi assassinado
e do poeta José Craveirinha, figuras que ele considerava defensores da verdade.
Em 2014, já depois de lançar mais dois álbuns “Babalaze” e “Cubaliwa”, Azagaia anunciava nas redes sociais, o fim da carreira e tornou público que padecia de um tumor cerebral. Ameaçado, retirou-se para a Namaacha, para junto da sua mulher e das filhas. Gerou-se por parte dos seus fãs um movimento de solidariedade e foi criada uma campanha de angariação de fundos, que juntou 20.300 euros para lhe custear uma cirurgia a realizar na Índia. De Moçambique, Angola e África do Sul chegaram os donativos, que lhe permitiram seguir para Nova Deli.
Apesar de cansado e perseguido, em 2016 e de forma mais discreta foi atuando em discotecas de Maputo, mas sempre com crítica incisiva à governação do país. Só mesmo a epilepsia que o atormentava vezes sem conta o conseguiu derrubar, falecendo no quarto da sua residência, num bairro humilde da Matola.
Dia 14 de Março, por todo o território moçambicano e também em alguns pontos de Angola e África do Sul, sucederam-se manifestações de pesar no último adeus ao “rapper do povo”. Milhares de pessoas invadiram as ruas de Maputo, muitos entoando as suas interpretações, a caminho dos Passos do Conselho Municipal onde decorria o velório. No exterior, milhares de pessoas chorando e gritando exigiam uma estátua lembrando Azagaia, porque só os heróis merecem essa distinção. O cortejo fúnebre transportando o corpo de Azagaia, tomou o rumo até ao cemitério de Machafutene, sempre aplaudido pelo seu povo e tinha como pontos de passagem as instalações do Ministério da Defesa e a residência oficial do Chefe de Estado, o que não veio a suceder pelo impedimento do forte contingente policial, visivelmente armado e apoiado por veículos blindados, sendo lançado gás lacrimogéneo para dispersar a multidão que se ia aglomerando pelas artérias da capital, o mesmo sucedendo no dia 18, quando um movimento de jovens levou a efeito uma marcha pacífica pelo centro da cidade, homenageando a memória de um grande líder.
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Hoje diz-se em Maputo em certos círculos, que Azagaia com várias ameaças à vida, muito provavelmente teria o fim sinistro que coube ao jornalista Carlos Cardoso, ao economista António Macuacua, ao músico Pedro Langa e mais recentemente ao constitucionalista Gilles Cistac. Para a posteridade, o nome artístico Azagaia ficará nos anais da História de Moçambique, como o cidadão/artista que escolheu o lugar do POVO, enraizado num velho e sábio provérbio africano que diz:
Sou o que sou pelo que nós somos.
Começa em Ti (Letra da música)
Começa em ti o fim desse discurso de coitado
Que vais ficar sentado porque o mundo deve-te algo
O branco deve ao preto, o preto acusa ao mulato
Começa em ti o fim desse discurso dissimulado
Mulheres acusam homens, homens acusam mulheres
Os dois merecem os nomes, os dois são infiéis
A culpa morreu solteira, mas deitou-se com todos
Corruptos vão para as celas e para onde vão os corruptores?
Um governo só é culpado do que povo permite
Que aceita ser enrabado então, por favor, não grite
Começa em ti a mudança que tu queres para mundo
Começa sempre em nada o que acaba em tudo
Começa numa lata o que acaba em entulho
Começa em humildade o que acaba em orgulho
Começa a mudar a pessoa que tu vês no espelho
Mandela sonhou com a liberdade quando ainda era fedelho
Há coisas em mim que eu devo mudar
Acusar-me a mim antes de te acusar
Para mudar o mundo antes devo me mudar
Há coisas em mim que eu devo mudar
Acusar-me a mim antes de te acusar
Para mudar o mundo antes devo me mudar
Começa em ti o fim de qualquer preconceito
Pouca gente quer trabalho quando procura um emprego
Fácil acusar difícil aceitar o erro
A vida não tem preço mas vivemos pelo dinheiro
Pensa por um momento HIV é o problema ou problema é o comportamento
Horas a lamentar, na hora ninguém perde tempo
Na hora de evitar, toda gente perde o medo
Toda gente quer mudança, mas ninguém muda
De noite a gente dança, de dia critica música
Álcool e volante, mas não aceitamos a multa
Depois dizemos que a polícia é que é corrupta
Filhos têm pai mas a TV é que os educa
E é só pelo dinheiro que a juventude estuda
Mas começa em ti uma sociedade mais justa
Mais polícia de sua própria conduta
Há coisas em mim que eu devo mudar
Acusar-me a mim antes de te acusar
Para mudar o mundo antes devo me mudar
Há coisas em mim que eu devo mudar
Acusar-me a mim antes de te acusar
Para mudar o mundo antes devo me mudar
Começa em ti o fim dos preservativos na língua
A verdade só engravida cabeças quando é cuspida
Bem no meio da cara da mentira
Só assim nasces de novo pra uma nova vida
Mano, tu és muito macho pra ficar de cócoras
Em posição dog style e lamber botas
Mana, tu és muito mais do que pernas e rabo
Homens nunca baixam a cabeça de baixo
“Não tem voz, mostra a bunda” essa ainda é a regra
É por isso que ainda há muita música merda
Minha música nega apoiar lemas ridículos
Como falar em educação, se jovens não leem livros?
Começa em ti, tu não és pequeno demais para a briga
O problema é que tu só brigas para encher a barriga
E continuas com a cabeça vazia
É hora de renascer, bem-vindo ao Cubaliwa
Há coisas no mundo que devo mudar
Acusar-me a mim antes de te acusar
Para mudar o mundo antes devo me mudar
Há coisas em mim que eu devo mudar
Acusar-me a mim antes de me acusar
Para mudar o mundo antes devo me mudar
Eu vou mudar
Eu vou mudar
Eu vou mudar
Eu vou mudar
Júlia Duarte e Azagaia!
Azagaia (Clicar no nome para aceder às suas músicas)
Manuel Terra – Março de 2023
4 Comentários
nino ughetto
Como sempre “quem diz as verdades é eliminado pelo poder diabolico dos governos
Pierre Vilbró
Heróis não são os que o são por decreto, por conveniência dos decretores. São os que não traem o povo de onde vêm.
Pierre Vilbró
LUIS BATALAU
MAGNÍFICO. APLICA-SE AO QUE ESTÁ A ACONTECER EM PORTUGAL!
ABM
Pois…..
Excelente reportagem.