Moamba- Uma vila em progresso
Neste hábito constante de recordar lugares que retenho na galeria das minhas memórias, ocorre-me os passeios já distantes a caminho do Sabié, mas com paragem obrigatória na vila da Moamba.
Era sempre uma boa notícia lá em casa, o anúncio de uma viagem de fim-de-semana para o exterior da urbe citadina, permitindo-nos o contato mais direto com tudo que a natureza nos tinha para oferecer. Deixava-mos a capital, já com a madrugada avançada e rápido se venciam os 75 quilómetros, indicados pela placa de sinalização instalada na berma da estrada. Chegava-mos aquele imenso povoamento, ainda desafogado dos raios de Sol, e dava-se a primeira paragem a fim de se tomar o pequeno-almoço e um retemperador café. Cá fora já se escutava aqui ou acolá, o cantar dos galos como que mensageiros do dia anunciado, onde se começavam a descortinar as rotinas de sempre dos seus habitantes.
A vila da Moamba, lugar privilegiado pela natureza, sítio ameno e deleitoso, beijada pelos amores do Rio Incomáti, nascido em território sul-africano e desaguando no Oceano Índico, mas que à passagem por aquelas bandas se curvava com inafável ternura derramando do seu leito, como do mais fino ouro se tratasse, a água divina que a terra agradecida haveria de absorver para a fertilidade do seu solo. A vila da Moamba, era uma referência no setor agrícola com vastíssimas áreas de cultivo, onde predominava a qualidade dos seus produtos frutícolas e hortícolas, sendo também visíveis grandes extensões de pasto onde os criadores de gado apostavam nas mais diversas espécies. O povo que tanta amava aquela terra, tirava daí o sustento para as suas famílias.
Ao longe, descortinavam-se as suas artérias desbravadas da sequidão do mato, onde a brita tapava por algum tempo aquela terra vermelha compacta. O progresso da vila da Moamba, ganhava dia após dia, maior visibilidade fruto da dinâmica dos seus habitantes, orgulhosos do ritmo com que a viam crescer. Tal como em muitas outras terras do interior, também ali no virar de cada esquina, existia uma cantina onde se poderiam adquirir produtos alimentares de primeira necessidade, bebidas, roupas, ferragens, artigos de higiene e até umas embalagens de algodão, frascos de mercurocromo, tintura de iodo e umas caixas de aspirinas. As ruas a quem o arvoredo fazia companhia, iam sofrendo transformações, ganhando novo visual com a construção maciça de habitações térreas dotadas de quintal, exibindo plantações de árvores de fruto compatíveis com a tropicalidade climática.
As infraestruturas tão necessárias às necessidades dos seus moradores, estavam implantadas no terreno, como testemunhavam os edifícios públicos, armazéns, oficinas de carpintaria e de mecânica geral, exemplificativas da diversidade funcional das suas gentes. Algumas instituições eram bem a prova disso e quem entrava pela avenida Central, vislumbrava a escola primária linda e bem cuidada, onde os petizes aprendiam e conjugavam as primeiras letras. Ainda na área do ensino, o destaque para a reputada Escola de Artes e Ofícios, onde os adolescentes encontravam espaço para entrarem em vários cursos técnicos e que desde a década 30, foi formando operários que procuravam ali sonhar com um futuro mais promissor. Tive conhecimento que a mesma escola foi quase destruída no período pós independência, mas felizmente foi reabilitada, sendo entregue a sua administração à Sociedade Salesiana, que em boa hora e considerando a potencialidade da agropecuária, introduziu a formação de técnicos de especialidade.
No capítulo religioso, a Sociedade Salesiana, assumiu a manutenção e funcionalidade da vistosa Igreja Paroquial de S. João de Brito e da Missão, onde eram prestados cuidados primários à população e o ensino da catequese. Quantos laurentinos, não se lembrarão ainda de ao domingo rumarem até à Vila da Moamba, para irem almoçar ao afamado Restaurante Barbosa? Sim, aquele espaço sempre bem preenchido, que se distinguia pela forma abundante como servia vários pratos sem um custo elevado. Conhecido em Lourenço Marques, em linguagem popular e sem sentido pejorativo, como “farta-brutos” ganhou fama por se comer com abundancia e beber melhor, sem que o relógio provocasse algum incómodo. Dizia-se entre círculos de amigos, que quem tivesse estômago para tal repasto (creio que eram sete pratos), a despesa ficaria por conta da casa.
A verdade é que o ponto originário donde se estabeleceu a vida comercial do então pequeno aglomerado, se ficou a dever à chegada do revolucionário comboio na primeira década do século XX, que ligava a capital à vila da Moamba, com seguimento para o posto fronteiriço de Ressano Garcia, dotado de um grande terminal. Por ali passaram milhares de mineiros moçambicanos, que embarcavam com destino às minas da vizinha África do Sul, em busca do “El Dorado”, esperando que o rand, mais expressivo que o valor do escudo, os ajudassem no retorno à terra que os viu partir, a construírem as fortalezas dos seus sonhos. A ampla estação ferroviária da vila da Moamba, obra marcante e com um projeto ambicioso para a época, contínua bem conservada como que desafiando o tempo, mostrando-se tão jovem quanto há mais de um século, o silvar do “pouca-terra” anunciava a chegada do progresso aquele povoado pitoresco, que se deixava simpatizar com tudo aquilo que o envolvia.
A vila da Moamba, era sem dúvida uma terra promissora que se deixava abranger pelo labor dos que a habitavam, a quem só a mansidão da noite silenciosa, ditava a pausa entre o descanso e o trabalho.
Um cheirinho da Moamba através do vídeo de Carlos Rocha:
13 Comentários
Nyamela Mabuza
Bom sentir o vosso amor à nossa humilde vila mesmo depois de tantos anos.
Para mais recordações pesquisem no Google Maps
São Lopes da Silva
O meu irmão nasceu na Moamba, onde o meu pai foi médico. Recordo com saudade os petiscos do “enfarta~brutos”, nunca esqueci a dobrada deliciosa. Obrigada bigslam pela recordação
Manuel Martins Terra
São Lopes da Silva, gostaria que me informasse se o seu pai era o Dr. Lopes da Silva, que foi médico da CMLM, primeiro no Posto Médico sito na Brito Camacho, e posteriormente no Edifício dos SMAE, na Pinheiro Chagas? Se for o caso, ainda aquando do seu regresso a Portugal, teve um consultório médico em Viana do Castelo. Obrigada.
Helder de Sousa
P.S. – Surpreendeu-me apenas no vídeo de Manuel Terra, que bem haja tê-lo feito e muito bem, não mostrasse nem menciioasse um restaurante, bem como o seu proprietário, figura ícone que fora da terra, o então João Cristóvão, restaurante esse virada para a estação ferroviária, e que não estarei enganado teria também ao lado do restaurante, um talho com uma carne sempre fresca e maravilhosa.
Manuel Martins Terra
Caro Hélder Sousa, tem razão na sua nota breve; efetivamente havia esse restaurante do qual não consegui apurar o nome do mesmo. Só mesmo por esse motivo. No caso de se lembrar como se chamava, agradeço que o me comunique. Obrigado.
Esperança Marques
Vocês são Formidáveis. Que bom recordar lugares onde fui bastante feliz….. As minhas férias eram todas passadas em Pessene, uma estação antes da Moamba . Em Pessene, o meu padrinho, engenheiro florestal, tinha a casa a 10 Kms da estação, não havia carro porque também não havia estradas. Havia umas picadas, e fazíamos o percurso de carroça puxada por 2 bois. Tempo: 3 horas para chegarmos a casa, de alvenaria, mas com telhado de capim. Os portões para o terreno circundante era fechados por uns ramos grandes de micaia, que tinham uns picos terríveis. Havia sempre umas mini cobrinhas nos ramos e ali ninguém entrava. Quando havia fogo no mato era um pavor porque havia só palhotas e longe, mas o fogo progredia de tal maneira que os trabalhadores da floresta se uniam todos, com catanas, ramos de árvores, etc. para combater aquele terrível fogo. Só conseguiam passadas 24, 30 horas. Já não iam para as suas palhotas, caíam para o chão e nem comiam nada, só dormiam de exaustão. Mas voltando ao assunto principal onde era o passeio ? À Moamba. Era óptimo o tempo (pouco) que passávamos lá mas uma delícia. Havia amigas da minha idade e na casa dos padrinhos era só eu e as árvores de fruta daquele imenso quintal. Tinha de inventar histórias onde entrava como rainha. Vieram ter comigo, neste apontamento tão giro, as imagens que ainda estavam na minha memória. Adorei. Não tenho encontrado fotos nem da Moamba nem de Pessene. Obrigada por esta linda surpresa, porque o melhor tempo é o que se passa no mato. Parabéns a quem consegue viver no mato. Não há nada tão bom. Obrigada Big Slam pelo presente. Até sempre.
BigSlam
Parabéns Esperança Marques pelas sua excelente memória e pelas bonitas recordações de um lugar que lhe marcou muito na sua infância…
Apareça sempre neste nosso “Ponto de Encontro!” e continue a nos brindar com os seus encantadores relatos de uma vida passada na nossa terra – Moçambique!
Helder de Sousa
Saudades mil, dessa vila onde morei nos anos 1961/62/63/64, embora apenas lá permanecia nos fins de semana e férias escolares, dado que já estava no ensino secundário, sendo que o meu pai era ferroviário, e na altura o chefe da estação. Obrigado pela descrição de quem por lá passou, e teve a oportunidade de registar em vídeo alguns lugares daquele fantástico lugar. Fez-me retroceder quase 60anos à minha infância.
BigSlam
Grato pelo seu comentário sobre uma terra que marcou muito a sua infância… foi como disse retroceder 60 anos!
Apareça sempre!
Mario Borges
Que bom rever alguns locais da Moamba. Morei lá, fiz a Primária na Airez e Ornelas, professora Cecília e fiz a Catequese na Igreja da Moamba. O meu querido pai, trabalhava nos CFM e moravamos no Bairro Ferroviário. Que lindas memórias qie tenho.
BigSlam
Bonitas recordações de um lugar onde penso que foi muito feliz…
Apareça sempre!
Manuel da Silva
Ao Sr. Manuel Terra e ao BigSlam pela oportunidade que me dão de conhecer a Vila da Moamba que puxava as gentes citadinas de LM para ir ao farta brutos e tudo o que gozavam no trajecto que os levava a ver a paisagem deslumbrante do Rio Umbelúzi. Quem ler o texto do estimado amigo Manuel Terra já não precisa de ir a Moamba!
Obrigado Manuel!
Edite Alho
Que belas recordações. E que bom que haja alguém que nos faça recordar esses bons tempos. Bem haja!