O monumento resistente
Ainda antes de se assistir ao momento de forte contestação em torno das eleições presidenciais de 9 de Outubro de 2024, o mais conturbado ato registado no período pós- independência, já alguns tempos a esta data iam-se deparando nas redes sociais da sociedade moçambicana e com maior relevo na capital, a um desfilar de comentários que naturalmente refletem o modo de pensar de cada um. Em causa está a retirada do monumento de homenagem aos heróis portugueses e moçambicanos que tombaram na Grande Guerra, também chamada de 1ª Guerra Mundial, no norte de Moçambique aquando da invasão alemã ao território e que partia das linhas fronteiriças do antigo Tanganica, Tanzânia de hoje.
Como nos devemos estar todos a lembrar está localizado no eixo central da Praça dos Trabalhadores (antiga Praça Mac-Mahon) no concluir da baixa da cidade de Maputo, sendo o monumento esculpido em pedra de Cabriz vinda da Metrópole, concretamente da pedreira de Cabriz, na região de Sintra e registando a altura de 15 metros de altura.
O transporte dos 444 volumes de pedra com o peso total de 271 mil toneladas, foi efetuado nos navios João Belo, Niassa e o Quanza. Sobre a base foi erguida a figura da pátria, sustentando na destra as quinas (que simbolizavam na bandeira de Portugal os cinco reis mouros que D. Afonso Henriques venceu na batalha de Ourique) e na esquerda um escudo e uma espada. No lado inferior direito está a serpente que simboliza o valor científico das grandes navegações portuguesas. Nos painéis laterais e já muito próximos do baixo da base do monumento, o relevo de batalhas travadas pelos portugueses e moçambicanos, frente ao invasor alemão.
A inauguração do monumento, obra dos escultores Rui Roque Gameiro e do arquiteto Veloso Camelo, a 11 de Novembro de 1935, contou com a presença de muitas autoridades civis e militares a que se juntaram milhares de populares, vindos de todos os pontos da cidade e arredores.
Bom, é por aqui que começam as divergências levando uma certa faixa de cibernautas locais a sugerirem que o monumento deveria ser retirado, por conter elementos referenciais da soberania portuguesa, ainda que respeitem a homenagem aos combatentes moçambicanos que lutaram ao lado dos portugueses. A outra versão, aponta para o facto de a Praça ser ainda nos finais do século XIX, um local pantanoso e nauseabundo, habitat de uma cobra que picava as cabeças das pessoas que por ali passavam, mas que a senhora que está no cimo do monumento tornou-se uma vencedora porque ferveu farinha, colocando-a depois numa panela de barro e encostando a cabeça em cima da mesma. Quando a cobra quis picá-la, retirou-se e provocando assim a queda do réptil que se queimou porque a papa estava muito quente e a serpente não resistiu. Com este ato corajoso, a senhora tornou-se uma heroína. Logo o monumento não deverá ser retirado e todos nós sabemos o peso das crenças, nas culturas dos povos.
Também em entrevistas no local, alguns referem que os relevos evocativos das batalhas de Mecuta, Quivambo, Nevala e Quionga, refletem os que tombaram foram vítimas da cobra da zona, e os que empunhavam as armas, estavam a lutar para matar a tenebrosa serpente a que só a senhora o conseguiu fazer. Há-os que se tornam indiferentes a toda a polémica, e que pensam que não fora a bravura dos soldados portugueses e dos cipaios moçambicanos, o território moçambicano poderia ter caído nas mãos dos alemães.
A verdade é que a primeira Grande Guerra, teve um impacto muito significativo em Moçambique, com o norte da então colónia a ser alvo de intensos e violentos combates entre as tropas portuguesas e alemãs, e neste contexto há que destacar a valiosa colaboração e diria determinante, do corpo de cipaios pelo papel que desempenharam junto dos militares do Corpo Expedicionário Português.
Os cipaios, foram reconhecidos pelos seus méritos no terreno, pela forma como evidenciavam profundos conhecimentos das matas, das línguas locais e de táticas de combate e com toda a justiça considerados imprescindíveis para o decorrer das operações militares.
Muitos foram os confrontos e entre avanços e recuos, os portugueses conseguiram recuperar posições e empurrar os alemães já enfraquecidos para lá da Bacia do Rovuma, lembrando que as adversidades climáticas, como a malária, a desidratação, a febre-amarela e epidemias cutâneas, má alimentação e fardamentos esfarrapados, provocaram milhares de mortes de ambos os lados da barricada. Portugal, enviou mais de 20.000 soldados para Moçambique, no período de 1914/1918,
morrendo mais de 2000 combatentes ou seja mais militares do que na frente europeia, e não tanto pelo poder de fogo do inimigo, mas sim da inclemência do clima e das doenças tropicais.
Veja o vídeo. Clicar AQUI!
Resumindo, tudo isto está a dividir a opinião dos moçambicanos quanto à remoção do monumento ou a sua conservação, sendo sempre um tema complexo e controverso, que envolve questões de memória e identidade. Sem o poder confirmar, fala-se já que o novo monumento já teria sido encomendado para ser inaugurado no 1º de Maio, dia do Trabalhador restando apurar o ano, contudo até lá a senhora de pedra cabris, vai resistindo e seja ela um símbolo da pátria ou a heroína que venceu a serpente, vai continuar a ter pela frente a companhia da mais bela estação de caminhos-de-ferro do continente africano, e uma das mais bonitas do mundo.
- Fotos retiradas com a devida vénia dos blogues: The Delagoa Bay World de ABM e The House of Maputo.
Manuel Terra – Dezembro de 2024
4 Comentários
Nino ughetto
Muito bom artigo O meu avo fez parte dessas guerras. Antonio Nobre de Mello.. Também voltou doente ,mas sobreviveu…
Luis 'Manduca' Russell
Por coincidência, acabei de comprar o livro A Guerra que Portugal Quis Esquecer, de Manuel Carvalho. A história do Manuel Terra vem acrescentar vários pontos importantes e interessantes – muito bom!
Grande cidade Natal, esta nossa Lorenço Marques – Kanimambo!
Luís Serrano
Um belo artigo, história dos Portugueses em Moçambique . Desconhecia! Obg.
Dulce Gouveia
Interessante artigo Manuel!
Desconhecia a lenda da cobra……sempre a aprender!
Abraço