Clube Naval, uma coletividade virada pró mar…
A antiga cidade de Lourenço Marques, que enquadrava no progresso e desenvolvimento a dinâmica dos seus habitantes, ficou intrinsecamente ligada às inúmeras coletividades que assumiram ao longo dos tempos, atividades ainda hoje tão vivas nas nossas mentes e que nos dão conta da importância que muitas tiveram junto das comunidades locais. Poder-se-á dizer que existiam para todas as exigências; as desportivas, as culturais, as recreativas e que tinham como ponto comum, a paixão com que eram vividas.
Quem incorporou as instituições, ganhou uma segunda família e partindo desse conceito deram as mãos em prol das causas que abraçaram, fatores imprescindíveis para superar as dificuldades naturalmente esperadas.
Hoje, neste espaço não posso deixar de dar ênfase ao Clube Naval de Lourenço Marques, pelo seu prestígio e trabalho desenvolvido.
Tudo começou ainda nos finais do século XIX, quando um grupo restrito de jovens com sangue na guelra, criaram o Grémio Náutico que funcionava precariamente num minúsculo barracão, adjacente a um posto de abrigo para pequenas embarcações. As reuniões eram efetuadas nas casas de habitação dos membros diretivos e em 1912, era registado por vontade expressa do seu sócio fundador José Correia Borges, os Estatutos que viriam a ser reconhecidos por Alvará de 25 de agosto de 1913. Ao que se sabe, em julho do mesmo ano, a agremiação levou a efeito a sua primeira regata que evoluiu ao largo do Cais Gorjão, prova que entusiasmou a comunidade local e que catalisou a angariação de sócios.
Começou então a pensar-se na sede e para esse feito a Direção presidida pelo incansável José Correia Borges e coadjuvado pelo Vice Comodoro Eng. Vaz Monteiro, reuniu com o Conselho de Turismo, tendo como meta a obtenção do projeto e ajuda financeira para a desejada sede. Paralelamente, foi levado a efeito um memorável sarau no jovem Teatro Varietá, com o objetivo de angariar fundos destinados a custear a obra e mobílias. Entretanto as diligências feitas junto do Governador Geral, à época na pessoa do Dr. Moreira da Fonseca, foram coroadas de êxito, levando o governante a atribuir um subsídio de 1200 libras, para custear despesas com a sede e demais equipamentos, considerando que a direção estava a cumprir bem a sua missão.
A inauguração da sede, diga-se de esbelta arquitetura, onde sobressaia a traça art-nouveau combinada com art deco, e que mais tarde na sua ampliação conheceu a estética da arte moderna, destacavam-se as suas arcadas e varandins que interligavam as quatro torres.
A sua tonalidade branca e a telha vermelha, completavam a beleza do edifício. A 29 de Dezembro de 1919, era inaugurada com visível solenidade a sede do Grémio, concretizando-se o grande sonho dos seus fundadores. Implantada junto à orla marítima de forma privilegiada e ainda sem a proteção da muralha, tinha a seus pés o mar tingido de tons verdes-esmeralda, como testemunho eterno de uma obra para sempre companheira da Baía do Espírito Santo.
O progresso avançava na cidade e em 1935, o edifício ficou enquadrado com a construção da muralha da Marginal e a estrada asfaltada a que foi dado o nome Av. Freire de Andrade. Depois de ter casa própria, o Grémio passou a designar-se de Clube Naval de Lourenço Marques, e a dimensionar a sua ação a atividade ligada à sua matriz marítima, tais como o Remo e Vela. O entusiasmo gerado em redor do Clube Naval, foi tão evidente que elevou a entrada de novos associados e dos perto de 100 inscritos na fase inicial, passou posteriormente para 528, a quem lhes competia pagar de quotas anuais a importância de 50 escudos.
O Clube Naval, começou a ganhar cada vez mais expressão e já no declinar da década 50 do século passado, decorreram nas suas instalações um curso de marinheiros para poderem obter licença e carta oficial para velejar.
Ali teve lugar quase em simultâneo, um curso de mergulhadores que seria determinante para a criação da secção de Caça Submarina, aproveitando já alguma experiência de Nuno Quartin e Sérgio Peres, por sinal primos.
A estes juntaram-se Ricardo Velozza, o Rui Quadros, o Amadeu Peixe, o Rafael Amorim e o Leong Siu Pun. Assim nasceu a base da equipa de Caça Submarina do Clube Naval.
A 20 de junho de 1965, disputou-se o I Campeonato de Lourenço Marques, na modalidade e que teve lugar nas águas circundantes da Ilha da Inhaca. Leong Siu Pun, foi o primeiro campeão distrital.
Em 1967, no Campeonato Aberto, Sérgio Peres bateu o record nacional e quiçá do continente africano, depois de exibir uma garoupa gigante com mais de 130 Kg.
Nesta prova, já participaram desportistas do Clube Marítimo de Desportos. Um dos momentos mais altos do notável Clube Naval, ficou marcado com a comemoração do seu 56º aniversário, que fez constar do seu programa festivo, o campeonato de SNIPES, e um concurso internacional de Pesca Desportiva.
De seguida, desenrolou-se mais uma edição da famosa Regata Oceânica. Lourenço Marques-Durban, a que concorreram Iates de Cruzeiro. Ainda estão na memória de muitos laurentinos, as provas arrojadas de Motonáutica, com autênticas máquinas flutuantes equipadas com potentes motores, que mais pareciam voar sobre a água, num troço marcado entre o Clube Naval e o Pavilhão de Chá Oceânia, proporcionando um interessante espetáculo. Milhares de pessoas concentram-se junta à muralha da Marginal, aplaudindo os concorrentes. Na verdade, naquela terra cada acontecimento era vivido com emoção jubilante.
Em 1973 realizou-se o campeonato mundial de vela em Moçambique (15 a 20 de Agosto)
e foi um grande sucesso da organização e a demonstração do talento e capacidade de mobilização das pessoas que trabalhavam na área do desporto moçambicano.
Entaladas ente a sede e o porto de abrigo, foram construídas e inauguradas já em 1974, duas piscinas; uma de maior dimensão para os adultos e outra mais reduzida no comprimento e profundidade, para os petizes.
Tive a oportunidade de conhecer a magnificência das instalações do Clube Naval, que comportavam no seu interior; um salão de festas onde aos sábados à noite, eu próprio não perdia a oportunidade de tentar a sorte nas sessões de bingo, um vistoso restaurante e bar panorâmico, e salas de convívio usadas para encontros sociais.
Sei que hoje o Clube Naval, ainda é uma referência em Maputo, apresentando-se bem conservado. Comemora este ano o seu 110º aniversário. Parabéns!
É a navegar no mar da saudade que eu atraco ao presente, mas nunca sem perder de vista a obra com que os seus fundadores sonharam, ligando o homem ao mar.
Manuel Terra – Junho de 2023
12 Comentários
Carlos Loff Fonseca
Pertenci ao BCCI LMarques até 1977.
Clube Naval, Inhaca, o Wreck, caça submarina, pesca cana, a partir do Naval.
Antes foi Quirimbas, Mocimboa da Praia, Ilha do Tambuzi e mais tarde Bazaruto, Santa Carolina, Two Milles reef.
Mais tarde o Mar Vermelho, Ilha de Giftun e seus belos recifes e águas cristalinas.
As recordções desse belo país MOÇAMBIQUE (e seu magnifico povo) ficaram bem registadas para sempre.
Célia Quartin
O Sr. Manuel Terra fez uma excelente descrição da história do nosso Clube Naval. Foi a minha segunda casa, minha e da minha familia, até 1975. No entanto, fiquei muito triste com a construção daquela enorme piscina que alterou por completo o espaço onde ” a malta” se reunia para o bula-bula e gargalhadas. Fiquei com saudade dessa parte. Mas o Naval acabou para nós, tal como o conheciamos em 1974.
Rosado de Sousa
Parabéns pelos 110 anos ao Clube de que fui sócio e Secretário na Direção ,em 2002 ,sendo frequentador assíduo até ao regresso a Portugal, definitivo em 2013. Votos de continuidade de sucesso nesse Clube tão marcante. E felicitações ao autor do texto recordatorio e completo.
Eduardo Horta
Os meus Parabéns a Manuel Terra, pelo modo como descreveu a história do “meu” Clube Naval, ao BigSlam, e ao amigo Samuel pela oportunidade deste artigo. Igualmente os meus parabéns ao Clube que este ano comemora 110 anos de existência. Não poderia deixar de fazer um pequeno comentário, e ele é mesmo muito pequeno, para quem, quase desde nascença até ter saído de Moçambique, frequentou este Clube, de 1947 a 1978, 31 anos. Inicialmente, como filho de sócio ( meu pai era sócio desde 1937), sócio, atleta e na fase final, como elemento dos corpos directivos, numa altura bem difícil, que foi preciso com muita calma e ponderação manter o Clube a funcionar sem grandes atropelos. As minhas saudosas memórias são tantas que nunca seria possível menciona-las por aqui. Aproveito para enviar uma fraterna saudação Navalista aos muitos amigos que aqui fiz e fui mantendo ao longo dos anos, e a todos os outros que nesta época me acompanharam na colectividade.
Ana Maria Monteiro
Parabéns Clube Naval.
O Desporto e o convívio fizeram grande parte da pessoa que sou hoje.
Desde criança que frequentei o Clube Naval, fiz bons amigos até hoje.
Obrigada
Samuel
Valentim Queirós
0brigado pelas fotos.
Deixei Lourenço Marques e a família em 31 de Março de 1976.
” Recordar é Viver ”
Muitas saudades.
Vitor Teixeira
Andava eu nos Optimist no Clube Maritimo quando foi o mundial de vaurien. Que memórias fantásticas. O meu muito obrigado pela recordação
Fernando Faria Neves
Obrigado pelo artigo maravilhoso sobre o Clube Naval de que fui sócio e frequentador assíduo. Como curiosidade gostaria de saber o nome do 2.º atleta, a partir da direita, da equipa de remo de 1941. Julgo tratar-se de José Crisóstomo Ferreira, um dos melhores e mais ecléticos atletas de Moçambique. Conheci-o bem como toda a sua família. Bem haja pela divulgação da minha terra. Caso possa satisfazer o meu pedido, um Kanimambo.
Luis 'Manduca' Russell
… e quando a piscina do GDLM não estava em condições de ser usada, lá íamos nós treinar para a piscina do Clube Naval…
wanda serra pedroso
Uma das grandes belezas e nao só do n/ LM
Alfredo da Silva Correia
Que saudades de uma terra inesquecível como era então Lourenço Marques e todo o Moçambique.
A vida é o que é, mas sentir, hoje, que se tivesse sido possível Moçambique ter ido para a independência sem, na altura, se por em causa a capacidade produtiva que então tinha e fossem criadas condições para que se pudesse continuar com o mesmo crescimento, hoje o país seria rico, não é fácil para quem gosta que tudo evolua de uma forma construtiva. Mas é a vida……
nino ughetto
Triste.. é triste de ver toda essa mocidade que HOJE jà nào existem… Tudo passa tudo acaba… Custa:me acreditar que existiu essa bela cidade e esse mundo tào maravilhoso “Lourenço Marques” Cidade de meus amores… cheio d desportista e a alegria de viver …Hoje , creio mais que foi um sonho que tive ..Como foi possivél terem destruido ..TUDO.