Marracuene – A Princesa do Incomáti
Os dias vão-se desenrolando e arrastam consigo recordações que testemunham ciclos de vida que não esquecerei e que envolvem lugares tão importantes, que me falam da minha juventude e tão presentes na memória de muitos laurentinos.
Desta feita reporto-me à bonita Vila de Marracuene, sita a 30 quilómetros da capital, designada timidamente por Vila Luísa, mas que nunca perdeu o berço quiçá por razões históricas e por tal Marracuene, foi o nome que se eternizou na memória de quem a visitou.
Vivi a época em que Marracuene, era um destino ideal para um merecido descanso e desfrutar de um lugar maravilhoso para fruir um domingo livre. Quem já não se recorda daqueles passeios dominicais até aquela formosa terra beijada pelo Rio Incomáti, que a afagava como uma linda princesa?
Muitos dos habitantes de Lourenço Marques, já no declinar da madrugada faziam-se à estrada e ultrapassada a área do Bairro do Jardim, tomavam a EN1, rumo a um roteiro romântico de beleza contagiante e de permanente contato com a natureza.
Marracuene, esperava pelos visitantes estendendo-lhes o manto da hospitalidade e os seus fascínios contagiantes de grande atração turística. Da sua muralha privilegiada era imperdível lançar o olhar sobre o extenso caudal do rio, habitat natural de hipopótamos e crocodilos, que se podiam fotografar a partir do barco lotado com turistas
e da mesma forma observar como as águas límpidas do Incomáti, serpenteavam o extenso vale que se perdia no horizonte e com ligações a terras de Xinavane. Do pequeno cais, partia o velho batelão, transportando veraneantes e jipes, que se dirigia para as famosas dunas da Praia da Macaneta, paraíso selvagem em que as areias finas se misturavam aos tons imaculados de um invejável azul-marinho, tingido pelas vagas do Oceano Índico.
Duas horas depois, os grupos desembarcavam na praia paradisíaca, que se revestia de uma pequena biodiversidade à mistura.
Na margem direita do rio, encontrava-se o traçado da linha ferroviária e o apedouro, onde a potente locomotiva movida a carvão que partira de Lourenço Marques, puxava carruagens apinhadas de gente com destino a Marracuene e Manhiça. Os seus estridentes apitos de aproximação ao local pareciam estrondar a atmosfera envolvente, para depois se dispersarem num adeus calmo até à próxima estação.
Junto à linha férrea estava edificada uma antiga clínica, dirigida por uma instituição religiosa ali sediada, ladeada de laranjais e tangerineiras. A deslumbrância da vila histórica, devia-se muito à sua paisagem natural e ao seu traçado onde figuravam artérias bem delineadas a que não lhes faltava o verdejante arvoredo, das mais variadas espécies. Palmilhando as suas ruas, achávamos o velhinho Pavilhão do Chá (hoje renovado)
construído na década trinta, que recebia muitos turistas sul-africanos, ávidos de passeios de barco e alegres bailaricos que ali tinham lugar. A riqueza dos seus edifícios estava bem patente na sua forma de construção. Ninguém ficava indiferente ao charme da residência do administrador,
projetada com elegância, sobressaindo um destacado escadario e a fachada envidraçada, que deixava antever o esmerado gosto de quem a concebeu. Também era belo o edifício do Posto Administrativo,
de construção atrativa considerando o distante ano em que foi erguido, coroado com um enorme telhado que lhe conferia uma expressão de grandiosidade.
Vistoso, era o seu posto dos CTT, de linhas sóbrias bem idealizadas.
O seu jardim público era o espaço que mais cativava os visitantes, que ali se deparavam com uma vasta área bem arborizada e pelos seus bem tratados canteiros a exporem a multicoloridade de muitas plantas e arbustos. A sua considerável extensão era também uma zona de lazer, onde os petizes corriam sem governo, os adolescentes projetavam o futuro e os mais velhos punham a conversa em dia ou então jogando à “sueca”. Às três horas da tarde, era imperioso ligar os transístores a fim de se ouvirem os relatos de futebol, onde os golos eram festejados conforme a paixão clubística de cada um. No decorrer do intervalo, ao abrigo das sombras, colocavam-se as mantas sobre a relva para a degustação dos recheados piqueniques, onde famílias e amigos aconchegavam o estômago e saciavam a sede, sendo que havia sempre mais um lugar para um amigo que aparecesse, tudo numa sã amizade.
Era já com o sol a esconder-se que os passeantes se despediam de Marracuene, com um até breve.
Assim se passava um longo dia de descanso, que tão curto e rápido nos parecia.
Manuel Terra – julho de 2020
13 Comentários
Zé Carlos
Quando ainda muito mufana em finais dos anos 60, passei com amigos um grande fim de semana de cinco dias em Marracuene.
Em princípio dos anos 70, estava eu e primos prontos para ir lá passar mais um longo fim de semana.
Já com a bagagem pronta pra pôr no carro, acontece um grande acidente ferroviãrio, acho que perto da Matola, entre um comboio com passageiros e outro com combustivél que causou muitas vitímas, ficou a viagem cancelada porque o tio e pai desses primos, era maquinista dos CFM e foi chamado de emergência para ajudar no salvamento.
Com isso, o tempo passou, depois a situação alterou, nunca tornei a lá ir… mas a vontade de regressar, perdurou.
A Bula Bula do Manuel Terra e descrição da Dulce Goiveia fez me recordar o quanto foi tão bom esses cinco dias em Marracuene.
Obrigado.
José Fernandes
Muito interessante! Gostei dessa terra Marracuene, ou seja: também Vila Luísa.Tem uma vista maravilhosa para o rio e consegui ver hipopótamos nos anos 1971/72.Estive lá a reparar maquinaria numa fábrica de tanino quando fui empregado nas empresas Bucelato em Maputo.Moçambique é uma linda terra e esta e as suas gentes deixam saudades.
Fernando Machado Almeida
Não esquecer que foi em Marracuene que o GUNGUNHANA foi derrotado e preso pelos portugueses.Naquele tempo as tropas Portuguesas eram HEROIES ao contrario do que se passou em 1974.
Augusto Martins
Peço-lhe desculpa, mas tenho que esclarecer, uma ligeira confusão, muito vulgarizada.
Vivi 30 anos em Marracuene e isso obriga-me a fazê-lo.
O combate de Marracuene, ocorreu no dia 2/Fev/1895 e foi travado contra os guerreiros que defendiam as mesmas ideias defendidas pelo Gungunhana e por várias potências europeias, que com ele iam negociando os seus interesses ( a expulsão dos portugueses do território de Moç.).
A derrota do Gungunhana aconteceu no dia 28/Dez/1895 (cerca de 11 meses mais tarde), quando foi preso a cerca de 150 Km. de distância, por Mouzinho de Albuquerque, em CHAIMITE, localidade em que se tinha refugiado e onde estava enterrado o seu avõ. Mais tarde foi deportado para os Açores, onde veio a falecer em 23/Dez/1906 em Angra do Heroísmo.
FERNANDO DE CARVALHO
Marraquene que eu conheci quando a linha terminava lá. Fui várias vezes de Comboio, Automotora, Zorra, Carro e Bicicleta. Continuando na estrada e logo a seguir á entrada para a vila, havia uma árvore bem frondosa do lado direito onde passei várias tardes em conversa dentro do carro com uma namorada que tinha na altura e olhando para a lezíria. Saudades que não morrem nunca.
Nelson Barata
Caros amigos
Só falta dizer que no parque de merendas, uma espécie de miradouro sobre o Incomáti e, sobre os jardins da beira rio e onde os jacintos de água pululavam, e por onde muitas vezes cabeças de hipopótamo emergiam, existiam umas árvores de “tchinchiva” que faziam com que os putos ficassem com as t-shirts ou camisas cheias de um pó castanho alaranjado, muitas vezes, razão para umas palmadas dos n/velhos de forma a sacudir-nos o “pó” da roupa…
José Moreira
Belas fotografias e belo relato de uma realidade que deixou muitas saudades. Pessoalmente, o que mais me marcou foram os hipopótamos, a nadar no Incomáti. Belos tempos!…
Armindo Abreu(Mindocas)
Boa tarde a todos e parabéns pelo óptimo artigo sobre a Vila Luísa …
Entre 66 e 74 fui lá muitas vezes visitar uns amigos que lá viviam ( A família Vieira, em que o Sr António Vieira trabalhava nos CFM)
Voltei lá em Dezembro de 2017, pela nova estrada marginal e passei pela nova ponte para a praia da Macaneta…
Continua tudo fantástico e estive na magnífica casa do João Viseu , em frente ao mar.
O mais díficil foi voltar.
Abraço a todos
Augusto Martins
Obrigado MANUEL TERRA!
Acabei agora de chegar de uma viagem de 12.000 kms e 45 anos.
Cresci e vivi 30 anos, neste paraíso.
Logo que possa (e brevemente), vou-lhe dar mais elementos para que os possa acrescentar a esta sua descrição.
Um GRANDE ABRAÇO,de agradevimento
Manuel da Silva
Não conheço o autor (Sr. Manuel Martins Terra), mas devo-lhe um agradecimento pela grande e louvável descrição que faz da viagem no tempo através de Vila Luísa – Marracuene, Praia da Macaneta…
Enquanto vivi em LM (1972, cerca de um ano) goraram-se todas as oportunidades que tive de fazer esta lindíssima viagem. Mas fiquei agora com uma bela ideia …
Obrigado Manuel e Samuel!
Jose Carlos
Mais uma bela descrição de uma terra moçambicana, neste caso Vila Luísa/Marracuene, pelo meu grande amigo Manuel Martins Terra, a quem envio um grande abraço.
Dulce Gouveia
Kanimambo Manuel por me fazeres recordar um trecho da minha vida, passada nesta bela vila.
Teria eu os meus 7 ou 8 anos quando a minha mãe foi colocada na escola primária de Marracuene como professora e lá foi a família toda de armas e bagagens viver para a casa/escola.
Este edifício era muito peculiar e não tão incomum assim nas aldeias ou vilas de Moçambique.
Era um edifício unico, constituído pela casa do professor e a outra parte pela escola propriamente dita, cuja ligação era feita através dum varandim a todo o comprimento e onde se entrava para as 2 únicas salas de aula existentes ( 1a e 3as classes / 2a e 4as classes ). Acabei por ser aluna da minha mãe na 3a classe.
O edifício estava implantado no centro dum terreno grande que fazia de pátio, onde existia uma série de árvores de fruto onde a criançada se deliciava a comer a fruta e a brincar.
Quando chovia, andávamos de bicicleta nas longas varandas.
Brincávamos muito na rua, ou a jogar ao ringue
( ” roubávamos ” giz na escola para demarcarmos o campo na rua, que só saíamos quando passava um carro, o que era raro durante os dias úteis) ou íamos brincar nos 2 bonitos parques existentes, ora nos baloiços ora a jogar. Percorriamos a vila de bicicleta, até à estação para ver os comboios ou à esplanada do restaurante para ver o rio ou ao hospital dos maluquinhos ou até à igreja enfim, conheciamos os cantinhos todos.
Lembro-me bem dessa época e de vários episódios correspondentes.
Marracuene era o paraíso das crianças, andávamos completamente em liberdade, sozinhas a vaguear por ali na brincadeira e só íamos a casa para comer e dormir.
Foi um período muito feliz e inesquecível para mim.
Ao ler a reportagem veio tudo à memória.
Os meus agradecimentos ao BigSlam, na figura do Samuel e ao Manuel.
Samuel Carvalho
Olá Dulce Gouveia, não sabia que tinhas vivido em Marracuene. Adorei ler as tuas recordações deste lugar e constatar que continuas com uma excelente memória… bons tempos!!!
Aquele abraço e vamos-nos vendo por aqui no nosso “Ponto de Encontro!” – http://www.bigslam.pt