O futebol português no quotidiano do povo moçambicano
Geny Catamo, jovem futebolista do Sporting Clube de Portugal, tornou-se no foco de todas as atenções carregando às costas o orgulho da nação moçambicana, com remates certeiros e decisivos transformados em raios resplandecentes a iluminarem o espaço celeste desde Maputo até Nacala. Este genial artista do pontapé na bola está a mexer com Moçambique, que rejubila com os seus golos e as boas exibições do conterrâneo, já a chamarem a atenção nos meandros futebolísticos internacionais. Se na Superliga Portuguesa, é já um futebolista de cartaz, também como internacional moçambicano tem feito o jeito ao pé, marcando um golo de grande execução frente a consagrada congénere do Mali, na prova de qualificação para o CAN.
Em Moçambique, os principais encontros da Superliga Portuguesa, e com maior audiência os jogos que envolvam o Benfica, o Sporting e o Porto, quer a nível interno, quer nos compromissos europeus em que estão envolvidos, são transmitidos pela estação estatal da TVM e pelo canal RTP África, e a BTV. Bem se poderá dizer que meio mundo pára a assistir aos jogos, quer seja no recanto de casa, nos cafés e esplanadas ou mesmo em qualquer Associação cultural ou desportiva, e núcleos. A televisão tem assumido um papel preponderante na relação do futebol português com Moçambique contemporâneo e a forma como se tornou uma parte importante do seu quotidiano. Cabe realçar que para esta abertura, muito terá contribuído a visita do Sport Lisboa e Benfica, em Maio de 2006 a Moçambique, a fim de participar num torneio quadrangular e que foi entusiasticamente recebido por milhares de moçambicanos ávidos em verem desfilar as principais figuras do plantel, a marcarem presença no Aeroporto Nacional de Maputo.
O plantel do Sport Lisboa e Benfica, teve também a oportunidade de visitar estabelecimentos de ensino na capital moçambicana, em clima de grande paixão clubista, a provar que estes jovens moçambicanos nascidos num país já independente e desligados do espartilho de histórias políticas, davam mostras de acompanhar o nosso futebol com perguntas e respostas que não deixavam de surpreender. Hoje, quem viajar por Maputo, assim como outros pontos do território é comum verem-se jovens adolescentes trajando camisolas dos três clubes suportes do futebol português, e também ainda equipamentos similares dos grandes emblemas europeus, conseguidas por vezes a turistas que descontraidamente visitam a cidade, que depois de abordados simpaticamente e confrontados pelas suas retóricas acabam por os presentearem.
A ligação destas novas gerações com o universo do futebol português concretamente mais expresso em contexto urbano, deve-se em grande parte às telas da televisão, mas também ao facto dos boletins do Totobola em Moçambique, serem preenchidos por jogos da nossa prova, assim como o serviço prestado pela potente companhia de telefones móveis local, a MCEL, disponibilizar uma plataforma especial de apoio ao desporto no qual através de um SMS, com as iniciais do clube pretendido os internautas podem saber tudo acerca do desporto internacional, nomeadamente resultados, classificações e todos os calendários de provas.
Dir-me-ão então o que é feito do Moçambola, Campeonato Nacional de Moçambique? Bom cabe-me dizer que a popularidade do futebol português no país irmão, coincide com a crise geral que avassala o futebol moçambicano, penalizado por dificuldades financeiras, pela imaturidade e negligência dos corpos diretivos dos seus clubes, e nitidamente a escassez de infraestruturas. A tudo isto, juntou-se a guerra civil que deixou marcas na sociedade moçambicana, e que pesou profundamente no fracasso da candidatura à organização do Campeonato Africano das Nações em 2010, recaindo a escolha em Angola.
A falha sucessiva da seleção dos Mambas na qualificação para o CAN e em Campeonatos Mundiais de Futebol, onde o povo moçambicano patrioticamente se revê, mais atrai as atenções para o futebol luso e desengane-se quem duvide dos conhecimentos que a nova geração possui sobre o palmarés das principais equipas portuguesas e os seus desempenhos.
Evidenciam uma competência elevada sobre o desenrolar dos resultados, e opinam sobre questão dos esquemas táticos usadas pelos treinadores sobretudo quando os resultados são favoráveis ou o contrário se for o caso disso. Eu próprio registo esse interesse quando assisto à transmissão dos jogos, testemunhado pelas mensagens no telemóvel via WhatsApp de amigos radicados em Maputo, que em tempo real comentam as incidências do desafio que estamos a assistir.
Todos sabemos que o tempo é inexorável, mas incapaz de fazer esquecer a legião de futebolistas moçambicanos que viajaram até à metrópole, desde o findar da década 40 até meados da década 70 do século passado, dando força, brio e arte ao futebol desta pequena parcela do Atlântico, projetando o Sport Lisboa e Benfica como Bicampeão europeu em 1960/61 e 1961/62, com Coluna, Costa Pereira e Eusébio e outros ultramarinos (de Angola) José Águas e Santana, estrelas da companhia.
Em 1966, no Campeonato do Mundo disputado em solo britânico, a seleção dos Magriços espantou o mundo do futebol e saltou para a ribalta com as exibições de gabarito de Eusébio, Coluna, Vicente e Hilário, aqueles “meninos” que na sua infância recheada de sonhos jogaram peladas na “Academia” da Munhuana, e que só não conquistaram a Copa devido a suspeitas interferências diretivas, mas isso são contas de outro rosário.
Todavia, o grande catalisador de todas as atenções e que se tornou uma chama viva a iluminar os dois continentes; isto no início da década 50, foi Matateu que deixou o GD 1º de Maio e veio para o Clube de Futebol “Os Belenenses” tornando-se no artilheiro-mor de Belém e a abrir a porta à vinda de mais futebolistas moçambicanos.
O jogo que se fazia na Metrópole, começou a ter mais eco quer na imprensa escrita ou falada, numa época em que a televisão ainda era uma miragem. Este tema leva-me necessariamente a um tempo já a caminho da adolescência, à magia da rádio e da multiplicação dos pequenos transístores, diria acessíveis a todas as bolsas (alguns até poderiam ser pagos em prestações) que nos proporcionavam a partir das 15 horas, aos domingos de captar as transmissões da Emissora Nacional, para o acompanhamento da jornada em curso. Os relatos tornaram-se numa parte importante da cultura popular vivida há mais de 60 anos, que implicitamente acaba por explicar o que se passa hoje frente a um ecrã de um televisor, onde a voz deu lugar à imagem sonora.
Depois de alcançada a Independência, o novo regime moçambicano doutrinado nos chamados países da cortina de ferro e quiçá para restringir a influência dos clubes portugueses no círculo desportivo do país, mudou o nome do Sporting Clube de Lourenço Marques, para Clube de Desportos do Maxaquene,
e o do Sport Lourenço Marques e Benfica, para Clube de Desportos da Costa do Sol,
alegando que tinham como referência o local onde estavam implantados, medida que já não foi aplicada ao Clube Desportivo da Malhangalene, que apesar de ser edificado no bairro com o mesmo nome, passou a chamar-se Clube Desportivo Estrela Vermelha.
A par disso, determinaram colocar um ponto final ao regime de transferências de jogadores moçambicanos para o exterior; isto só até 1987, porque Joaquim Chissano, já no poder autorizou a vinda de Chiquinho Conde, para o CF Os Belenenses, e outros se sucederam. Quanto é do meu conhecimento, só mesmo no círculo da capital se mantém a persistente relutância quanto à proibição de denominar coletividades com o título de Sporting e Benfica, o que já não sucede na Beira, Quelimane e Nampula. Mas ao que se sabe, todas estas medidas tomadas no período pós-independência não atingiram com impacto a popularidade do futebol português.
Uma sondagem efetuada em Maputo, em 1995 revelou que apenas 15% da população local preferia as equipas moçambicanas em detrimento das portuguesas. Deste modo, as interferências políticas mostraram-se infrutíferas perante a festa e a paixão do futebol que toca a sensibilidade desde os cidadãos mais simplórios até aos considerados intelectuais, em qualquer sociedade apaixonada pelo desporto-rei. Em Moçambique, continua-se a viver o futebol com grande fervor e visibilidade arraigado ainda nas veias, pelos feitos desportivos dos futebolistas moçambicanos que ajudaram a projetar o futebol português além-fronteiras, reforçando os laços de amizade entre os dois povos irmãos, distantes no tempo e no espaço mas sempre tão próximos no coração, onde se encontram pretextos pessoais ou históricos que reverenciam um passado que fala por si.
Manuel Terra – Outubro de 2024
Um Comentário
Nino ughetto
Footebol. … é para quem aprecia e gosta…Nos tivemos grandes artistas em Moç L.Marques